Embora o governo de Jair Bolsonaro tenha comemorado o possível acordo comercial entre Mercosul e a União Europeia, países como a França ainda veem com enorme preocupação a maneira como o Brasil tem tratado as questões ambientais – a ponto de o mandatário da República brasileira rebater dados inquestionáveis sobre aumento de desmatamento na Amazônia divulgados pelo Inpe.
O temor de que a cúpula bolsonarista não atenda aos requisitos para levar a parceria adiante motivou o Movimento França Insubmissa a enviar uma carta aberta ao ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, que iniciou visita de quatro dias ao Brasil neste sábado (27).
Além dos membros do França Insubmissa, que também atua como partido político, o documento tem a assinatura de lideranças progressistas brasileiras como a presidenta Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, o líder do partido no Senado, Humberto Costa, e o líder petista na Câmara, Paulo Pimenta.
“Esperamos então que o ministro Jean-Yves Le Drian tenha reservada na sua agenda uma visita as terras da floresta nativa da Amazônia que sofreram um aumento de 88% do seu ritmo de desmatamento desde 2018, além de uma visita as aldeias dos povos indígenas que estão sendo ameaçadas para recolher-se frente aos túmulos da centena de defensores da terra e do meio ambiente que foram assassinados nos últimos anos (um número que só cresce)”, diz trecho da carta, que ainda pede que o presidente francês,Emmanuel Macron, rejeite o acordo de livre comércio caso não haja nenhuma proposta concreta de mudar cenário tão alarmante.
Leia o documento na íntegra:
Carta aberta ao ministro francês das relações exteriores Jean Yves Le Drian
Entre os dias 28 e 30 de julho, o ministro das relações exteriores da França Jean-Yves Le Drian estará no Brasil para uma agenda com autoridades e corporações. Pouco mais de 2 meses depois da visita do chefe do Itamaraty Ernesto Araújo ao Quai d’Orsay e da organização no ministério das finanças francês de um encontro entre setores econômicos e corporativos dos dois países com a presença do então ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência Carlos Alberto dos Santos Cruz, onde falou-se entre outras coisas das oportunidades oferecidas pela (ainda então não aprovada) reforma da previdência. Uma atividade bilateral intensa entre os dois países que não acontecia há anos.
De fato, o Brasil é de longe o principal parceiro comercial Latino Americano da França com mais de 30 bilhões de reais em fluxos comerciais e 900 empresas francesas implantadas, com grandes expectativas de expansão em um contexto de aumento da concorrência pelo mercado chinês.
Sendo assim, o acordo de livre comércio entre a União europeia e o Mercosul é muito satisfatório para a França e suas empresas já que, além de favorecer a exportação de commodities latino-americanas para Europa, reduz amplamente as barreiras alfandegárias que hoje salvaguardam a indústria brasileira. Hoje por exemplo já são empresas francesas liderando o mercado da energia privada (ENGIE) e da produção de leite (Lactalis) ou ainda de supermercados (Carrefour). Essa situação irá se amplificando com a entrada em vigor do acordo
Mas o presidente francês Emmanuel Macron, parece ter rapidamente esquecido detalhe que não tem valor comercial: os danos ao meio ambiente causados em decorrência deste tratado. Em novembro 2018, no G20 em Buenos Aires, pouco depois da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência do Brasil, o Presidente Emmanuel Macron assumiu um papel de destaque ao levantar o tom para condicionar a assinatura do acordo comercial à permanência do Brasil no Acordo de Paris pelo Clima.
Potencial saída que o então candidato Jair Bolsonaro tinha várias vezes anunciado em sua campanha. Bastou alguns apertos de mãos entre os ministros de relações exteriores e entre os presidentes no último G20 de Tokyo em junho deste ano, para que Emmanuel Macron ficasse convencido da boa vontade do Presidente brasileiro em preservar o meio ambiente.
Esperamos então que o ministro Jean-Yves Le Drian tenha reservada na sua agenda uma visita as terras da floresta nativa da Amazônia que sofreram um aumento de 88% do seu ritmo de desmatamento desde 2018, além de uma visita as aldeias dos povos indígenas que estão sendo ameaçadas para recolher-se frente aos túmulos da centena de defensores da terra e do meio ambiente que foram assassinados nos últimos anos (um número que só cresce). Esperamos também que o ministro tenha previsto algumas horas em companhia dos trabalhadores do campo empregados nas grandes fazendas do agronegócio agora que o trabalho escravo volta a ser uma realidade e que 239 agrotóxicos (cuja boa parte é proibida na Europa) foram autorizados no Brasil.
O Acordo de Paris não é uma bagueta mágica como os negociadores do ministério das relações exteriores francês talvez acreditam. Não prevê nenhuma cláusula vinculante e faz que mesmo com o Brasil permanecer no acordo, ele poderá continuar sua atuação criminal com o meio ambiente. Para atender os princípios do Acordo de Paris, é preciso atitude e um compromisso sem falha na luta contra o aquecimento climático.
E é especificadamente o que o atual governo do Brasil está muito longe de ter. Lamentamos profundamente que o Presidente Macron, que tanto pretende se tornar o líder mundial em defesa do meio ambiente, não queira enxergar esta evidência. As palavras do Presidente Emmanuel Macron não terão efeito nenhum com o aumento das relações comerciais entre França e Brasil pois o aumento da produção de CO2 só continuara crescendo o que torna impossível a aplicação das metas do Acordo de Paris.
Com isso pedimos à França de rejeitar o acordo de livre comércio entre a União Europeia e condicionar o comércio entre nossos dois países à aplicação de critérios e normas altamente vinculantes em defesa do meio ambiente e dos trabalhadores brasileiros.
Da Redação da Agência PT de Notícias