Na iminência de ter o mandato cassado por quebra de decorro parlamentar, o deputado Jair Bolsonaro (PR-RJ) protocolou, em 13 de dezembro, um projeto de lei para criar, no âmbito da Casa Civil da Presidência, uma nova Comissão da Verdade. Insatisfeito com o trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que trouxe a público os muitos crimes da ditadura militar (1964-1985), ele propõe investigar os atos cometidos por guerrilheiros contra o regime dos generais.
Após dois anos de trabalho, a CNV apresentou o relatório final, no último dia 10 de dezembro, com a elucidação de “graves violações aos direitos humanos” cometidas de 1946 a 1988. Parte do texto conclusivo sugere que as Forças Armadas assumam responsabilidade pelos atos cometidos durante a ditadura.
Na avaliação da senadora Ana Rita (PT-ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, a iniciativa de Bolsonaro não se justifica.
“Não tem a mínima procedência. Não tem motivação que justifique esse projeto. Me parece apenas uma atitude de revanchismo, de alguém que vive em um sistema democrático de direito, mas age como se estivesse em uma ditadura”, afirma.
Segundo a senadora, o trabalho da Comissão Nacional da Verdade tinha o claro objetivo de esclarecer centenas de mortes, fazer justiça diante dos fatos e garantir que nunca mais se repitam. “A comissão surgiu de um movimento legítimo da sociedade, do clamor das famílias dos mortos e desaparecidos pela ditadura”, pondera.
Para a parlamentar, a proposta não terá ressonância entre os parlamentares e nem na sociedade. “Não tem militares reclamando corpos de familiares. Quem morreu foram as pessoas que lutaram contra o regime”, contesta Ana Rita.
Capitão da reserva do Exército, Bolsonaro costuma bradar aos quatro cantos do Congresso que o golpe militar de 1964 nunca existiu e que a morte do ex-deputado Rubens Paiva, sob tortura, é uma farsa. Em mais um ato de rebeldia, o parlamentar chegou a dizer que presidente Dilma “se comportou como uma atriz” ao se emocionar durante o evento de entrega do relatório da Comissão da Verdade, na semana passada. A fala aconteceu no mesmo dia em que agrediu a deputada Maria do Rosário (PT-RS) ao declarar que só não a estupraria porque ela não merece.
Silêncio e contrariedade – Na justificativa do projeto, Bolsonaro diz que a CNV é “revanchista e caluniosa”, e serve apenas para atacar as Forças Armadas. “Nosso projeto visa conceder a oportunidade de preencher a lacuna que omitiu os fatos de guerrilheiros e terroristas, treinados e financiados por países que nunca admitiram liberdade em seu solo”, afirma o texto.
Com a alegação de que a Comissão Nacional da Verdade agiu de forma “unilateral” e desprezou o “outro lado da história”, o PL nº 8246/14 afirma querer “esclarecer” fatos como o sequestro e morte do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, em 2002, e o atentado do Aeroporto Internacional do Recife, em 1966, que matou o jornalista Edson Régis de Carvalho e o almirante Nelson Gomes Fernandes, e feriu outras 14 pessoas.
Segundo o projeto, o colegiado deverá ter a mesma composição do anterior e, caso seja aprovado, terá até o dia 10 de dezembro de 2017 para concluir seus trabalhos investigativos.
A proposta quer ainda que todas as condições de trabalho e estrutura da nova comissão sejam as mesmas as oferecidas a CNV, cabendo à Casa Civil dar suporte técnico, administrativo e financeiro.
Por Flávia Umpierre, da Agência PT de Notícias.