“O objetivo de um grupo consiste em criar formas de legalizar recursos ilícitos e assim se beneficiar deles”. Ao ler esta frase pensamos, em um primeiro momento, na descrição da operação de uma organização criminosa que pratica lavagem de dinheiro. Mas não. Trata-se de uma perfeita definição da metodologia empregada por Deltan Dallagnol e outros procuradores do Ministério Público Federal (MPF), ao longo da Lava Jato. É o que mostra, nesta sexta-feira (27), o portal o UOL, em parceria com o The Intecerpt, em mais uma reportagem da série da Vaza Jato.
A publicação revelou Dallagnol “utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e Mônaco para obter provas ilícitas com o objetivo de prender alvos considerados prioritários”. Segundo a reportagem, esses suspeitos eram presos preventivamente e muitos deles vieram a se tornar delatores. A prática ilegal da Lava Jato é mencionada “com frequência” em conversas entre 2015 e 2017, conforme mostram mensagens no Telegram. Os diálogos revelam que Dallagnol montou uma “espécie de lavanderia” de provas obtidas no exterior.
O coordenador da Lava Jato e outros procuradores do MPF recebiam informalmente documentos e informações de autoridades estrangeiras e estudavam, conjuntamente, formas de legalizar os documentos perante os tribunais brasileiros. A lei brasileira, por sua vez, obriga que sejam firmados acordos de cooperação internacional em matéria penal para que investigações usem informações apuradas no exterior. A relação com os países é estabelecida por meio de acordos bilaterais ou tratados internacionais.
Com os acordos, é estabelecida uma autoridade central, que fica responsável pela troca de informações entre os países. No caso do Brasil, essa tarefa cabe ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Por isso, a Lava Jato é obrigada e enviar seus pedidos de colaboração internacional ao DRCI, que também será o órgão habilitado para receber possíveis evidências partir dos pedidos feitos.
Dallagnol ‘esquentou’ pendrive e admitiu ilegalidade
Não foi o que o coordenador da Lava Jato fez ao longo dos anos. Por meio de sua ‘lavanderia’ de provas obtidas no exterior, Dallagnol pediu a um órgão do MPF que alterasse um documento para atribuir a remessa de um pen drive ao canal oficial com a Suíça, simulando que as informações tiveram origem legal. O dispositivo foi obtido de forma ilícita pelo procurador em uma reunião com suíços, em novembro de 2014.
O pen drive continha informações bancárias de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e um dos primeiros delatores da Lava Jato, que foi preso preventivamente e fez delação que atingiu a empreiteira Odebrecht. Ainda em 2014, entre 1º e 4 de dezembro, Dallagnol, ciente da ilegalidade da troca de informações com a Suíça, envia mensagens aos outros procuradores da Lava Jato sobre uma reunião secreta com investigadores daquele país.
“Caros, sigilo total, mesmo internamente. Não comentem nem aqui dentro: Suíços vêm para cá semana que vem. Estarão entre 1 e 4 de dezembro, reunindo-se conosco, no prédio da frente. Nem imprensa nem ninguém externo deve saber”, escreveu Dallagnol no Telegram. Já em 2015, o procurador mais uma vez admite que as trocas eram ilícitas. Ele utilizou uma prova ilegal para pedir prisão do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, em março. “É natural tomar algumas decisões de risco calculado em grandes investigações”, disse Dallagnol, após ser alertado pelo procurador regional da República Vladimir Aras cinco dias antes do então juiz Sergio Moro decretar a prisão.
Nulidade de provas ilícitas e tentativa de perseguir Lula
A reportagem do UOL ouviu especialistas em direito internacional, que explicaram que qualquer troca de informação fora do sistema do DRCI constitui prova ilegal e deve acarretar em nulidades. Segundo Thiago Bottino, professor da FGV Direito do RJ, a Lava Jato incorreu em ilegalidades. “Uma prisão preventiva decretada com base nisso tem que ser imediatamente relaxada. Se essa pessoa já foi solta, na minha opinião essa pessoa tem que ser inclusive indenizada. Se foi feita uma busca e apreensão nesses termos, as provas obtidas por meio dela também são ilícitas”.
Já o advogado Yuri Saihone, que pesquisa o tema das cooperações internacionais em matéria penal, disse que as práticas da Lava Jato violam os princípios do devido processo legal. De acordo com ele, as autoridades que adotam esse tipo de prática têm “certeza da impunidade”. “É uma maneira de burlar o próprio sistema, na lógica de justiça a qualquer preço. A gente não pode aceitar esse tipo de conduta porque dessa forma não é preciso ter o devido processo legal”.
Dallagnol, inclusive, tentou usar sua ‘lavandeira’ de informações ilícitas para perseguir Lula. Ele pediu que investigadores suíços buscassem informações de familiares do ex-presidente. A busca, no entanto, não resultou em nenhuma informação, prova ou evidência, uma vez que nem Lula, nem seus familiares possuem contas ou recursos no exterior, nem praticaram nenhum crime.
Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações do UOL