Em audiência pública na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (10) para tratar da troca de mensagens divulgadas pela Vaza Jato, choveram críticas à ausência do procurador da República Deltan Dallagnol.
Convidado oficialmente para comparecer à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Casa, o membro do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná enviou uma justificativa em que se disse “impossibilitado” de participar do debate. Dallagnol argumentou que prefere “concentrar na esfera técnica” as manifestações sobre o tema, evitando debates políticos.
“Fica aí o Dallagnol fujão. Antes, ele vivia aqui na Casa. Não era deputado, mas vinha pra falar das ‘dez medidas contra a corrupção’, pra fazer lobby em torno delas. Pra isso, ele tinha funções que considera importantes [no parlamento]. Infelizmente, fica mais uma vez aí a ausência dele, que já se negou também a vir outra vez, na Comissão de Direitos Humanos (CDHM)”, criticou o deputado Rogério Correia (PT-MG), após ler a justificativa do procurador.
“Também não veio ninguém pra defendê-lo. Isso significa que ele está ficando sem defesa aqui no parlamento”, acrescentou Correia, classificando ainda a ausência como “desaforo” e “desrespeito ao povo brasileiro”.
“Ele não está [na audiência] porque está fugindo do debate, que é técnico e político, e não só político”, criticou o deputado Bohn Gass (PT-RS).
Responsabilização
Em conversa com a imprensa, o jornalista Leandro Demori, editor-executivo do site The Intercept Brasil, também lamentou a ausência de Dallagnol na sessão.
“Seria importante que ele tivesse vindo hoje. A gente está esperando. Eu vim como convidado. Isso daqui não é uma intimação. Esta daqui é a casa do povo brasileiro, a gente vai ter uma transmissão ao vivo pra todas as pessoas que querem acompanhar. Ele, na verdade, deveria ter mais interesse e mais obrigação do que eu de estar aqui, porque ele é servidor público, pago com os nossos impostos e deveria vir explicar como operou durante cinco anos nas sombras, que é o que a Vaza Jato está mostrando”, alfinetou Demori.
O jornalista destacou que o Intercept ainda tem “muito material para publicar” sobre o escândalo da Vaza Jato. Ele também comentou a atuação das instituições brasileiras após o início da publicação da série de reportagens.
“Como a gente vem falando, esse arquivo é extenso, mas acredito que o material já publicado, supondo que a Vaza Jato terminasse hoje, por exemplo, é suficiente pra abrir várias investigações contra as pessoas dos diálogos. A gente viu atropelos de lei, procuradores e juízes atuando muitas vezes na ilegalidade, de fato. Me impressiona que as instituições ainda não estejam funcionando. Espero que seja só uma questão de tempo e que essas pessoas sejam responsabilizadas ”.
A mesma crítica ganha corpo na voz de parlamentares.
“Cadê as instituições? Nem o ponto do Deltan foi cortado pelo Conselho Nacional do Ministério Público quando ele se ausentou pra fazer palestras pagas. Estamos numa queda explícita do Estado democrático de direito”, disse a vice-líder da minoria, Alice Portugal (PCdoB-BA).
O ex-procurador da República e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão criticou o fato de a equipe da Lava Jato não ter disponibilizado os celulares institucionais para que seja feita uma perícia nos diálogos divulgados.
“Essas conversas foram todas feitas por equipamentos funcionais. Não há nada nesses dispositivos que não possa ser submetido aos princípios que regem a administração pública, como, por exemplo, o da publicidade. Ninguém pode alegar privacidade com uso de celular funcional e, aliás, há precedentes do Supremo nesse sentido. Celular funcional não pode vincular mensagens secretas”, argumentou o jurista.
Ameaças
As ameaças à equipe da redação do Intercept também foram destaque na sessão sobre a Vaza Jato. Demori sublinhou que os jornalistas do veículo já sofriam ataques antes da divulgação da série por causa de outras denúncias, mas ressaltou que a situação piorou após a divulgação do escândalo que envolve os membros da Lava Jato.
“Não é mais segredo pra ninguém que a gente está andando com segurança porque vivemos num país onde publicar informação de interesse público se torna um risco de vida. Isso é um absurdo. Nós teríamos condições de sair do Brasil e continuar publicando isso lá fora, mas a gente não vai fazer isso porque passaria o recado de que não é possível mais fazer jornalismo no Brasil. Isso é um símbolo. A gente estaria sendo irresponsável, inclusive com os nossos colegas”, afirmou o editor-executivo.
Ele também lembrou a recente recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Estado brasileiro para que seja dada proteção à equipe do Intercept.
“As providências não foram tomadas até agora. Nós não fomos contatados por ninguém deste governo, que não está preocupado em proteger jornalistas. Pelo contrário, está preocupado em atacar porque, com isso, conseguem sufocar a verdade. Eles precisam zelar pelos convênios assinados internacionalmente e precisam dar uma resposta à ONU”, cobrou.
Membro da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Demori também comentou que o contexto de ataques aos profissionais de imprensa tem afetado toda a categoria, trazendo prejuízos para o regime democrático. Ele lembrou as diferentes manifestações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e governistas contra o trabalho de vigilância exercido pela imprensa.
“Quando você vê um ministro da Justiça chamando jornalistas de ‘criminosos’, a consequência disso é que você pega uma parcela da população que já odeia jornalistas, que já tem um instinto de agredir jornalistas, seja digital, presencial ou fisicamente, e você inflama esse discurso. Então, eu considero de uma irresponsabilidade tremenda do governo fazer esse tipo de discurso”.
CPI
Os debates em torno da Vaza Jato levaram a diferentes articulações do campo da oposição. Uma delas diz respeito à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no âmbito da Câmara dos Deputados, para apurar as denúncias trazidas à tona pelo Intercept e os demais veículos de imprensa que hoje pautam o tema. Na audiência desta terça (10), o movimento para instalar o colegiado foi novamente lembrado por opositores.
“Tudo que foi publicado já é muitíssimo grave, além da questão internacional. Como é que um país fornece informações pra outro país pra derrubar governos eleitos, por exemplo? Entendemos que o parlamento precisa dar uma resposta a tudo isso, sob pena de a gente desmoralizar o sistema republicano brasileiro”, defendeu a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
De acordo com a deputada, já foram coletadas cerca de 160 assinaturas. O regimento da Casa exige no mínimo 171, o que corresponde a um terço do total de parlamentares.
Por Brasil de Fato