Quando Ricardo Salles levou para o seu gabinete um grupo de infratores ambientais, em reunião ocorrida em novembro passado, já não havia mais dúvidas sobre o quão grave foi a decisão de Jair Bolsonaro (sem partido) de nomeá-lo como ministro do Meio Ambiente.
Sua imagem ao lado de um autor de ameaça de morte, um ex-procurador-geral de Justiça do Acre acusado de abrir uma estrada ilegal dentro da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, um condenado por desmatamento e uma fazendeira com um haras em uma unidade de conservação, já não podia ser salva – ainda que, com ajuda da milícia digital, ele ainda sobreviva na pasta por atender aos interesses do agronegócio, cuja bancada no Congresso manda e desmanda nas decisões do governo federal.
Para além da afronta em posar para foto com um grupo claramente ligado à destruição de reservas e florestas do país, Salles apenas confirmou o que todos já sabiam: ele nunca deu a mínima para a proteção do meio ambiente. Se alguém ainda insistia em defendê-lo, mesmo com todos os números provando o contrário, é sempre bom relembrar cada uma das tragédias que aconteceram no país – seja com a sua autorização, debaixo do seu nariz ou com negligência também criminosa.
Salles, para quem não sabe, já era persona non grata para ambientalistas antes mesmo de assumir o cargo no governo federal.
Quando era secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo, foi condenado por improbidade administrativa e fraude. O crime? Fraudar processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, em 2016. Com isso, Salles é um dos oito ministros investigados do governo Bolsonaro.
Mas Salles não parou por aí e seguiu a sua jornada desastrosa para entrar no panteão dos políticos que só serão lembrados pela história pelos erros que cometeram. Pelo menos nisso, ele tem sido exemplar.
O mês a mês da destruição
Dezembro de 2018
Ainda em dezembro de 2018, o portal Mar Sem Fim anteviu o que seria a gestão ambiental do novo governo: ‘Semear confusões sobre o clima, e o meio ambiente, parece ser o esporte predileto de Jair Bolsonaro. Pra que serve isso?’. No texto, alertava para os perigos de reduzir o Ministério do Meio Ambiente a um balcão de negócios do Ministério Agricultura. A proposta foi repudiada por oito ex-ministros do Meio Ambiente. A pressão até fez com que a proposta fosse desfeita, mas pouco ou quase nada mudou: a pasta ambiental nunca serviu aos interesses do…meio ambiente.
A escolha de Ricardo Salles também causou espanto. Isso porque já pesavam contra ele inúmeras denúncias quando era o titular do setor no governo do Estado de São Paulo. Mas como Bolsonaro tem claro viés autoritário e não se importa com fichas sujas em seu governo, Salles não só ganhou o emprego como segue intocável.
Janeiro de 2019
Sob a sua regência – com providencial ajuda de Bolsonaro e nomes como Ernesto Araújo (para quem aquecimento global é uma trama marxista), Salles logo mostrou-se um desastre. Já de cara, numa afronta quase infantil à comunidade internacional, ameaçou deixar o Acordo de Paris, e desistiu de sediar a 25.ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP-25) – realizada recentemente em Madri.
Fevereiro
O segundo mês do ano começou como era de se esperar: desmonte no Ministério do Meio Ambiente. Salles não quis nem saber quem era quem e exonerou 21 dos 27 superintendentes do Ibama. Depois, o ministro mostrou a quais princípios atende e impediu qualquer funcionário de dar entrevista.
Mas ainda podia piorar. Também em fevereiro, as autuações de crimes florestais na Amazônia Legal começaram a diminuir rapidamente. Os crimes haviam acabado? Claro que não. Era a conivência a eles que havia aumentado.
Março
Março começou na mesma toada e Salles decidiu exonerar José Olímpio Augusto Morelli, servidor do Ibama que havia cumprido sua função ao multar o então deputado Jair Bolsonaro em 2012 por pescar em área de proteção integral em Angra dos Reis. Num país que se diz democrático, isso soou mais como uma atitude de ditaduras como a da Arábia Saudita – por quem Bolsonaro já demonstrou apreço.
Não contente em se vingar de quem simplesmente fazia o seu trabalho, a dupla Salles e Bolsonaro foi além e ainda tentou revogar o decreto de criação da Estação Ecológica de Tamoios onde pretende implantar uma ‘Cancún brasileira’. A notícia é um atestado de incompetência ambiental, já que deixaria área protegida nas mãos dos interesses econômicos.
Abril
Em abril, Salles continuou a alimentar o noticiário com atitudes deploráveis. Seu comportamento logo fez Adalberto Eberhard pedir demissão do Instituto Chico Mendes (ICMBio) – hoje nas mãos do PM Homero de Giorge Cerqueira.
O ministro, para variar, deu de ombros para a falta de alguém capacitado para o cargo. O resultado o mundo inteiro já sabe: a proteção da Amazônia ficou em segundo plano e o país se tornaria a maior chacota ambiental do planeta.
Maio
O quinto mês da gestão bolsonarista foi muito bem definida pelo jornal inglês The Guardian ao publicar matéria com o título “Exterminator of the future’: Brazil’s Bolsonaro denounced for environmental assault” (em tradução livre, Exterminador do futuro: Bolsonaro é denunciado por agressão ambiental).
Isso foi só o começo de um período nebuloso para o meio ambiente. Com órgãos enfraquecidos, perseguições colocadas em prática e o desdém a toda e qualquer informação que provasse a incompetência da gestão, Bolsonaro ainda solicitou ao ministro do Meio Ambiente a suspensão da lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção. Uma “bela atitude” de quem deveria justamente proteger a natureza.
Junho
Chegamos ao meio do ano e as notícias seguiam assustadoras. Um exemplo é a ordem de Ricardo Salles para leiloar sete blocos de petróleo localizados em regiões de alta sensibilidade, em áreas que incluem o pré-sal, na região de Abrolhos. Era um prenúncio do que estava por vir. Durante evento na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) seu chefe Jair Bolsonaro mais uma vez envergonhou o mundo ao dizer: “Eu falei para ele (para o ministro Ricardo Salles): ‘Mete a foice em todo mundo no Ibama’.”
Pouco depois, servidores do Ibama de seis Estados e Distrito Federal enviaram representação ao Ministério Público Federal (DF) em que pediam que o órgão apurasse a conduta do ministro. Eles o acusavam de adotar “assédio moral coletivo”.
Julho
Assédio moral, no entanto, é pouco para ilustrar o que fez Salles com o Fundo Amazônia, uma iniciativa com participação global com a intenção de proteger a região. Sua intervenção foi tão bizarra que Alemanha e Noruega, dois dos maiores financiadores do fundo, resolveram pular fora – sem os países europeus, o fundo perdeu milhões de dólares em doações para minimizar o desmatamento.
Agosto
Enfim, agosto. O mês que nem o mais brilhante roteirista de cinema conseguiria pensar em histórias tão bizarras. Afinal, quem poderia imaginar que um presidente da República e um ministro do Meio Ambiente poderiam duvidar publicamente de um instituto respeitadíssimo como o Inpe? Bolsonaro não só questionou os dados sobre desmatamento recorde como mandou o cientista Ricardo Galvão embora, acusando-o ‘de trabalhar a serviço de ONGs’.
Aqui um parentese: Galvão acaba de ser eleito uma das 10 pessoas mais importantes do ano no campo da ciência pela revista Nature, “apenas” a publicação científica mais tradicional do mundo.
Capacho e subserviente, Salles corroborou a decisão dizendo que “Galvão colocou lenha na fogueira” e ainda afirmou que os dados do Inpe ‘não são confiáveis’. Ao mesmo tempo em que tentava desmoralizar a verdade (prática favorita deste governo) as imagens da Amazônia em chamas estampavam os principais jornais do mundo.
Ainda havia tempo para nova carta de repúdio, desta vez de funcionários do ICMBio, contra, adivinhem, assédio moral do ministro.
O mês se encerraria com novos delírios de Bolsonaro-Salles enquanto denúncias provavam que ‘robôs impulsionaram hashtags contra ONGs na Amazônia e a favor do ministro”. Os dados mostraram que, por trás das tags, estavam perfis com indícios de automação, responsáveis por manipular as tendências na rede social.
Setembro
As primeiras manchas de óleo no Nordeste apareceram no último dia de agosto sem muito estardalhaço. Mas durante todo o mês de setembro não se falou outra coisa: em poucas semanas, as manchas de óleo se espalharam pelos 9 estados do Nordeste (em novembro chegariam também ao Espírito Santo e ao Rio de Janeiro) e logo as especulações em caráter oficial começaram a ser ventiladas.
Aqui entra um capítulo à parte desta insana jornada chamada 2019. Primeiro, o governo acusou a Venezuela pelo óleo. Depois, um navio grego. Em seguida, Salles (pasmem) atribuiu o desastre ao PT – parece piada, mas foi o que ele disse. Não contente, o incompetente ministro resolveu insinuar que, na verdade, quem causou o problema foi o Greenpeace.
Em suma, mais uma vez o governo mostrou a sua verdadeira face ao jogar fake news como cortina de fumaça enquanto o mar se pintava de preto.
Outubro
A pressão para que alguma coisa fosse feita – quem tentava resolver o problema era a população e no braço – Salles insistia em bater boca e repetir as mesmas mentiras. Ele demorou exatos 38 dias para sair do conforto do seu gabinete para ir até o Nordeste ver de perto o que estava acontecendo. Mas nada mudou. Tudo o que fez foi tirar umas fotos e ir embora.
“Não procurou um governador ou prefeito para colocar ordem na casa. Sem saber o que fazer, sem aliados entre os técnicos da pasta que dirige, voltou à Brasília sem dizer ao que veio”, relembra a reportagem do Mar Sem Fim.
Novembro
O problema do óleo seguia pautando os jornais de todo o país. Para piorar, novos dados sobre a Amazônia legal não deixavam dúvidas sobre a tragédia chamada governo federal. Segundo o PRODES, a área destruída entre agosto de 2018 e julho de 2019 foi de 9.762 km² – valor que representa aumento de 29,54% em relação a taxa apurada pelo PRODES 2018.
Nas florestas protegidas, o aumento foi ainda pior ao alcançar 84% de aumento. Desta vez, no entanto, ninguém do governo resolveu censurar as informações ou demitir pessoas que prezam pela preservação do meio ambiente.
Dezembro
Enfim, dezembro. Último mês do ano. Alguma novidade? Sim, muitas. Nenhuma, no entanto, sobre melhorias no que diz respeito ao meio ambiente. Para começar, lembra da história propagada por Salles e Bolsonaro sobre o óleo no Nordeste ser de um navio venezuelano? Adivinhe: era mentira. A revelação foi feita pelo site de checagem da Folha de S. Paulo e enterrou mais uma fake news bolsonarista.
Também teve novos dados sobre desmatamento. No cerrado, aumento de 15%. No Mato Grosso, 85% do corte de árvores entre agosto de 2018 e julho 2019 não tinha autorização.
Calma, com o governo Bolsonaro sempre há espaço para piorar. Durante a COP-25, conferência climática da ONU, que terminou no dia 15 em Madri, o Brasil mais uma vez foi o destaque negativo diante da comunidade internacional. O responsável? Ricardo Salles. Chefe da delegação brasileira na COP, ele usou as reuniões bilaterais com países desenvolvidos para pedir dinheiro ao Brasil, como contrapartida para desbloquear as negociações. A medida, claro, fere qualquer princípio de diplomacia e queimou o filme do país.
Como se vê, em um ano, o Brasil conseguiu ir para muito abaixo do fundo do poço com Ricardo Salles e Bolsonaro.
Da Redação da Agência PT de Notícias com informações de Mar Sem Fim