Enquanto dissemina um vírus letal pelo planeta, a pandemia do Covid-19 coloca de joelhos a capacidade de resiliência econômica das nações. Semana após semana, a cadeia de destruição do frágil tecido social segue implacável, empurrando milhões para a miséria e devastando empregos. A crise traz consequências imprevisíveis, mas seu avanço impiedoso já permite calcular a dimensão do estrago até agora. Segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 1,6 bilhão de pessoas que estão na informalidade podem perder seus meios de sustento em função da constante redução de horas trabalhadas. O número representa quase metade da força de trabalho mundial.
Só nos Estados Unidos, mais 3,8 milhões de trabalhadores deram entrada junto ao governo para receber auxílio-desemprego na semana passada. Nos últimos 45 dias, o país já registrou 30,3 milhões de pessoas sem ocupação, cerca de 18,6% da força de trabalho. Mas especialistas e pesquisadores da área econômica calculam que o número pode ser até 50% maior e o país pode ter hoje por volta de 45 milhões de desempregados.
“Para milhões de trabalhadores, ficar sem renda significa falta de comida, segurança e futuro. Milhões de empresas em todo o mundo mal conseguem respirar. Elas não têm poupança ou acesso ao crédito”, lamentou o diretor da agência, Guy Rider, durante divulgação do relatório Monitor da OIT: COVID-19 e o mundo do trabalho, publicado na quarta-feira (29). Para Rider, é imperioso proteger os trabalhadores mais vulneráveis, notadamente os do setor informal nos países mais pobres. “Essas são as faces reais do mundo do trabalho. Se não oferecermos ajuda agora, eles simplesmente perecerão”, alertou. A Sem uma ação ampla e imediata dos governos, a OIT prevê um desastre humanitário.
Segundo cálculos da organização, os trabalhadores tiveram uma queda de 60% na renda já no primeiro mês da crise. De acordo com a OIT, a pandemia afetou seriamente o funcionamento de mais de 436 milhões de empresas que estão na linha de frente da atividade econômica. Mais da metade delas estão no comércio atacadista e varejista. As quedas mais acentuadas estão na África e Américas, com um tombo de 80%. Europa e Ásia Central sofreram perdas na renda de cerca de 70% e, Ásia e Pacífico, 21,6%.
A OIT recomenda a adoção de “medidas urgentes, direcionadas e flexíveis” para a proteção de pequenas e médias empresas e empregados e trabalhadores da economia informal. “As medidas para reativação econômica devem seguir uma abordagem rica em empregos, apoiada por políticas e instituições de emprego mais fortes, sistemas de proteção social com melhores recursos e abrangentes”, aconselha o relatório da organização.
Para a OIT, um agravamento de um cenário de recessão no mundo do trabalho em 2020 irá depender dos resultados econômicos nos países, da capacidade de preservação dos postos de trabalho existentes e da geração de novos empregos quando o mundo experimentar uma nova fase de recuperação.
Subnotificações de desempregados
O quadro do desemprego nos Estados Unidos pode ser mais grave do que os números oficiais indicam. Um estudo do Economic Policy Institute, um think tank progressista norte-americano dedicado a debater as necessidades de trabalhadores de média e baixa renda no país, indica que, para cada 10 pessoas que deram entrada no seguro-desemprego, 4 ou 5 não conseguiram ou desistiram por considerarem o processo “difícil”.
“O problema é ainda maior do que os dados sugerem”, afirmou a economista do instituto, Elise Gould. “Estamos subestimando o tamanho da dor econômica”, admitiu ela ao jornal ‘The New York Times’. Um dos motivos para as subnoticações de desempregados está no colapso dos sistemas das agências de trabalho estaduais, que não estavam preparadas para o aumento da demanda. Como no Brasil, houve desorganização e falhas no sistema de preenchimento de dados.
A expectativa é de agravamento da crise, uma vez que especialistas apontam que as demissões continuam a avançar pelas cadeias de abastecimento e serviços essenciais.
Capitalismo: moribundo e com os dias contados
Catástrofes planetárias podem viabilizar raras oportunidades para um ajuste de contas com a história, um acerto que permita transformações sociais e necessárias correções na trajetória econômica das nações. Foi assim com a Crise de 1929, que gerou o New Deal. Do mesmo modo, o fim da carnificina da Segunda Guerra deu luz ao Plano Marshall, que forneceu bases para a reconstrução europeia.
E é assim que economistas de formação ortodoxa e defensores de políticas neoliberais veem-se agora obrigados a reconhecer a inequívoca crise abissal pela qual passa o capitalismo. O sistema promoveu uma farra de desregulamentação que aumentou o número de miseráveis e famintos no mundo e culminou no desastre econômico de 2008. Hoje, aprofundada pelo coronavírus, a crise traz de volta ao debate a necessidade vital de uma completa revisão do papel do Estado na regulação de um mercado financeiro equilibrado e uma sociedade mais justa.
“Um retorno à austeridade seria loucura”, admite o articulista Philip Stephens, em artigo publicado no jornal ‘Financial Times. “A democracia liberal sobreviverá a este grande choque econômico somente se os ajustes forem feitos no contexto de um novo contrato social que reconheça o bem-estar da maioria sobre os interesses dos privilegiados”, escreveu Stephens.
No centro do debate acadêmico, chega-se ao consenso cristalino de que não há outra saída para o capitalismo. “A pandemia deixou o capitalismo nu”, afirmou o ex-presidente Lula, em mensagem aos trabalhadores brasileiros neste 1º de maio.
“Foram necessários 300 mil cadáveres para a humanidade ver uma verdade que nós, trabalhadores, conhecemos desde o dia que nascemos. O que sustenta o capitalismo não é o capital. Somos nós, os trabalhadores”, observou Lula. “É essa verdade, nossa velha conhecida, que está levando os principais jornais econômicos do mundo, as bíblias da elite mundial, a anunciarem que o capitalismo está com os dias contados. E está mesmo. Está moribundo”, definiu.
Da Redação, com agências internacionais.