A Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento (SMAD) e a Fundação Perseu Abramo (FPA) promoveram o primeiro encontro de um ciclo de debates quinzenais que vão contribuir com o debate social sobre meio ambiente e desenvolvimento e transição ecológica. O debate foi transmitido pela TV PT e está disponível para visualizações no youtube da TV e noa site da Fundação Perseu Abramo.
O primeiro a falar foi o cientista Carlos Nobre, que salientou que precisamos reconsiderar as metas de emissão de Carbono no Brasil, pois o plano de redução foi ambicioso, mas não tem havido reduções desde 2016 e o governo federal tem maquiado os números.
“Precisamos agora zerar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado, que será uma contribuição nossa para o maior desafio da humanidade, que a sobrevivência de nossa civilização. O aumento do nível do mar continuará a acontecer por mais mil anos com um aumento de temperatura em 1,5º neste século, e nada garante que esse aumento ficará nesse patamar a tendência é que a temperatura aumente mais ainda”.
Conforme Nobre, até 2050, haverá aumento de meio metro no nível do mar. Em 2100, com aumento de apenas 1,5 grau, teremos uma elevação de 3 metros; com 2 graus de aumento aumenta-se 6 metros o nível do mar.
Nobre ressaltou ainda que a melhor maneira de retirar carbono da atmosfera é pela restauração de florestas, mangues e demais biomas. Pelo menos 10 milhões de quilômetros quadrados de florestas no mundo todo retiram 5 bilhões de gás carbônico, diminuindo o impacto do efeito estufa. Além do efeito estufa zerar a emissão de gases resultantes de combustão fóssil, melhoraremos a condição de saúde das pessoas, especialmente nas cidades.
“Hoje a queima de combustíveis com a emissão de enxofre provoca 4,5 mil mortes por ano pela poluição apenas na cidade de São Paulo. Zerar o uso de combustíveis fósseis tem efeitos sobre a Saúde”.
O cientista indicou que mesmo com 1,5 graus de aumento na média de temperatura global, os eventos extremos são muito frequentes. A temperatura máxima no Brasil será de 2 graus acima nessa década, com diminuição das chuvas em todo o Brasil, à exceção do RS. A Caatinga virará deserto, Cerrado se tornará Caatinga e a Amazônia será um sistema degradado parecido com a Savana.
Aumento da emissão de carbono
No Brasil o aumento da emissão de carbono foi de 8,5% em 2020; no resto do mundo houve uma queda de 7%, e o PIB brasileiro teve uma retração de 4,5%.
“A emissão não está sendo feita para gerar emprego, isso não é verdade. Retraímos a economia e emitimos mais carbono no modelo atual”, ressalta Carlos Nobre.
Por fim, Carlos Nobre defendeu que as mudanças para salvar o planeta devem ser transformacionais e não paulatinas: zerar desmatamento, reflorestar o que destruído, abandonar combustíveis fósseis, mudar agricultura, dentre outras medidas, e isso tudo em menos de 10 anos.
Influência humana
Suely Araújo, do Observatório do Clima, destacou que pela primeira vez o pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU deixa muito clara a influência humana sobre o equilíbrio climático de forma irreversível e devastadora.
Ela explicou que 300 milhões de toneladas de carbono é o limite para parar o aumento de temperatura em 1,5 grau, mas essa emissão será alcançada na década seguinte e nada foi feito para impedir isso, logo a tendência é que essas metas de redução e contenção da temperatura sejam mal sucedidas.
“Pessoas mais pobres, problemas sociais e questões de gênero, etnicidade e renda são os grupos mais afetados. Deve haver uma política específica para esses grupos. Justiça social não está ocorrendo e essa mudança da emergência climática, no Brasil e internacionalmente, aprofundam as desigualdades”, ressaltou.
Para ela, a crise climática não é expectativa, mas uma realidade. O Brasil é o quinto maior produtor de carbono do mundo, a média de emissão por brasileiro é maior que a média mundial, de 10 toneladas por habitante, para 6,7 toneladas de média mundial. E as mudanças no uso da terra são responsáveis por 46% do total de emissão. Sistema de estimativa de emissões -SRRG indica ainda que a agropecuária vem com 26% da emissão, principalmente pelo metano. Emissão de energia: 18%; produção industrial: 5%. O Brasil se comprometeu a reduzir o metano mas não tem credibilidade internacional.
Segundo Suely Araújo, o desmatamento é um fenômeno ilegal. De acordo com o Sistema de Monitoramento de Venda de Madeiras (Sinofor), sempre dá mais de 90% de ilegalidade.
“A cadeia da madeira é criminosa. Combater desmatamento e diminuir as emissões é combater o crime e assunto dos três níveis da federação, especialmente do governo federal.”
Agronegócio é o grande produtor de carbono
O engenheiro agrícola, Eduardo Assad, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), salientou que o agronegócio é grande produtor de carbono, consume os recursos hídricos, tem dependência de fornecimento externo de produtos industrializados e que a agricultura familiar está desprestigiada.
“O Brasil é o maior exportador de graus e ao mesmo tempo temos muita insegurança alimentar e fome. Não há sustentabilidade social na agricultura brasileira e a falta de inclusão social e o exército de extrema pobreza no campo.”
Eduardo dialogou que vivemos, por conta da emergência climática e do aquecimento hoje, um aumento de carência e deficiência hídrica, uma diminuição da produção e qualidade dos produtos, uma quebra de safra por falta de chuvas. Não é cíclico, é estrutural e os produtores tem apenas preocupação com a rentabilidade e não com produção e perenidade. Ele concordou com a prioridade a ser dada à ABC e defendeu que todo crédito agrícola deveria ir para ABC, agricultura mais conservativa, sumidouro de carbono e aumento de produtividade.
Transição socioecológica
O economista e cientista social, Guilherme Melo, da Universidade de Campinas (Unicamp) abordou a transição socioecológica como central num novo modelo de desenvolvimento.
“Assim como o “Green New Deal” nos Estados Unidos, na Europa o “Next Generation” tem pilares centrais no investimento ambiental (infraestrutura, mudança do padrão de consumo, transição energética). Por outro lado, a projeto da China é o maior plano ambiental do mundo, metade dos painéis solares nos próximos 10 anos no planeta serão chineses, e há investimentos em pesquisa em outras modalidades de produção de energia”.
O professor Guilherme ressaltou que há uma mudança no padrão do debate econômico sobre meio ambiente. Até o século XX era um “não debate”. Apenas nas décadas de 1960 e 1970 começa o debate econômico e ambiental, mas apenas como custo e precificar a externalidade da produção e sua poluição, para depois cobrar das empresas, visando minimizar os custos sociais da produção de poluentes.
Ele explicou ainda que a partir dos anos 2000 essa visão liberal de combater a mudança climática a partir dos estímulos econômicos perde força. Há a necessidade de uma outra abordagem para enfrentar não somente a degradação como custo de externalidade negativa, mas ter os investimentos em economia verde como oportunidade de crescimento e desenvolvimento. O Estado tem que ser capaz de induzir e coordenar os esforçar para organizar os projetos e metas a partir de missões junto com uma nova visão do Estado indutor e planejador.
Guilherme também refletiu que a Transição digital, a transição energética e a transição socioecológica terão um impacto na produtividade e formas de produção no futuro.
Da Redação