A crise dos refugiados do Oriente Médio e do norte da África, que assumiu contornos dramáticos nos últimos dias, arrasta-se há mais de quatro anos, especialmente a partir do início da guerra civil na Síria e da intervenção militar na Líbia.
A terrível foto de um menino de três anos de idade, Aylan Kurdi, morto em uma praia turca, ou a macabra descoberta de 71 homens, mulheres e crianças asfixiados em um caminhão numa estrada da Áustria são exemplos de uma tragédia de terríveis proporções e impõem desafios para toda a humanidade.
O conflito sírio já provocou a morte de mais de 240 mil pessoas, 4 milhões de refugiados –a maior parte em países vizinhos– e 8 milhões de deslocados internamente. É revoltante assistir à destruição humana e material da Síria e dos países contíguos, incluindo obras do patrimônio da humanidade.
O Iraque e a Síria se transformaram em base para grupos criminosos, como o autodenominado Estado Islâmico, que semeiam o terror entre populações golpeadas por guerras que destruíram seus Estados nacionais. Esses grupos realizam assassinatos em massa, recrutam menores para ações armadas e impõem brutalmente às populações locais suas convicções sectárias.
A dimensão geopolítica dos conflitos não pode esconder uma tragédia humanitária de gigantesca proporção, diante da qual a comunidade internacional, em especial as Nações Unidas, não pode mais ficar inerte. O tema deverá ocupar importante espaço na Assembleia Geral da ONU, que começa na terça-feira (15), em Nova York. Antes disso, no entanto, são necessárias ações urgentes de solidariedade.
É reconfortante ver amplos setores das populações de muitos países europeus –em direção oposta a grupos xenófobos– acolherem os refugiados e pressionarem seus governos a promover ações solidárias.
Desde o início da guerra civil na Síria e da multiplicação de conflitos no Oriente Médio e no Norte da África, o governo brasileiro tem oferecido vistos humanitários aos refugiados sírios. Já são 7.752 vistos concedidos. Determinei que esse esforço seja ampliado, pois, como país que abriga em sua população mais de 10 milhões de descendentes sírio-libaneses, não poderíamos agir de outra maneira.
Congratulo o comandante da corveta Barroso, da Marinha do Brasil, que salvou mais de 200 refugiados vindos da Líbia ao resgatá-los de um barco que se encontrava à deriva nas águas do mar Mediterrâneo.
Respeitoso dos direitos humanos, o Brasil é terra do acolhimento. Além das populações originárias, o povo brasileiro é composto de muitos imigrantes. Milhões de irmãos africanos vieram para cá forçados, quando imperou o vergonhoso tráfico de escravos. A presença de indígenas, europeus, africanos e asiáticos formou a nação brasileira.
Quando grandes crises se abateram sobre a Europa e sobre o Oriente, as portas do Brasil estiveram abertas para todos. Temos consciência da importância dessas contribuições para nossa formação histórica e cultural. Nós nos orgulhamos de ser um povo formado pela diversidade. É por isso que a tolerância e o respeito pelas diferenças são marcas da nossa identidade.
Com esse espírito, recebemos atualmente mais de 28 mil cidadãos haitianos, o que continuaremos a fazer de forma solidária e legal. Ao mesmo tempo, combatemos os grupos criminosos –os chamados “coiotes”– que, na América Latina, no Oriente e na Europa, traficam pessoas, aproveitando-se do desespero de milhares de famílias que fogem da guerra e da pobreza em busca de um futuro de esperança.
O Brasil, mesmo neste momento de superação de dificuldades, tem os braços abertos para acolher refugiados. Reitero a disposição do governo brasileiro de receber aqueles que, expulsos de suas pátrias, para o Brasil queiram vir, viver, trabalhar e contribuir para a prosperidade e para a paz. Queremos oferecer-lhes essa esperança.
Dilma Rousseff é presidente da República Federativa do Brasil