A nova reportagem publicada pelo The Intercept Brasil, em parceria com outros veículos de imprensa – mostra que o procurador Deltan Dallagnol foi pago para dar palestra a uma empresa investigada por corrupção pela Lava Jato, operação em que ele comanda a força tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba. Dallagnol recebeu R$ 33 mil da Neoway, uma companhia de tecnologia.
Deltan também aproximou a Neoway, que vende softwares de análise de dados, de outros procuradores. A intenção era comprar produtos da empresa, mesmo estando ela em um processo por corrupção, para uso da Lava Jato. Ele chegou a gravar um vídeo para a empresa, enaltecendo o uso de produtos de tecnologia em investigações.
Um entusiasmado Deltan anunciou aos outros procuradores, em 5 de março de 2018, que havia sido contratado para fazer a palestra para a Neoway e comemorou enviando uma mensagem no grupo Incendiários ROJ. O coordenador da força-tarefa aproveita para já fazer publicidade da empresa e cita seu dono, Jaime de Paula – que também é citado na delação. “Olhem que legal. Sexta vou dar palestra para a Neoway, do Jaime de Paula. Vejam a história dele: [link para texto sobre Jaime de Paula]. A neoway é empresa de soluções de big data que atende 500 grandes empresas, incluindo grandes bancos etc.”
O procurador da República Júlio Noronha, também integrante da Lava Jato, então sugeriu que Deltan buscasse marcar uma reunião com o dono da Neoway para tratar de produtos para um projeto da Procuradoria chamado de Laboratório de Investigação Anticorrupção, o LInA. “Top Delta!!! De repente, se conseguir um espaço para conversarmos com ele e tentarmos algo para trazer uma solução para agregar ao LInA, seria massa tb!”, disse Noronha.
Deltan concordou e afirmou que iria procurar agradar o empresário. “Exatamente. Isso em que estava no meu plano. Vou até citar ele na palestra pra ver se sensibilizo kkkk”.
A palestra foi realizada quatro dias depois. Deltan deu sua versão do seria combater a corrupção num evento chamado Data Driven Business, realizado no Costão do Santinho, um badalado – e caro – resort em Florianópolis. A estratégia traçada por ele funcionou: no fim daquela mesma noite, ele procurou os colegas noutro grupo, chamado LInA – Coordenação, para marcar a reunião com os representantes da empresa. “Caros podem receber a Neoway de bigdata na segunda para apresentar os produtos???? Ou quarta?”
O procurador afirmou que a companhia cogitava fornecer produtos gratuitamente. “Como fiz um contato bom aqui valeria estar junto. Eles estão considerando fazer de graça. O MP-MG está contratando com inexigibilidade”.
Foi só quatro meses após ter vendido sua palestra para a Neoway – e já em meio às negociações para a aquisição de produtos da empresa – que Deltan abriu o Telegram e disse aos procuradores que havia descoberto a citação à empresa na colaboração premiada do lobista Jorge Luz apenas naquele momento. “Isso é um pepino pra mim”, afirmou, então. Era 21 de julho de 2018.
Ainda assim, o procurador só escreveu à corregedoria do Ministério Público Federal para prestar “informações sobre declaração de suspeição por motivo de foro íntimo” quase um ano depois, quando o processo foi desmembrado no STF e uma parte foi remetida à Lava Jato de Curitiba.
Mas a Neoway já havia aparecido em documentos oficiais em duas ocasiões. A primeira vez foi no rascunho da proposta de delação de Luz, cujo documento foi criado em março de 2016, de acordo com os metadados. A segunda noutro documento, criado em abril de 2017, que continha novos depoimentos do lobista. Ambos foram enviados ao grupo de Telegram do qual Dallagnol fazia parte.
Além disso, convenientemente o procurador deixou de mencionar ao corregedor que nos grupos de Telegram, que não eram uma ferramenta oficial do MPF, ela apareceu pela primeira vez em 22 de março de 2016 – ou seja, quase dois anos antes da palestra.