A reportagem do “Intercept” está revelando, por meio da transcrição indesmentível de conversas em aplicativos, aquilo que muitos já sabiam, mas que agora restou provado e documentado: o ex-juiz que condenou Lula comandava a força-tarefa de procuradores da Lava Jato, o que contraria frontalmente a lei. Segundo o artigo 254 do Código Penal, um juiz será considerado suspeito e deverá ser afastado, a pedido do réu ou do acusador, caso se descubra que ele aconselhou uma das partes do processo que vai julgar.
Foi exatamente o que o juiz fez. Os diálogos revelados pela reportagem mostram que ele instruiu, orientou, aconselhou e até repreendeu os procuradores, exercendo domínio e influência sobre eles. Esta relação de proximidade e ascendência caracteriza uma conspiração e desqualifica as decisões tomadas ao longo do processo.
Pelo que se sabe até agora, o juiz indicou testemunha de acusação, determinou a antecipação e a mudança da ordem de operações de campo, vetou a presença de uma procuradora nas inquirições, por considerá-la despreparada, passou orientações aos procuradores sobre como obter resultados que poderiam facilitar a condenação do réu, e manteve com o chefe da força-tarefa um vínculo de forte cumplicidade.
Trata-se do mesmo juiz que, para sustentar o golpe de 2016, grampeou e vazou ilegalmente para a Rede Globo uma conversa telefônica da presidenta da República, o que acabou por inviabilizar a posse de Lula como ministro. E o mesmo juiz que, depois, para eleger Bolsonaro, condenou e prendeu Lula sem provas, impediu-o de ser beneficiado por um habeas corpus concedido pelo TRF-4, inviabilizou uma entrevista autorizada pelo STF e vazou delação antiga contra o PT às vésperas do pleito. Por esta interferência direta sobre a eleição, foi recompensado com o ministério da Justiça e a promessa de ser ministro do Supremo.
Por tudo isto, mas sobretudo pela autoridade que exerceu sobre os procuradores, instruindo-os a respeito de como agir para que pudesse condenar Lula, são evidentes os motivos que têm de levar à anulação do julgamento.
Por tudo o que conhecíamos e também pelo que passamos a conhecer com a reportagem do “Intercept”, fica muito claro que, além de não ter provas cabais, nem mesmo convicções a Lava Jato tinha para condenar Lula, e isto chegou a ser confidenciado pelo chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, numa de suas conversas com Sérgio Moro.
As únicas provas dessa história são as evidências, flagradas nas conversas vazadas agora, de que os procuradores fariam o que fosse preciso, independentemente da lei e do devido processo legal, para apoiar uma condenação, e de que para atingir este objetivo foram comandados pelo juiz, de maneira ilícita.
E se tínhamos motivos para defender a libertação de Lula com o que se conhecia até a semana passada, hoje temos o direito de reforçar nosso apelo com um sonoro “Lula livre, JÁ!”
Dilma Rousseff é ex-Presidenta do Brasil, vítima de golpe em 2016
*Publicado originalmente em Dilma.com.br