“Há que radicalizar a luta democrática. E eu acredito que essa radicalização da democracia passa pelo uso das mídias sociais como forma de interação entre todos. Do ponto de vista da política, a mídia social cria um novo espaço de debate. O uso dela nos movimentos políticos veio para ficar. Ou a gente encara elas ou seremos apenas burocratas”.
A análise da presidenta legítima Dilma Rousseff, durante o segundo dia da Conferência Internacional em Defesa da Democracia, evidencia o papel das tecnologias de comunicação na disputa política. Se as eleições 2018 foram nitidamente influenciadas pela comunicação via WhatsApp – e até certo ponto ‘hackeadas’ por meio das fake news – , a resistência também deve ocorrer nas mídias sociais, segundo a presidenta.
“Nós assistimos nessa última eleição, pela primeira vez, quem não tinha partido, não tinha tempo de TV e não ia aos debates ganhar a eleição. Mas como? Porque se criou um novo território político feito pela nova mídia. Se nos Estados Unidos usaram o Facebook, aqui usaram o WhatsApp. Qualquer tecnologia que entra no sistema política, faz com que outra desapareça. A mídia social, do ponto de vista da política, cria um novo espaço, mas no caso do WhatsApp é uma relação bilateral, o que dificulta a construção de um diálogo coletivo”, aponta Dilma.
Ultraliberalismo esvazia a política
Ainda segundo a presidenta legítima, as políticas neoliberais levam a um esvaziamento da política, no qual as populações perdem a capacidade de crer em saídas democráticas das crises, em especial a econômica. Segundo Dilma, é por meio desse esvaziamento que a ultra-direita opera e ganha espaço nos processos eleitorais.
“Nós não estamos vivendo mais a expansão democrática do pós-guerra. Há um aumento de ricos, um aumento da elite baseada em títulos e ações do mercado financeiro. Quando os governos não são capazes de atender mais as demandas sociais, eles fazem que uma parte da política se torne irrelevante para as pessoas. Surge daí uma forma de explicar a realidade pela aparência. Ocorre uma desvalorização internacional da política com o aumento da desigualdade”, revela a presidenta.
Para o vice-secretário geral do Partido Socialista Europeu, Giacomo Filibeck, a onda neoliberal que permitiu as vitórias de Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil também permitiu a ascensão de grupos ultra-radicais de direita na Europa. Segundo Filibeck, a integração europeia, iniciada na década de 1990, encontrou limitações no momento de solucionar as crises econômicas dos países.
“As pessoas não enxergaram mais o projeto europeu como resposta a seus problemas, mas como o problema em si. Essa lógica está na base de movimentos de direita que ganham força em parte da Europa. O erro [da comunidade europeia] foi não compartilhar o nível certo de soberania e não ter uma união social”, destaca o vice-secretário geral.
Ainda de acordo com Filibeck, o ataque a democracia do Brasil refletirá em todo o mundo, especialmente enquanto persistir a prisão arbitrária de Lula. “Não é aceitável o que Bolsonaro traz para esse país, que Sérgio Moro se torne ministro. Não é aceitável que Lula continue preso. Nós temos que encontrar a coragem para estar lado a lado na luta. Se ocorre a deterioração das liberdades civis no Brasil, pode ocorrer em qualquer lugar do mundo”, alerta.
Deterioração da democracia como arma do imperialismo
A vice-presidenta do Partido da Esquerda Europeia, Maite Mola, lembrou que os ataques às democracias em todo mundo estão diretamente ligados aos Estados Unidos. Segundo Maite, os golpes na América Latina, a Guerra da Síria, o golpe na Ucrânia e a onda de violência na Venezuela e na Nicarágua são decorrentes da atuação do Departamento de Estado dos EUA e “fazem parte da aplicação de um plano para o imperialismo recuperar o terreno perdido”.
A novidade do golpismo dos EUA neste século, segundo a vice-presidenta, é o uso dos sistemas judiciários dos países como elemento central dos interesses políticos. Por meio do Judiciário há uma radicalização da situação política dos países, permitindo o aparecimento de formas de extrema direita, de acordo com Maite.
“O objetivo não é apenas impedir que líderes como Lula possam participar das eleições, mas criminalizar a esquerda, os movimentos sociais e também nossas ideias e toda uma geração de dirigentes que haviam levado esperança a muitas pessoas castigadas pelo sistema capitalista”, destaca a vice-presidenta.
No mesmo sentido, o dirigente do Movimento Revolução Cidadã do Equador Virgílio Hernández Enríquez aponta que a forças imperialistas de extrema direita querem eliminar a democracia como o espaço da disputa política. Segundo Enríquez, as sociedades democráticas eram o campo de atuação dos interesses dos EUA, mas com as vitórias da esquerda progressista, essa influência diminuiu.
“O espaço da democracia era o terreno deles e nós começamos a jogar no terreno deles e nós ganhamos. Agora, eles buscam eliminar a maior parte dos jogadores da esquerda. A direita não quer que a gente participe da disputa eleitoral. Por isso, nesse momento é imperativo defender as regras democráticas. Eles não querem que os eleitores possam selecionar entre projetos variados. Os meios de comunicação fazem política e de forma irresponsável porque não precisam responder a ninguém”, critica o dirigente.
A defesa da democracia, por sua vez, exige a união das esquerdas de todo mundo. Segundo Maite, é preciso recuperar um internacionalismo entre os setores progressistas. “Na América Latina, o imperialismo que fechar um ciclo. Temos que saber claramente o papel do estado na garantia da justa distribuição de riquezas, e isso passa pelo controle de setores estratégicos como energia e transporte. Não se trata só de solidarizarmos uns com os outros, mas que estamos na mesma luta. Temos que passar de uma democracia meramente representativa a uma democracia participativa”, finaliza Maite.
Por Erick Julio, da Agência PT de Notícias