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Decreto permite deixar consumidores endividados com apenas R$ 303 para “sobreviver”

Decreto 11.150/22 que regulamenta a Lei do Superendividamento (14.181/21) estabelece que o “mínimo existencial” – valor que deve ser preservado para o consumidor na negociação de dívidas – corresponderá a 25% do salário-mínimo

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Escravidão financeira

A caneta de Jair Bolsonaro não para. Com ela, o inquilino do Planalto finge dar com uma mão e tira com a outra. Mais nova perversidade bolsonarista, o decreto 11.150/22 regulamenta a Lei do Superendividamento (14.181/21) estabelecendo que o mínimo existencial – valor que deve ser preservado para o consumidor na negociação de dívidas – corresponderá a 25% do salário-mínimo. Em valores atuais, o equivalente a R$ 303, ou metade do “novo” Auxílio Brasil de R$ 600, em vigor só até 31 de dezembro.

Publicado nesta quarta-feira (27) no Diário Oficial, o decreto presidencial permite que bancos e financeiras se apoderem de quase toda a renda dos devedores – ou praticamente toda a população economicamente ativa do país – para o pagamento de dívidas e juros a essas instituições. Após a “limpa”, restarão R$ 303 na conta para trabalhadores e trabalhadoras sustentarem suas famílias por todo o mês.

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“Como pagar o aluguel, a conta de energia, de água, o condomínio, comprar comida, água para beber, gastos básicos com saúde e educação com R$ 300?”, questiona a coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. “É isso que o governo Bolsonaro diz ser factível.”

“O Idec é completamente contra a existência de um mínimo existencial que não leve em consideração a realidade do povo brasileiro”, continua Amorim. Ela lembra que mais de 125 milhões de pessoas vivem no país em situação de insegurança alimentar, e 33 milhões passam fome. “Ter R$ 300 para sobreviver é uma completa afronta à vida dessas famílias”, critica a analista do Idec.

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“Nenhuma pessoa é capaz de sobreviver com esse valor, que equivale a R$ 10,10 por dia”, complementa o advogado do Idec no Distrito Federal, Walter Moura, ao Correio Braziliense. “Esse decreto é um absurdo, porque esvazia a Lei do Superendividamento que foi aprovada para proteger o consumidor.”

Moura afirma que o conceito do Mínimo Existencial adotado na Lei do Superendividamento, sancionada com vetos em setembro de 2021, buscava preservar o mínimo necessário para a sobrevivência do consumidor muito endividado durante a renegociação com credores. Mas o valor determinado no decreto vai na contramão de quem tenta buscar qualquer tipo de regularização da situação financeira.

“Estamos estudando uma ação”, revelou o advogado, estimando que a medida deverá afetar até 40 milhões de pessoas superendividadas. “A lei era para ser uma coisa boa, mas ela não previa o valor do Mínimo Existencial. Agora, com esse decreto, como diria uma fábula paraibana, o consumidor ganhou uma rapadura, mas na cabeça”, ironiza.

Decreto entrega vida financeira dos consumidores aos bancos

Em nota conjunta com o Programa de Apoio ao Endividado da Universidade de São Paulo (USP), os técnicos do Idec consideram o decreto de Bolsonaro “uma grande manobra para favorecer os bancos, entregando ao setor a vida financeira dos consumidores”.

“Além disso, o novo marco de garantias aguarda votação no Senado. Se aprovado, possibilitará que os consumidores ofereçam em garantia os seus imóveis, mesmo aqueles na condição de bem único de família, como garantia de múltiplas operações de crédito, favorecendo ainda mais a expansão do crédito e aumentando o endividamento da população”, prossegue a nota técnica.

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Os técnicos destacam ainda que o decreto de Bolsonaro exclui da aferição do mínimo existencial gastos do consumidor com parcelas de financiamento imobiliário ou de empréstimos com garantias reais. “Isso torna o cenário ainda mais drástico para os consumidores, que poderão perder sua casa própria dada como garantia em empréstimos sem a chance de renegociar esses contratos pela Lei do Superendividamento”, alerta o documento.

No site do Idec, os técnicos da instituição detalham o que chamam que “armadilha do aumento do Auxílio Brasil” armada pelo desgoverno Bolsonaro. O valor do benefício foi reajustado de R$ 400,00 para R$ 600,00, mas apenas até o fim do ano. Os técnicos do Idec estimam que atualmente o endividamento atinge 77% das famílias do país, e boa parte delas tem como única fonte de renda o Auxílio Brasil.

“Fica comprovado que o repasse desse dinheiro para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros não vai ser feito da forma como foi dito”, alertam. “Como as pessoas vão ficar com apenas R$ 300, já que os outros R$ 300 serão utilizados pelos bancos para pagar dívidas, o Auxílio Brasil diminuiu em vez de aumentar.”

“Uma parcela significativa do endividamento das famílias ocorre pelo uso de crédito para suprir o pagamento de despesas correntes e garantir a própria sobrevivência. Nesses casos, a relação renda e crédito se complementa para garantir a sobrevivência. Porém, o pagamento de parcelas futuras acrescidas de juros acaba comprometendo ainda mais a disponibilidade de renda e alimenta um ciclo contínuo de uso de crédito”, confirma Ione Amorim.

Além do mais, aponta o Idec, o decreto de Bolsonaro não tem embasamento em estudos e desconsidera contribuições de setores importantes da sociedade civil feitas durante audiência pública convocada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), em outubro de 2021, para debater o tema.

Na ocasião, o Idec alertou que a definição do mínimo existencial a partir de um teto fixo ocasionaria desvio da finalidade principal da Lei do Superendividamento e a tornaria contrária à dignidade dos superendividados. O instituto defende um índice capaz de mensurar as principais variáveis que afetam as condições de sobrevivência das pessoas, como gastos com habitação, saúde, alimentação, transporte, educação, entre outros.

Na Folha de São Paulo, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma em nota que o decreto 11.150/22 “trouxe definições importantes e necessárias para a implementação da Lei do Superendividamento”. Com o cinismo que lhe é peculiar, a entidade afirma que “ter um mínimo existencial igual para todos os brasileiros traz segurança jurídica”.

A federação afirmou ainda que a renegociação de dívidas faz parte do cotidiano dos bancos. De março a dezembro de 2020, apontam dados da entidade, o setor renegociou 17 milhões de contratos de forma voluntária. Pelo andar da carruagem, o sistema financeiro continuará renegociando – e muito – com o crescente número de devedores inadimplentes.

Da Redação, com informações do Idec