Após 15 meses de gestão, de uma mandato de 52, João Doria (PSDB) abandona a Prefeitura de São Paulo, nesta sexta-feira (6), para se candidatar ao governo do estado.
De acordo com especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o tucano deixa como grande marca a falta de diálogo com a população, enquanto setores do empresariado ganharam espaço na administração pública.
O discurso do “não-político”, na visão de Danielle Klintowitz, gerou impactos negativos para o município. Ela é coordenadora geral do Instituto Pólis, entidade que produz pesquisas e monitora políticas públicas para cidades.
Desde a campanha eleitoral em 2016, Doria se valoriza por sua trajetória como gestor. No entanto, de acordo com a especialista, a falta de experiência na administração pública levou o prefeito a ignorar ritos administrativos, legislativos e jurídicos.
“A administração pública tem rituais e leis que as regem e que devem ser cumpridas por qualquer administrador. Não cumprindo esses ritos e essas legalidades, é uma administração absolutamente ditatorial”, avalia.
Em maio de 2017, por exemplo, a prefeitura pediu a demolição de imóveis no bairro da Luz, região central da capital paulista, conhecida popularmente como “Cracolândia.”
A legislação municipal, no entanto, proíbe intervenções na área sem consulta e aprovação de um conselho gestor formado por moradores da região. O procedimento é exigido por se tratar de uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). O Ministério Público e a Defensoria Pública tiveram que intervir para interromper as remoções compulsórias na região.
Os primeiros meses da administração Dória foram marcados por uma série de recuos. O prefeito desmentiu que a Virada Cultural seria transferida para o Autódromo de Interlagos; deixou de lado a proposta de substituir a merenda escolar por um composto, a farinata, produzido a partir de alimentos próximos ao vencimento; revogou um decreto que estendia os serviços de segurança pessoal prestados pela Polícia Militar para ex-prefeitos.
“Isso tem a ver com essa frase de ‘eu não sou político, sou gestor’ porque pressupõe que é um gestor privado e que vai agir como em uma empresa privada”, afirma Klintowitz.
Falta de participação popular
Outra queixa comum entre as entidades que fiscalizam a administração municipal foi a diminuição da participação popular na elaboração de políticas públicas para o município.
Jesus dos Santos, integrante do coletivo Casa do Meio do Mundo, afirma que a sociedade civil foi sistematicamente ignorada pela gestão tucana.
“Ele [Doria] apresentou em seu plano de governo que haveria uma inserção e participação maior da população e da sociedade civil no processo administrativo. E o que a gente viu foi um processo em que os conselhos participativos e os conselhos gestores deixaram de ter espaço, foram deslegitimados”, lembra o militante.
A perda mais significativa foi a extinção do Conselho Municipal de Planejamento e Orçamento Participativos (CPOP), há nove meses, em julho de 2017.
Danielle Klintowitz afirma que, enquanto Doria mostrou uma “predisposição para o não-diálogo” com a sociedade civil, a postura foi diferente com o setor empresarial.
Para a especialista, a criação do Conselho de Gestão da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento é outro exemplo. O espaço recém-criado é liderado por Claudio Bernardes, também presidente do Conselho Consultivo do Secovi (Sindicato da Habitação) de São Paulo.
“É o conselho que reúne o setor do empresariado imobiliário. E ele tem um papel importante na Secretaria de Desenvolvimento Urbano, enquanto o resto da sociedade não está conseguindo dialogar”, explica.
Relação com os empresários
O tucano se focou em capitalizar recursos, reduzindo as despesas em investimentos a R$1,3 bilhões, em 2017. No entanto, com as doações ganhando centralidade, as relações com o empresariado ficaram nebulosas.
O exemplo mais recente foi exposto durante a greve dos servidores municipais contra a proposta do Sampaprev. O modelo previdenciário, proposto pelo tucano, teria sido encomendado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A entidade doou quase R$ 500 milhões para a prefeitura em setembro de 2017.
Para Klintowitz, as doações deveriam ter sido discutidas com a sociedade de forma democrática. “O que me pareceu é que a relação da gestão com o empresariado não foi nem republicana nem democrática, porque não se mostrou para sociedade paulistana quais eram os objetivos, os lucros e interesses públicos de cada uma dessas doações.”
Para Américo Sampaio, coordenador da Rede Nossa São Paulo, a redução da participação do estado foi outra grande característica dos 15 meses da gestão tucano no município.
“Diversas medidas da Prefeitura retiraram o papel do poder público em determinadas políticas públicas e colocaram como protagonista o terceiro setor ou o setor privado, característica de um governo pró-mercado.”
Segundo levantamento da Rede Nossa São Paulo, Doria deixa o governo com 10% das metas cumpridas. “Não podemos olhar esse valor com muito pessimismo porque a gestão ainda está no começo. É natural que nos primeiros anos você tenha uma menor capacidade de execução das metas”, pondera Sampaio.
Entretanto, mesmo com poucos meses, o estilo de administração de Doria teve bastante impacto na cidade. “Foi um governo que reduziu o papel da Prefeitura no que diz respeito a muitas políticas públicas; que promoveu mudanças estruturais na cidade, ou seja, mudou o sentido de cidade que vinha sendo implementado em São Paulo; e marcado pela dificuldade do diálogo com a população”, sintetizou o coordenador Rede.
Doria, hoje pré-candidato ao posto de governador do estado, deixa a prefeitura descumprindo uma das principais promessas feitas ao eleitorado paulistano: permanecer até o fim de seu mandato.
Ao contrário da chegada espetacularizada do primeiro dia de governo, vestido de gari, Doria sai da Prefeitura com uma cerimônia discreta, só para membros do governo.
Outro lado
Em resposta ao Brasil de Fato, a assessoria da prefeitura informou que a participação popular é garantida por meio das audiências que acontecem nas 32 subprefeituras. Sobre a lei de zoneamento, a Prefeitura afirma que “a proposta também foi debatida em oficinas, comissões técnicas competentes, mistas do Poder Público com a sociedade civil, entidades de classe, associações e movimentos, bem como em várias audiências publicas durante o mês de fevereiro.”
Em relação à doação da Febraban, a gestão Dória se defendeu argumentando que “a doação foi divulgada no Diário Oficial do Município, com total transparência. Não há qualquer conflito de interesses, já que nenhum Banco privado ou público pode fazer a gestão da previdência ou da previdência complementar do Município.”
A respeito das metas não cumpridas, a Prefeitura contrapõe que “o valor total empenhado pela Prefeitura em investimentos, no ano de 2017, foi de R$ 1,9 bilhão. Muitos investimentos previstos no orçamento contavam, em maior parte, com repasses de verbas federais que não aconteceram. Além disso, houve um contingenciamento da ordem de R$ 7,5 bilhões no orçamento municipal, em função do déficit verificado pela receita superestimada pela gestão anterior”, diz a nota.
Por Brasil de Fato