Partido dos Trabalhadores

Desigualdade é problema secular do Brasil, analisa assessor do Ipea

Estudo de ONG britânica aponta que a riqueza de 1% da população mundial supera o patrimônio dos 99% restantes

Foto: Agência Brasil

Brasil parou de reduzir desigualdades após golpe de 2016

Em 2015, o patrimônio acumulado pelo 1% da população mais rica do mundo superou o que possuem os 99% restantes. Isto significa que, para estar entre o 1%, é preciso ter US$ 760 mil, ou R$ 3 milhões. É o que indica um estudo da organização não-governamental britânica “Oxfam”.

O relatório mostra, também, que 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo que toda a metade mais pobre da população mundial. Para Paulo Kliass, assessor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil ainda carrega marcas de uma desigualdade histórica e um dos caminhos para reverter este quadro são alterações no sistema tributário vigente.  

“O país tem medidas de injustiça tributária que precisam ser urgentemente revistas”, afirmou Kliass, doutor em economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental. 

O estudo da “Oxfam” sobre desigualdade foi feito com base em dados do banco Credit Suisse relativos a outubro de 2015, e divulgado há poucos dias do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, e do Fórum Social Mundial, que acontece em Porto Alegre. 

Em dezembro de 2015, com objetivo de garantir retomada do crescimento econômico, a bancada do PT na Câmara dos Deputados apresentou um conjunto de 14 propostas para  economia ao ministro-chefe da Casa Civil, Jacques Wagner. Em entrevista à Agência PT, Kliass analisa essas medidas e explica como cada uma pode contribuir para justiça social. 

AGPT – De que maneira a realidade que o relatório da Oxfam mostra se reflete no Brasil? 
Kliass – O relatório apresentado pela Oxfam pretende ser um retrato da desigualdade no mundo. Percebemos uma extremíssima desigualdade, uma concentração absurda. São 62 pessoas que teriam patrimônio equivalente a mais de 3 bilhões de pessoas que vivem no mundo. Isto, obviamente, rebate para cada uma das realidades nacionais. O Brasil, apesar de todos os avanços que a gente conquistou ao longo dos últimos 13 anos em promoção da desigualdade, tem uma sociedade desigual.  É uma sociedade extremamente concentradora em termos de renda, de patrimônio, de acesso a serviços públicos, etc. Eu não diria que este relatório se adapta ao Brasil. Mas a sociedade brasileira é ainda bastante desigual. 

Por que essas disparidades ainda existem no Brasil?
Porque esta é uma questão praticamente secular. A marca da desigualdade da sociedade brasileira de hoje remonta à colonização portuguesa. O padrão é de ocupação do território, de concessão do tecido social, de organização da produção da sociedade efetivamente econômica que mantém a elite concentradora no topo de uma pirâmide e a base da sociedade desamparada. Se temos 500 anos de desigualdade, o processo de recuperação disso é um processo lento e demorado. 

Na década de 50, com o segundo mandato de Vargas, teve um momento – que inclusive acabou desembocando no golpe de 64, na época do João Goulart – em que medidas foram adotadas pelo governo com o intuito de tirar as marcas dessas desigualdades e que sofreram muita resistência da sociedade. Assim como nestes últimos 13 anos as medidas implementadas tanto pelo governo Lula, como pelo governo Dilma, também enfrentam essas desigualdades.

 As tarefas para tornar a sociedade brasileira efetivamente igualitária são gigantescas. Temos processos paulatinos, medidas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, acesso a benefícios sociais por parte do poder público, medidas de valorização do salário mínimo, benefícios da Previdência Social. São medidas que avançam, e isto é inegável. Se olharmos para os períodos anteriores a 2013 e olharmos para hoje, efetivamente todos os indicadores mostram que houve um avanço. 


É possível considerar que políticas sociais, isoladamente, não são o bastante para enfrentar o problema?
É sempre bom fazermos uma lembrança com o trabalho que foi falado do pesquisador francês Thomas Piketty. Ele foi uma das pessoas que começou a levantar esta necessidade no trabalho “O capital no século XXI”. Não adianta ter só medidas de redistribuição de renda porque o capital é muito concentrador de renda. Para você promover uma sociedade, seja nacional ou internacional, menos desigual, precisa defrontar com a democratização do acesso ao capital. E compartilhar os ganhos que essa elite obtém com o conjunto da sociedade. 

No final de 2015, a bancada do PT na Câmara apresentou ao Planalto um conjunto de propostas para economia, e a maior parte dele se refere a mudanças na cobrança de impostos. Qual é sua avaliação sobre tributação como instrumento para reverter a desigualdade? 
A sociedade brasileira ainda é marcada por um sistema tributário regressivo, que significa uma oposição a um sistema progressivo. Ele faz com que a grande maioria da população, proporcionalmente, contribua com mais impostos, mais tributos, do que o topo da pirâmide, as classes mais abastadas. O nosso sistema tributário é baseado essencialmente no consumo e na renda, nem tanto no patrimônio. Se a gente imaginar um litro de leite ou uma pessoa que vai pagar gasolina, comprar um ingresso de cinema, pagar sua fatura de luz no final do mês,  vão pagar o mesmo valor sobre esses bens, esteja esta pessoa ganhando 200, 300 mil reais por mês, sendo recebendo um salário-mínimo. Por isso é que se diz que, para promover justiça tributária, precisa ter, em primeiro lugar, um sistema que taxasse o patrimônio e fosse mais justo sob o ponto de vista do tratamento da renda. 

Outra questão importante é a patrimonial. No nosso caso, se traduz de forma muito simbólica que é a questão da terra, temos uma luta histórica pela redistribuição da terra, a reforma agrária, que ainda tem muito a avançar. E a terra é uma expressão violenta deste patrimônio. 


Qual é sua avaliação diante dessas propostas do PT?

As propostas significam um avanço. As camadas de renda mais elevadas, principalmente os profissionais liberais, optaram por um tipo de remuneração que transforma contratação, não na base celetista, mas na base de uma pessoa jurídica, PJ, a “pejotização”. Isso faz com que este tipo de renda não seja taxado de forma adequada. A pessoa é contratada como pessoa jurídica e ela retira no final do exercício como dividendo ou lucro do que ela teria. Além deste tipo de medida, você tem outros tipos de injustiça, você tem todos os lucros e os dividendos que são apropriados das grandes empresas para os indivíduos, que também são isentos. São medidas de injustiça tributária que precisam ser urgentemente revistas. 

Outra medida importante e que é uma solução histórica reivindicada pelo movimento sindical e que está neste documento é a atualização monetária das faixas que incidem o imposto de renda. A medida deve ser também pegar pela isenção de dividendos e de lucros das empresas ‘travestidas’, no caso da contratação de mão de obra. 

O documento do PT contém 14 propostas – 10 delas sobre tributação. Quais são as outras que se destacam? 
Temos outras medidas que podem contribuir, como o Imposto Territorial Rural, o ITR. Já está previsto na Constituição, é cobrado, mas é um reflexo desta forma como o Brasil trata a questão de desigualdade. É um país continental, com uma das maiores superfícies agrícolas do mundo. E o que o Brasil recolhe de ITR corresponde a um sexto do que é recolhido pela Prefeitura de São Paulo com IPTU. Não temos um sistema de georreferenciamento atualizado, os proprietários não declaram, não recolhem. 

Outra medida que não é tão forte do ponto de vista do impacto tributário, mas que é muito simbólica é o IPVA. Hoje, a grande maioria da população que tem carro recolhe seu IPVA, mas temos outros tipos de veículos automotores que não são o carro. Por exemplo, jatos executivos, iates e embarcações de alto luxo, que também não recolhem IPVA. É o caso de fazer incidência deste tipo de tributo sobre este tipo de veículo para dar uma demonstração de dar um tratamento mais isonômico, de que não estamos dando um tratamento isonômico para setores mais abastados. 

Finalmente, outro imposto, que está previsto na Constituição, é sobre as grandes fortunas. Algumas pessoas dizem que esta é uma medida radical, mas não tem nada de radical. É uma medida de justiça tributária. As pessoas, famílias, que teriam, então, patrimônio bastante elevado passariam a pagar imposto sobre a renda recebida no ano e também sobre o patrimônio acumulado pelos indivíduos, pela família. Este é um aspecto muito importante, que precisa ser regulamentado. 

É preciso universalizar o imposto sobre heranças, que é também uma forma de incidência de tributação sobre patrimônio. Por que vou ter direito de receber um patrimônio acumulado pelo meu pai ou pelo meu avô, pelo meu bisavô? Há países em que se incide 30%, 40% sobre este tipo de patrimônio repassado pela morte do indivíduo. 

Outro imposto que também está previsto na Constituição e que não precisaria de nenhuma reforma tributária é o imposto sobre as exportações. Nossas exportações estão calcadas nas commodities, os produtos tanto do agronegócio quanto do setor mineral, e estes ganhos teriam que ser compartilhados por toda a sociedade. Não apenas aqueles que se beneficiam destes empreendimentos. E é uma fonte tributária assegurada. Você estabelece uma alíquota e estabelece que, para cada tonelada de minério de ferro exportada, a União vai recolher de cada tonelada de soja exportada um determinado volume. Seria um valor extremamente elevado e mais uma medida de compartilhar para o conjunto da sociedade.

Por Daniella Cambaúva, da Agência PT de Notícias