O “boiadeiro” Ricardo Salles deixou o comando do Ministério do Meio Ambiente (MMA) ano passado, abatido por suspeita de crimes ambientais, mas a “boiada” continuou passando, tocada pelo ruralista Joaquim Álvaro Pereira Leite. O resultado: 2021 foi o pior ano em uma década para a Floresta Amazônica, onde o equivalente a quase todo o território de Manaus foi desmatado entre janeiro e dezembro.
Os dados, com base em imagens de satélite, são do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Divulgados na segunda-feira (17), revelam 10.362 mil quilômetros quadrados, ou meio Sergipe, de mata nativa devastada. Área 29% maior que a destruída em 2020, quando o desmatamento na região já havia ocupado a maior superfície desde 2012 (8.096 km²).
Embora dezembro de 2021 tenha apresentado redução de 49% no desmatamento em comparação ao mesmo mês de 2020, o avanço da devastação agravou fenômenos como a alteração do regime de chuvas, a perda da biodiversidade e a ameaça à sobrevivência de povos e comunidades tradicionais, pondera o instituto. O conjunto de fatores contribui para a intensificação do aquecimento global, alertam os pesquisadores.
Ao cruzar as áreas desmatadas com o banco de dados do Cadastro Nacional de Florestas Públicas do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), os pesquisadores observaram que 4.915 km² foram devastados em territórios federais. Neles ocorreram 47% de todo o desmatamento registrado na Amazônia em 2021, após a destruição avançar 21% em comparação com 2020 – pior resultado em 10 anos.
O desmatamento avançou ainda nas unidades de conservação federais, que perderam 507 km² de mata nativa destinadas à preservação da biodiversidade e à manutenção dos modos de vida sustentáveis de povos e comunidades. O desflorestamento de 10% dessas áreas também é o pior patamar da década.
O mesmo ocorreu nas florestas públicas estaduais, onde a área de mata destruída cresceu 26% em relação a 2020 e atingiu 813 km², ou 8% do total desmatado na Amazônia. Apenas nas unidades de conservação estaduais, foram destruídos 690 km², 24% a mais do que em 2020, novamente o pior nível em 10 anos.
“Para combater o desmatamento é necessário intensificar a fiscalização, principalmente nas áreas mais críticas. Aplicar multas e embargar áreas desmatadas ilegalmente”, indica a pesquisadora do Imazon Larissa Amorim, lamentando o pior resultado desde o início do monitoramento do desmatamento na Amazônia, em 2008. “Os estados realizam ações de combate ao desmatamento, porém elas acabam sendo insuficientes diante da crescente devastação que a Amazônia está enfrentando”, finalizou.
Fiscalização recua enquanto avança a impunidade bolsonarista
Sintomaticamente, no mesmo dia em que o Imazon divulgava os números da devastação, Jair Bolsonaro comemorava o desmonte da estrutura federal de fiscalização ambiental, que levou à inédita redução de 80% no número de multas aplicadas em propriedades rurais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Paramos de ter grandes problemas com a questão ambiental, especialmente no tocante à multa”, festejou em evento do Banco do Brasil.
“Enquanto a destruição segue em ritmo acelerado, Bolsonaro comemora queda de 80% nas multas por crimes ambientais”, criticou o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) em postagem em seu perfil no Twitter.
Em novembro de 2021, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do governo federal, já havia anunciado que a taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira crescera 21,97% em um ano. O valor de corte raso foi estimado em 13.235 km² no período entre 1° de agosto de 2020 e 31 de julho de 2021. Maior número desde 2006, segundo as medições dos satélites do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes).
“A gente tem observado alguns fatores, que inclui a redução na fiscalização, principalmente pelo Ibama, que vem desde 2019. Tem também a aplicação de sanções administrativas pelo Ibama, que vem reduzindo. Isso cria um efeito de impunidade”, apontou Carlos Souza Júnior, pesquisador do Imazon, ao Jornal Nacional.
“Existe pressão já no Congresso para a redução de áreas protegidas e, também existe uma pressão para garimpo para atividades madeireiras nesses territórios que não são permitidas por lei”, prosseguiu.
O pesquisador se referiu aos projetos de lei de autoria no Executivo que tramitam no Congresso. Uma das propostas é o PL 191/20, que autoriza mineração em terras indígenas; uma outra é o PL 510/21, que regulariza invasões ilegais de terras ocorridas até 2011; e o PL 490/2007, do chamado “Marco Temporal”, só permite demarcação de terras ocupadas por povos indígenas até 1988.
O atual ministro do Meio Ambiente é irmão da sócia brasileira da fabricante de pistolas Glock, campeã de vendas para o Executivo federal desde Michel Temer. Advogada, Fernanda Pereira Leite representou a família no processo conflituoso de disputa de terras contra indígenas Guarani Mbya e Ñandeva, em São Paulo.
Joaquim Leite foi nomeado diretor do Departamento Florestal do MMA por Salles em 2019, e em 2020 assumiu a Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta. Também foi conselheiro por 23 anos na Sociedade Rural Brasileira (SRB), que Salles defendeu como advogado. Em abril de 2020, quando foi divulgado o vídeo da reunião ministerial em que Salles disse que Jair Bolsonaro deveria “passar a boiada” na área ambiental, a entidade divulgou nota de apoio à gestão dele.
“Os dados confirmam o que a gente está assistindo no país desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente”, afirmou ao Brasil de Fato Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, coalização de entidades da qual o Imazon faz parte. “É um governo que estimula o crime ambiental, que se declarou inimigo do meio ambiente e é responsável por absolutamente todos esses números.”
Da Redação, com Imprensa Imazon