Partido dos Trabalhadores

Dweck e Rossi: RePolítica fiscal para o desenvolvimento inclusivo

Uma estratégia de desenvolvimento fundamentada em dois motores principais do crescimento econômico: a distribuição de renda e o investimento social

Instituto Lula

O Brasil de Amanhã

Resumo executivo

Ao longo dos 13 anos dos governos do PT a política fiscal cumpriu um papel fundamental no modelo de desenvolvimento. Foram adotadas políticas distributivas, contribuindo para estimular o mercado interno, houve uma expansão dos investimentos públicos em infraestrutura e em serviços públicos como saúde e educação e foram feitas algumas alterações tributárias, como o Simples. Em conjunto, essas medidas contribuíram para acelerar o crescimento econômico, formalizar o mercado de trabalho e fortalecer um modelo de desenvolvimento puxado pela demanda interna reduzindo desigualdades sociais e regionais.

No entanto, ainda que se possa afirmar que os instrumentos de política fiscal foram utilizados de forma mais ativa, não houve grandes alterações no arcabouço institucional. Por constrangimentos políticos e, em alguns casos, falta de apoio legislativo concreto, algumas propostas de reforma, como a reforma tributária, foram barradas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que trouxe a institucionalidade da regra fiscal, jamais foi alterada durante todo esse período. Cabe ressaltar, que nesse período foi introduzida a possibilidade de abatimento dos investimentos públicos diretos e que as principais estatais (Petrobras e Eletrobras) foram liberadas de fazer um esforço para obtenção do superávit primário, dado que tal exigência as colocava em desvantagem competitiva com empresas privadas. Todas essas medidas abriram espaço para ampliação dos investimentos públicos, mas a regra principal jamais foi alterada, e, no período de reversão cíclica, os constrangimentos de uma regra extremamente pró-cíclica foram sentidos.

Por outro lado, o que se viu após o golpe de 2016, foi uma tentativa de reduzir ainda mais o papel da política fiscal com a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 (EC95) que instituiu o crescimento nulo dos gastos primários e desvinculou as receitas para saúde e educação. A aprovação da EC95/2016, alterou de forma decisiva o contrapeso entre a LRF e a Constituição Federal de 1988, em detrimento das responsabilidades sociais. As propostas apresentadas na LRF de contingenciamento automático diante de queda de arrecadação sempre encontraram como contraponto certas obrigações sociais presentes na Constituição. A aprovação da EC95 interferiu de forma decisiva no tênue balanço entre as responsabilidades fiscais e sociais.

Com vistas a ampliar as possibilidades de transformação estrutural da economia brasileira, e aumentar o apoio político a propostas que permitam avançar nas conquistas obtidas e consolidar direitos, esse artigo discute propostas de política fiscal, do lado da arrecadação e do gasto a partir da orientação de um modelo de desenvolvimento social.

Para isso, em sua primeira seção, o artigo discute uma estratégia de desenvolvimento fundamentada em dois motores principais do crescimento econômico: a distribuição de renda e o investimento social. Esse projeto de desenvolvimento social tem enorme potencial de dinamizar a economia brasileira dada a enorme concentração de renda e a carência de infraestrutura social. Neste sentido, há um grande potencial de investimento a ser executado até se atingir níveis adequados de serviços públicos, assim como há um longo caminho redistributivo para que os níveis de desigualdade sejam aceitáveis.

Cabe destacar que a infraestrutura social e os serviços sociais de forma geral cumprem ainda um papel central na oferta de emprego de qualidade em um cenário de aumento da automatização industrial. Cada vez mais será necessário repensar a forma de repartição dos ganhos obtidos com um aumento da produtividade poupadora de mão-de-obra.

Nesse contexto, a política fiscal tem funções importantíssimas nesse projeto: contribuir para o crescimento econômico, garantir o financiamento do investimento social de forma sustentável e a qualidade na aplicação dos investimentos sociais, promover e aprofundar o processo de distribuição secundária da renda redistribuindo o excedente que tende a ser gerado de forma cada vez mais concentrada num cenário de automação.

De forma a destacar que política fiscal é, por natureza, uma política redistributiva, na seção 2, é discutido o impacto distributivo da política fiscal. Procura-se demonstrar como, por meio de arrecadação e do retorno para a sociedade, o Estado redistribui a renda gerada no País. No caso brasileiro, as despesas públicas, em especial gastos investimentos sociais e as transferências públicas, que representam 72% do total da despesa primária, cumprem um papel de atenuar uma enorme desigualdade social, função hoje ameaçada pela Emenda Constitucional 95. Já do lado da carga tributária, o Brasil não respeita princípio da equidade ou de justiça tributária que estabelece que cada pessoa deve pagar de acordo com a sua capacidade econômica.

Portanto, os argumentos em favor de uma reforma tributária progressivaque, no mínimo, recomponha a arrecadação devem estar no centro de um projeto de desenvolvimento social, pois tal reforma potencializa os motores discutidos acima. Dentro do padrão de desenvolvimento proposto, a reforma tributária influencia diretamente em dois aspectos: 1) aumenta o potencial distributivo da política fiscal, o que estimula o mercado interno e 2) financia o investimento social, outro vetor dinâmico do desenvolvimento social. Assim, na seção 3 desse artigo discute-se a injustiça tributária no Brasil que decorre principalmente do peso dos impostos indiretos na carga tributária e aponta diretrizes gerais para uma reforma tributária.

Por fim, a seção 4 é dedicada ao lado da despesa pública e ao regime fiscal de forma mais ampla. Destacam-se as limitações do regime fiscal brasileiro que combina uma regra pró-cíclica (superávit primário) e uma regra contracionista (teto de gastos) que tende a tornar inviável a administração da máquina pública, e propõem-se alternativas que permitam uso adequado da política fiscal. Além disso, apontam-se os problemas na LRF, cujas regras evitam práticas abusivas por parte de governantes, mas exacerbam o caráter pró-cíclico da condução da política fiscal e permitem um processo de criminalização da política fiscal que paralisa a ação do setor público. Essa última seção termina apontando para a necessidade de um novo pacto federativo, que permita avançar na reforma tributária, corrija problemas acumulados nas últimas décadas, alivie a situação fiscal de Estados e Municípios no curto prazo e os coloque alinhados no impulso aos dois motores do desenvolvimento.

1. Um Projeto Social de Desenvolvimento

O conceito de desenvolvimento pode ser definido como um processo histórico marcado pelo crescimento econômico e por mudanças estruturais. O crescimento — aumento da produção de bens e serviços materiais e imateriais — não pode ser o fim último de um processo de desenvolvimento, mas é algo imprescindível para um país como o Brasil, mesmo em uma perspectiva crítica à moderna sociedade de consumo. Esse crescimento decorre não apenas da produção de bens de consumo supérfluos, mas também de alimentos, da construção de moradia e de mobilidade urbana, de serviços de saúde e saneamento, de educação e cultura, de lazer e turismo. Assim, qualquer projeto de desenvolvimento deve buscar não apenas o crescimento econômico, mas pensar a qualidade desse crescimento.

A mudança estrutural, o segundo elemento que caracteriza o conceito de desenvolvimento, é crucial para indicar a direção do processo de desenvolvimento.

Ela aponta as mudanças na paisagem econômica e social, na estrutura produtiva, no mercado de trabalho, na distribuição da renda e da riqueza, nos indicadores sociais e ambientais. Pode haver crescimento com industrialização intensa, mas com concentração de renda e degradação ambiental, como ocorreu no período da ditadura militar no Brasil. Por outro lado, é possível buscar um modelo de desenvolvimento no qual a finalidade do crescimento econômico seja a melhora na vida das pessoas e que se reflita nos indicadores sociais, nas condições de trabalho, na distribuição da renda e da riqueza, na preservação ambiental e na melhoria dos indicadores de qualidade de vida nas cidades, em particular, nos grandes centros urbanos.

Uma das principais caraterísticas da sociedade brasileira é a desigualdade que se manifesta em múltiplas faces, sendo que a concentração da renda é apenas uma delas. Nesse sentido, a formulação de um projeto para o País não pode prescindir de ações específicas voltadas para promover uma sociedade mais homogênea e igualitária, buscando romper a histórica e persistente marginalização da maior parte da população dos benefícios do progresso técnico e do acesso aos serviços sociais.

Nesse contexto, um projeto social de desenvolvimento no Brasil deve ter como objetivo o crescimento e a transformação social, com a distribuição da renda e da riqueza, ampliação da oferta pública de bens serviços sociais básicos e a adequação da estrutura produtiva às necessidades econômicas deste projeto.

Estruturar a nossa vida coletiva, garantir emprego de qualidade e acesso universal a saúde, educação e cultura e demais serviços sociais básicos devem constituir objetivos finais da política econômica.

Esse projeto se opõe frontalmente ao projeto neoliberal, no qual o desenvolvimento é um conceito esvaziado, entregue a um pretenso caráter natural do sistema capitalista, cuja operação, livre de interferências do Estado, levaria a uma alocação eficiente de recursos.

Uma vez definida a direção do desenvolvimento, faz-se necessário pensar um modelo econômico que descreva a lógica de crescimento da economia brasileira de longo prazo. O trabalho de Bielschowsky (2014) nos ajuda a pensar estrategicamente o desenvolvimento brasileiro por meio do conceito de frentes de expansão, que constituem motores do crescimento econômico. O autor identifica três frentes de expansão que estiveram presentes na última década na economia brasileira, (1) um amplo mercado interno, (2) uma forte demanda interna e externa por nossos recursos naturais e (3) perspectivas favoráveis quanto à demanda estatal e privada por investimentos em infraestrutura (econômica e social). Nesse desenho conceitual, cabe ao Estado atuar sobre os motores de crescimento para garantir o crescimento e o desenvolvimento.

A partir da ideia de frentes de expansão, é possível pensar uma nova lógica de operação da economia brasileira no longo prazo que garanta simultaneamente dinamismo econômico e uma profunda transformação social.

Para essa estratégia de desenvolvimento a atuação pública deve estar voltada para dois motores essenciais do crescimento econômico, ou frentes de expansão da economia brasileira: a distribuição de renda e a oferta de infraestrutura social. Isso não significa negligenciar outros motores do crescimento, como aqueles apontados por Bieschowsky, mas reforçar a atuação do Estado e as políticas públicas nesses importantes eixos do desenvolvimento.

O intuito da requalificação do debate sobre as frentes de expansão da economia brasileira é, sobretudo, discutir o sentido do desenvolvimento econômico e tecnológico do sistema industrial brasileiro, não só visando recuperar sua competitividade, como também garantir que os frutos do progresso econômico sejam realmente revertidos na melhoria da vida cotidiana da população brasileira.

1º MOTOR: A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

A distribuição da renda é o primeiro “motor” do crescimento, uma vez que a ampliação da renda das famílias fomenta o mercado interno de consumo, induzindo os investimentos privados na ampliação da produção e impulsionado a geração de emprego e renda, o que se reverte em mais consumo, investimento e renda.

A constituição de um mercado de consumo de massas foi uma estratégia econômica deliberada dos governos do Partido de Trabalhadores e foi explicitada no programa de governo do partido em 2002 e nos planos plurianuais (PPA) elaborados ao longo do governo Lula (Bieschowsky, 2014).

Segundo Carvalho e Rugitsky (2015), a aceleração do crescimento brasileiro a partir de 2004 teve contribuição crucial do processo redistributivo, assim como o papel do crédito, que reforça o elo entre redistribuição e consumo.

Esse fato decorre de uma aceleração do circuito da renda impulsionada pela transferência de recursos para uma parcela mais pobre da população, que tem uma maior propensão a consumir. Ao longo do processo de inclusão no mercado consumidor, a ampliação da demanda gera aumento do volume de vendas, o que pode proporcionar aumento de escala das empresas domésticas, aumentos de produtividade e crescimento econômico. Como será discutido abaixo, para que isso se consolide é importante que parte substantiva do aumento da demanda seja atendida pela produção doméstica.

Como observado nos governos Lula e Dilma, as políticas de aumento de salário mínimo e as políticas de transferência da Seguridade Social e dos programas de combate à pobreza extrema são fundamentais para melhora relativa na renda da parcela mais pobre da população. No entanto, também é preciso solucionar estruturas que reproduzem a desigualdade no Brasil, como a carga tributária que reforça e institucionaliza a forte concentração de renda e riqueza. Portanto, uma reforma tributária é imprescindível para amplificar os efeitos redistributivos da política fiscal e reduzir a desigualdade social.

Além disso, a melhoria na distribuição de renda também depende da existência de um mercado de trabalho dinâmico, apoiado em uma estrutura produtiva diversificada, que propicie oportunidades de empregos de qualidade para trabalhadores dos diferentes níveis de qualificação e que se beneficie desse aumento do poder de compra da população.

Somente o comprometimento com um projeto que diversifique a estrutura produtiva e aumente o seu grau de complexidade tecnológica poderá fazer frente ao desafio de reestruturar o mercado de trabalho no Brasil.

Como já discutido por Furtado (1983) também é preciso repensar a articulação dos padrões de consumo com outros aspectos do desenvolvimento econômico, favorecendo formas coletivas de consumo. A ampliação da oferta de serviços públicos universais, que atendam com qualidade a maioria das classes sociais, não apenas tem a capacidade de ampliar o consumo coletivo, como pode coadunar-se com políticas voltadas para a economia local e regional, alterando a cesta de consumo da população, promovendo o desenvolvimento local e regional e privilegiando os micro e pequenos empreendimentos.

Dessa forma, a consolidação de um forte mercado interno de consumo por meio da distribuição de renda deve ser acompanhada por uma discussão em torno da qualidade do consumo, tanto de bens privados quanto de bens públicos.

Segundo Medeiros (2015), no ciclo distributivo recente, apesar da difusão de padrões de consumo privado, persistiu a precariedade do acesso de uma parte da população aos bens e serviços sociais básicos como moradia, transportes, saúde e educação, o que nos remete ao segundo motor do desenvolvimento.

2º MOTOR: O INVESTIMENTO SOCIAL

O investimento social pode ser o segundo “motor” do crescimento. Esses investimentos podem ter um enorme efeito dinâmico de curto prazo por meio dos multiplicadores de gasto e da geração de empregos, sendo, portanto, um vetor de saída para a atual crise econômica. Mas também têm amplos efeitos positivos sobre o crescimento econômico no longo prazo, por meio da melhora da qualidade de vida das pessoas e da produtividade do sistema e de uma redistribuição de renda e riqueza. São trabalhadores que demoram menos tempo para ir e voltar do trabalho, com serviços de transporte de maior qualidade. Trata-se de uma força de trabalho com mais saúde, mais educação, mais lazer e mais cultura, decorrentes de uma maior oferta de serviços sociais.

Como mostra Castro (2013), os investimentos sociais têm impactos positivostanto para a redução da desigualdade quanto para o crescimento econômico e a geração de emprego.

Segundo o IPEA (2010 e 2011), um incremento de 1% do PIB nos gastos com educação e saúde, por exemplo, gera crescimento do PIB de 1,85% e 1,70%, respectivamente nesses setores. Ademais, o gasto social reduz a desigualdade da renda: um aumento de 1% do PIB nos gastos com Saúde Pública e no programa Bolsa Família reduz a desigualdade, medida pelo índice de Gini, em 1,50%, no caso da Saúde Pública e 2,20%, no caso do Bolsa Família. Nesse sentido, o investimento social não deve ser tratado como um fardo para as contas públicas. Combinado aos demais instrumentos de política econômica, ele pode ser importante mecanismo de sustentação do crescimento, garantindo inclusive a ampliação das suas fontes de financiamento.

Dessa forma, os dois objetivos de redução da desigualdade de renda e aumento do investimento social são fundamentais ao crescimento econômico. Além da maior justiça social e reparação histórica, a implementação de um projeto de desenvolvimento social tem enorme potencial de dinamizar a economia brasileira dada: (1) a enorme concentração de renda; (2) a carência de infraestrutura social. Nesse sentido, há um potencial de décadas de investimentos sociais a serem executadospara que esses possam atingir níveis adequados, e há um longo caminho redistributivo para que os níveis de desigualdade sejam aceitáveis.

No caso da Educação, além das conhecidas insuficiências ligadas ao ensino e ao aprendizado, destaca-se a inadequação física das escolas. Da mesma forma, a área da saúde também pode ser campo promissor do investimento público e de políticas setoriais, uma vez que diversos segmentos da população não têm acesso adequado aos serviços de saúde. O setor também se destaca por seus encadeamentos produtivos em torno do “Complexo Industrial da Saúde”.

A mobilidade urbana, habitação¹¹ e saneamento básico¹² devem contar com políticas nacionais expressivas, baseadas na cooperação dos entes federativos e portadora de recursos financeiros na magnitude dos problemas que se acumularam desde a década de 1950, em decorrência da rápida urbanização do país. Os esforços nos programas do PAC Cidade Melhor e Programa Minha Casa Minha Vida precisam ser reforçados e aperfeiçoados.

Nesses setores há uma ampla oportunidade de desenvolvimento tecnológico e produtivo. E esses investimentos sociais podem e devem estar articulados com políticas ambientais sustentáveis, para que se privilegiem alternativas como, por exemplo, a tecnologia verde, a energia limpa, a matriz de transportes não poluente e os sistemas mais avançados de reciclagem de saneamento.

Nas diretrizes de um projeto de desenvolvimento, deve-se ter em conta ainda os impactos territoriais de tal projeto, seja no que diz respeito à localização espacial dos investimentos, com foco na redução das desigualdades regionais, seja no que tange aos impactos da estratégia de desenvolvimento no cotidiano das cidades, que é onde a população vivencia seu dia a dia. A qualidade de vida nos grandes centros urbanos, onde vive a maior parte da população, é afetada diretamente pela estratégia de desenvolvimento econômico, por exemplo: por meio dos impactos dessa sobre a mobilidade urbana, que envolve o tráfego e o tempo dos deslocamentos; no preço da terra e dos imóveis, que afetam diretamente nos gastos com moradia e podem piorar as condições de acesso a esse bem fundamental para a qualidade de vida; na piora da já elevada concentração da riqueza.

Em suma, esses são apenas alguns exemplos de como esse eixo de “investimento social” poderia ser impulsionado para (1) aumentar a demanda agregada, o que significa crescimento e emprego; (2) corrigir mazelas crônicas na oferta de serviços públicos de boa qualidade; (3) desenvolver a estrutura produtiva; e (4) mitigar os efeitos do progresso técnico poupador de mão-de-obra nos setores industrias. Antes disso, porém, é necessário destacar dois desafios para a implementação de um projeto social.

1º Desafio: Restrição externa

O primeiro desafio é o da restrição externa que historicamente coloca-se como entrave ao desenvolvimento brasileiro por meio de escassez de divisas e crises de balanço de pagamento. Esse constitui o problema clássico do desenvolvimento, apontado por Prebisch e Furtado, e cuja solução passa pela diversificação da estrutura produtiva, como apontado pioneiramente por Prebisch, e pela adequação dos padrões de consumo à estrutura produtiva, como defendido por Furtado.

Nesse contexto, há dois aspectos relevantes que apontam para a possibilidade de redução da restrição externa. O primeiro diz respeito à natureza da vulnerabilidade externa brasileira que muda de patamar ao longo dos anos 2000.

Como mostrado por Biancarelli et. al. (2017), diferentemente de outros períodos históricos, o aumento dos passivos externos brasileiros, especialmente públicos, foi composto por ativos denominados em moeda nacional negociados em mercados domésticos. Isso por que o governo é credor líquido externo e a acumulação de reservas cambiais garante mais autonomia para condução de um projeto de desenvolvimento soberano.

Cabe destacar que, no contexto da globalização financeira, essa vulnerabilidade mudou de natureza e expressa-se principalmente no “curto prazismo” dos fluxos financeiros e nos movimentos da taxa de câmbio, que não apenas reproduzem a instabilidade dos fluxos de capitais, mas também as tendências de médio prazo decorrentes dos movimentos especulativos (Rossi, 2016). Nesse contexto, para um projeto soberano de desenvolvimento, é necessário regular o mercado de câmbio, em particular o mercado de derivativos de câmbio, e instituir de controles sobre determinados fluxos de capitais, inibindo a volatilidade excessiva dos capitais de curto prazo.

O segundo aspecto relevante se refere à adequação de um modelo distributivo com a diversificação da estrutura produtiva. Para que os efeitos positivos ocorram, o impulso de demanda precisa ser atendido majoritariamente pela produção doméstica. Para isso, é preciso uma combinação de política industrial e macroeconômica, com taxa de juros e de câmbio que permitam a nossos produtores competirem com seus congêneres estrangeiros, assim como aprimorar o tratamento tributário de modo a melhorar a competitividade dos produtos nacionais frente aos importados. Ou seja, a demanda interna por bens industriais pode proporcionar a diversificação produtiva necessária para amenizar a restrição externa, desde que a política econômica crie condições adequadas para o desenvolvimento da produção nacional.

Nessa consolidação do mercado interno, os investimentos na infraestrutura produtiva (transportes, logística, energia) também são fundamentais para a competitividade da produção doméstica, e devem ter atenção especial num projeto de desenvolvimento que busque equacionar as fontes de financiamento e crie o arcabouço institucional adequado, tanto por meio dos investimentos públicos quanto por concessões ou outras formas de parcerias público-privadas.

2º Desafio: Financiamento do desenvolvimento

A discussão dos mecanismos de financiamento do Estado para concretizar o projeto social de desenvolvimento deve, em primeiro lugar, desmistificar certo senso comum acerca das finanças públicas e destacar o importante papel dos gastos sociais no crescimento econômico, como já destacado anteriormente

Sendo assim, o primeiro desafio que se deve enfrentar no âmbito do financiamento é a reestruturação do sistema tributário e não o corte sistemático dos gastos públicos, como foi instituído pela Emenda Constitucional 95.

A redução dos gastos com juros devem ser uma prioridade no âmbito do financiamento, por meio de mudanças na forma de condução e na institucionalidade da política monetária. Além disso, a revisão dos chamados “gastos tributários”, composto por isenções e desonerações, deve ser feita à luz dos princípios de maior benefício social e econômico. Finalmente, cabe também o combate a certos privilégios ainda observados em instâncias públicas, como o caso notório de auxílio-moradia de forma irrestrita e de fortes distorções salariais e diferentes poder de barganha entre o funcionalismo público. Esses e outros efeitos regressivos dos gastos públicos devem ser avaliados de forma a amplificar o efeito agregado de redução de desigualdades e melhorar cada vez mais a estrutura da despesa pública.

Por fim, duas questões são cruciais para a superação das restrições ao financiamento do projeto social de desenvolvimento: o papel dos bancos públicos e do sistema financeiro privado. Os bancos públicos, em particular, têm um papel fundamental na sustentação do investimento produtivo e social, um dos principais motores do desenvolvimento. A administração dos bancos públicos e as políticas de créditos em geral, que incluem o direcionamento do crédito privado, devem priorizar os objetivos sociais da estratégia de desenvolvimento com base na ideia de política orientada por missões, voltada à resolução de problemas concretos e de longa data da sociedade brasileira.

2. O Impacto Distributivo da Política Fiscal no Brasil

A capacidade e a forma de arrecadar e de gastar impacta a distribuição da renda dos países, tanto em termos diretos, na determinação da renda disponível, quanto em termos indiretos, na oferta de bens e serviços gratuitos à população, especialmente saúde e educação, que funcionam como a redistribuição material de renda por meio de acesso à serviços.

A Europa é muito menos desigual do que a América Latina e isso é decorrente, não apenas de um mercado de trabalho diferenciado, mas, principalmente, do tamanho e do papel do Estado.

Um estudo da CEPAL apresenta uma comparação do índice de Gini dos países da América Latina, da União Europeia e da OCDE, considerando a distribuição da renda de mercado (exclusivamente gerada pelo sistema produtivo), da renda disponível em espécie (que já desconta os impostos diretos e soma as transferências de renda) e da renda disponível incluindo serviços públicos gratuitos de saúde e educação (equivalentes a uma transferência de renda indireta, pois as famílias deixam de gastar com esses serviços). A tabela 1 apresenta esses dados que revelam o impacto redistributivo da política fiscal, que por meio do gasto público e da arrecadação altera a desigualdade social.

Tabela 1: Índice de Gini para diferentes Níveis de Renda para diferentes Regiões

Fonte: Cepal (2015)

Observa-se, na tabela 1, que o índice mais alto é a desigualdade de renda gerada pelo mercado, antes dos impostos e transferências às famílias. Em relação à renda de mercado, a América Latina é quase tão desigual quanto a Europa ou os países da OCDE. A diferença maior encontra-se na distribuição da renda disponível, ou seja, descontando os impostos diretos pagos pelas famílias e somando as transferências.

Na América Latina o índice de Gini passa de 0,51 para 0,48 enquanto na União Europeia passa de 0,47 para 0,30, melhora expressiva que resulta tanto de um sistema tributário extremamente progressivo, quanto de um sistema de transferências de renda muito mais significativo e importante. Nesse campo, a América Latina, e o Brasil em especial, têm muito que avançar.

Já na renda disponível estendida (que imputa valores aos serviços públicos como renda indireta), a redução da desigualdade medida pelo Gini na América Latina é mais expressiva (de 0,48 para 0,42) mais ainda está aquém da redução na União Europeia (de 0,30 para 0,23).

Segundo CEPAL (2015), o Brasil é o país que mais reduz a desigualdade social por meio de transferências (pensões e outras) e gastos sociais (saúde e educação) na América Latina. Quando se considera também os impostos diretos e as contribuições para a seguridade social, observa-se a uma redução de 16,4 p.p. no índice de Gini, para o ano de 2011, bastante superior a média da América Latina, de 9,1 p.p. Contudo, essa redução da desigualdade é muito inferior à média da OCDE, de 23 p.p. e da União Europeia de 26 p.p., isso por conta dos impostos diretos que cumprem um papel muito mais relevante nos países avançados.

O caso brasileiro se caracteriza por uma carga tributária extremamente regressiva, que aumenta a desigualdade social, e por um gasto público primário extremamente progressivo, que reduz a desigualdade social. Um estudo do IPEA (2011), analisa em mais detalhes esses diferentes estágios da distribuição da renda. Os autores decompõem o índice de Gini em 5 partes referentes à i) renda de mercado, ii) renda após benefícios sociais como aposentadoria, pensões, auxílios, bolsas, seguro desemprego e outros, iii) renda após impostos diretos: imposto de renda, contribuições previdenciárias, iptu, ipva e outros, iv) renda após impostos indiretos (ICMS, IPI, PIS-COFINS E CIDE) e a desigualdade medida pela imputação de valor aos gastos de saúde e educação que podem ser considerados benefícios em espécie.

A figura 1 mostra que a carga tributária no Brasil concentra mais renda com os impostos indiretos do que distribui com impostos diretos. Além disso, os dados acusam uma grande redução das desigualdades após as transferências de renda e, principalmente, após o gasto com saúde e educação que atende principalmente a parcela mais pobre da população. É importante notar que, no Brasil, há, ao contrário de grande parte dos países em desenvolvimento e de poucos países com grande população um sistema universal de saúde e um sistema universal de educação básica. Obviamente, há ainda um grande espaço para ampliação da qualidade desses serviços, o que requer a combinação de mais recursos e de mais mecanismos de gestão e controle social. Nesse sentido, a proposta apresentada de colocar os investimentos sociais como motor do processo de desenvolvimento, propõe justamente orientar o Estado para garantir a ampliação da qualidade na prestação desses serviços à população.

Figura 1: Índice de Gini após atuação da política fiscal em 2009

Fonte: IBGE/POF. IPEA (2011) “Equidade Fiscal: impactos distributivos da tributação e dos gastos sociais” Comunicados do IPEA n.92. Elaboração própria.

Outra linha importante de estudo sobre a redução da desigualdade decorrente da política fiscal é apresentada em “Faces da Desigualdade no Brasil”, que procura avaliar os avanços das camadas mais baixas em termos de acesso — ou o não acesso — à água, saneamento, energia, educação, saúde, moradia e bens de consumo como geladeira, telefone, dentre outros. Para a redução da desigualdade, os autores mediram os efeitos sobre os 5% e os 20% mais pobres da sociedade brasileira e captaram os ganhos relativos dessa camada mais pobre, indicando outra face importante da redução da desigualdade. Ainda assim, como os autores apontam, ainda há um longo caminho para continuar esse processo de inclusão e redução de parte importante das desigualdades nas periferias, no campo e no interior do Brasil.

Portanto, podemos afirmar que a política fiscal tem um papel central na redução da desigualdade social, tanto a partir da arrecadação quanto dos gastos públicos, em especial as transferências de renda e na oferta de serviços públicos gratuitos, incluindo água, luz, etc. No Brasil, o que se observa é que o sistema tributário é extremamente regressivo, contribuindo para uma concentração da renda, enquanto o sistema de transferências e de serviços públicos universais permitem o maior impacto de redistribuição de renda da América Latina. Contudo, como será discutido abaixo, a EC95/2016 tende a comprometer essa função da política fiscal, o que deve agravar o grave quadro de desigualdade social no Brasil.

Falsas Controvérsias em torno do impacto distributivo do gasto publico

Recentemente, houve uma tentativa de desqualificar o papel redistributivo da política fiscal comum estudo do Banco Mundial, bem como o estudo do Ministério da Fazenda (2017a), levantaram essa questão de forma a justificar uma redução do papel do Estado na economia brasileira.

No caso do Banco Mundial, há uma coletânea de textos na Plataforma Social que apontam os erros do Relatório. Já no caso do estudo apresentado pelo Ministério da Fazenda, “Efeito Redistributivo da Política Fiscal no Brasil”, a análise é toda apresentada em termos de quintis de renda. A metodologia é semelhante à apresentada em IPEA (2011), mas utiliza dados da PNAD. Ao longo de todo o estudo, procura-se demonstrar que o quinto quintil recebe, proporcionalmente, mais do que os demais. Umas das conclusões do estudo é: “Cabe notar que a parcela (…) [dos rendimentos de aposentadoria e pensão] apropriada pelos 20% dos domicílios mais ricos é 55%, o que mostra que os gastos com previdência e pensões no Brasil reproduz a elevada desigualdade observada na distribuição da renda” (Fazenda 2017a, p.6). O que o estudo não mostra é a renda média, muito menos a inicial, do último quintil. Pelos dados da última PNAD, é possível observar que 93,1% da população brasileira está em domicílios com rendimento mensal familiar per capita de até 5 salários mínimos (aproximadamente o teto do RGPS) sendo apenas 5,6% entre 3 a 5 salários mínimos.

Ainda assim, o estudo aponta para a redução da desigualdade decorrente das transferências de renda e do efeito negativo da tributação indireta, embora o cálculo da incidência de impostos indiretos pela PNAD seja falho, pois não há de forma aberta o perfil de consumo das classes de renda. No entanto, os autores consideram que o efeito das transferências e tributos diretos sobre a redução da desigualdade é baixo no Brasil, quando comparados aos países da OCDE. Neste caso, os autores parecem esquecer que grande parte do efeito distributivo nos países da OCDE advém da tributação direta, muito superior e mais progressiva do que a brasileira. Em dado divulgado pela receita, é possível observar que o Brasil tem a menor carga tributária incidente sobre a Renda, Lucro e Ganho de Capital.

Outra linha de discussão importante sobre a desigualdade de renda, utilizada de forma errônea pela mídia, é a discussão levantada a partir dos estudos a partir da metodologia desenvolvida por Piketty (Medeiros et al., 2015, Morgan, 2017). Essa linha, no entanto, não procura medir o efeito da política fiscal, ao contrário, os dados são referentes aos efeitos sobre a renda bruta e apontam a péssima desigualdade brasileira decorrente da distribuição de patrimônio. Isto só reforça a necessidade de ampliar as políticas redistributivas e a mudança da incidência da carga tributária, que pode contribuir efetivamente para uma redistribuição da riqueza no Brasil.

3. Reforma tributária para o desenvolvimento social

Diante desse quadro, a reforma tributária deve estar no centro de um projeto de desenvolvimento inclusivo. Ela é funcional ao projeto e aos seus vetores de desenvolvimento em, pelo menos, dois aspectos: 1) na promoção da distribuição de renda, o que estimula o mercado interno e 2) no financiamento do investimento social, outro vetor dinâmico do desenvolvimento social.

Nesse contexto, a reforma tributária é uma ferramenta indispensável para aumentar o impacto distributivo da política fiscal. Esse instrumento não foi mobilizado de forma significativa nos governos do PT, apesar das tentativas de reforma tributária que esbarraram em resistências políticas. No início do governo Lula foi incluída uma nova alíquota no imposto de renda e a tabela passou a ser corrigida anualmente, no entanto, outras medidas como as tentativas de alterar o ICMS, de aumentar a contribuição sobre juros de capital próprio, de taxar embarcações e aeronaves, por exemplo, foram barradas.

Assim como nos ciclos de governos progressistas na América Latina, no Brasil não foi possível empreender reformas tributárias importantes por dois motivos, apontados por Lozano (2017): 1) a necessidade de forte mobilização política para pressionar forças que se opõe a mudança da atual estrutura; e 2) o cenário internacional, com alta dos preços de commodities, ampla liquidez internacional e formalização do mercado de trabalho, que permitiu um aumento da arrecadação capaz de sustentar as políticas sociais sem mudança significativa na estrutura tributária.

Recentemente, esse segundo ponto chegou a um esgotamento, e como será demonstrado abaixo, houve uma forte perda de carga tributária, reduzindo as capacidades estatais. Por outro lado, a resistência política continua elevada, e por isso requer uma ampla discussão democrática e mobilização social em torno do tema.

Uma reforma tributária deve levar em conta sempre três aspectos, eficiência econômica, questões federativas e questões de equidade social. No atual contexto brasileiro, não há dúvida que há a necessidade de uma maior simplificação tributária, mas o princípio norteador de uma reforma tributária deve ser a busca pela equidade no tratamento tributário, inclusive do ponto de vista regional. O princípio da equidade ou de justiça tributária segue o critério da capacidade econômica, renda e riqueza, de cada contribuinte, ou seja, a condição econômica de cada contribuinte determina a repartição do financiamento das atividades públicas. Essa equidade tem uma dimensão vertical relativa às diferentes remunerações que devem contribuir de forma proporcional à capacidade econômica: pessoas que ganham mais devem pagar mais. Mas também tem uma dimensão horizontal que se refere às pessoas que recebem o mesmo por diferentes fontes (rendas do trabalho ou do capital) ou diferentes modalidades de emprego (assalariado, conta própria, pessoa jurídica, etc.) e que deveriam contribuir de forma igual.

No Brasil, o princípio da equidade no tratamento tributário não é verificado.

Como mostra Silveira (2012), com dados da POF de 2008/2009, os 10% mais pobres comprometem 53% de sua renda disponível com tributos, sendo 47% tributos indiretos e 6% tributos diretos. Já os 10% mais ricos, contribuem com apenas 23% da sua renda disponível, sendo em torno de 10% em impostos indiretos e 12% em impostos indiretos.

Essa injustiça tributária decorre principalmente do peso dos impostos indiretos na carga tributária. Os impostos indiretos prejudicam os mais pobres por dois motivos; 1) esses são regressivos por natureza pois incidem sobre os consumo e serviços; e 2) a população mais pobre brasileira tem uma propensão a consumir da renda muito maior do que a parcela mais rica (Zockun, 2017). Cabe lembrar que o principal imposto indireto no Brasil é o ICMS, principal imposto estadual. Nesse sentido, uma parte importante da reforma tributária passa pela reconstrução de um novo pacto federativo, como será discutido ao final desse texto.

De acordo como dados divulgados pela Receita Federal (2017), a carga tributária brasileira foi de 32,1% do PIB em 2015, sendo que quase a metade (15,8% do PIB) de impostos sobre bens e serviços, enquanto os impostos sobre a folha de pagamento representaram 8,4% do PIB e os impostos sobre a renda e a propriedade, apenas 7,9% do PIB. Enquanto na OCDE, a carga tributária média em 2015 foi de 35,2% do PIB, sendo 13,9% do PIB em impostos de renda e propriedade, 9,8% na folha de pagamento e 11,5%, em bens e serviços.

Dessa forma, o Brasil tem uma carga tributária próxima dos países da OCDE, mas seu financiamento é extremamente regressivo (Figura 2).

Figura 2: Distribuição da carga tributária no Brasil e na OCDE em 2015

Fonte: Receita Federal (2017). Elaboração própria.

Para além do problema distributivo, a concentração da carga tributária nos impostos indiretos é nociva à eficiência e à competitividade do sistema produtivo brasileiro.

Ao tributar a produção e o comércio em detrimento da renda, aumenta-se o custo das mercadorias e dos serviços brasileiros relativamente aos países com carga tributária concentrada na renda e na riqueza, prejudicando a competitividade das empresas e a eficiência do sistema econômico doméstico.

Outra importante distorção no sistema tributário brasileiro é o tratamento diferenciado dado a renda do trabalho e do capital, esse último alvo de diversos benefícios tributários dentre eles a isenção de impostos de renda da distribuição de lucros e dividendos, introduzida em 1995. Segundo Gobetti e Orair (2016), essa é uma particularidade do sistema tributário brasileiro; dentre os países da OCDE, apenas a Estônia pratica a isenção total para lucros e dividendos.

Essa particularidade reduz o impacto distributivo de propostas de aumento das alíquotas de imposto de renda das pessoas físicas, uma vez que essas só atingem os rendimentos tributáveis e os lucros e dividendos são fontes de renda da parcela mais rica da população. Nesse sentido, uma reforma tributária para aumentar o impacto distributivo da política fiscal deve passar pelo fim da isenção de impostos para os lucros e dividendos, bem como a revisão de outras isenções fiscais importantes que distorcem o sistema brasileiro atual.

Feitas essas ressalvas cabe indicar alguns pontos importantes para a reforma tributária, listados a seguir.

3.1. Elementos para uma minirreforma tributária: IRPF e IRPJ

O sistema tributário brasileiro, como visto acima, é uma das instituições responsáveis pela desigualdade de renda no Brasil e extremamente funcional a sua manutenção. Dentre os mecanismos difusores da desigualdade estão a centralidade dos impostos indiretos na carga tributária, a isenção na tributação de algumas rendas do capital e a baixa tributação da propriedade, herança e outras formas de riqueza.

Uma reforma tributária pode reduzir substancialmente as desigualdades sociais, transformar a estrutura produtiva e modificar a correlação de forças. Por isso, ela deve estar no centro de qualquer programa de esquerda para o país. Mas é preciso levar em conta a complexidade do problema e reconhecer que isso exige uma enorme engenharia política. Uma reforma tributária interfere diretamente no conflito distributivo e é um ponto fundamental em qualquer novo pacto federativo, dois pontos com intensa barreira política.

Recentemente, a Plataforma Social publicou uma série de 19 artigos, até fevereiro de 2018, sobre aspectos importantes para uma reforma tributária. Dentre os pontos destacados nos artigos, podemos destacar: tributos sobre transações financeiras; retomada da tributação sobre produtos primários e semielaborados destinados à exportação (a lei Kandir aplicada a produtos primários); personalização do IVA para o Brasil, harmonizando os objetivos de eficiência e equidade; e imposto sobre a propriedade territorial rural.

Todos esses pontos são extremamente importantes, e podem ser combinados a uma ampla revisão de alguns “gastos tributários” regressivos, como é o caso típico do da isenção total de gastos com saúde privada, sem qualquer teto como ocorre no caso da educação, que chega a um total de R$ 18,4 bilhões (Ministério da Fazenda, 2017b) e o fato quase anedótico de que embarcações e aeronaves não pagam qualquer imposto, enquanto carros populares são taxados anualmente.

Ainda assim, diante da necessidade urgente de recomposição da arrecadação, é necessária uma alteração rápida, com impactos positivos na arrecadação e na distribuição de renda. Diante desse cenário, em 2015, o governo Dilma chegou a propor a volta da CPMF, contribuição perdida desde 2008, que representou uma das fortes perdas, tanto de arrecadação quanto de instrumento de controle de movimentação financeira. No entanto, a retomada da CPMF, mesmo com os ganhos arrecadatórios e de controle, tem pouco impacto do ponto de vista da progressividade, pois tende a ser uma contribuição neutra do ponto de vista distributivo. Uma alternativa a essa proposta, ou mesmo complementar, seria a alteração do IRPF combinado com um reequilíbrio entre IRPF e IRPJ, diante das mudanças regressivas que estão ocorrendo em outras partes do mundo, como no caso dos EUA.

Elevar a tributação do IRPF: alternativas

  1. A primeira alternativa seria tributar lucros e dividendos nos moldes vigentes até 1995, com alíquota linear de 15% exclusiva na fonte.
  2. A segunda alternativa seria tributar lucros e dividendos seguindo a atual tabela progressiva do IRPF.
  3. A terceira alternativa seria manter a isenção de dividendos mas elevar a progressividade da tabela do IRPF, criando 3 novas faixas de 35%, 40% e 45%, a partir de níveis de renda elevados (60 mil, 70 mil e 80 mil, respectivamente).
  4. A quarta proposta combina a criação de uma alíquota adicional de 35% do IRPF apenas para rendas muito elevadas (acima de R$325 mil mensais) e, simultaneamente, submeter os lucros e dividendos a esta tabela.

Tabela 2— Resultados das simulações de mudanças no IRPF (com base em 2013)

Fonte: Gobetti e Orair (2015)

As simulações acima mostram que as alterações sugeridas no IRPF, além de elevarem substancialmente a arrecadação, atingem um número pequeno de pessoas da população, apenas dos extratos mais elevados de renda, que hoje têm uma carga tributária muito baixa. O aumento da progressividade pode ser medido pela simulação da queda do índice de Gini. Esse aumento do IRPF poderia ser combinado com uma redução da alíquota do IRPJ de 25% para 20%, o que significaria, em valores de 2015, uma perda R$ 16 bilhões de arrecadação.

3.2. Necessidade de recompor a arrecadação pública federal

Como pode ser visto na tabela abaixo (Tabela 3), nos governos Lula e FHC houve forte aumento da arrecadação líquida federal, aumento de 3.8 p.p. do PIB no governo FHC e 2,0 p.p. no Governo Lula. No governo Dilma, houve uma queda de 2,4 p.p.

Portanto, mesmo com um crescimento muito menor da despesa no governo Dilma, do que nos dois governos anteriores, principalmente, se retirarmos o efeito do pagamento dos passivos em 2015 (R$ 55,0 bilhões, quase 1% do PIB), observa-se que o resultado primário menor foi por conta da queda da arrecadação.

Tabela 3- Resultado Primário e Despesas e Receita Federais (% do PIB)

Fonte: STN, *acumulado em 12 meses, ** sem os ajustes

Como poderá ser observado no gráfico da seção 4.1.2, essa mudança do comportamento da receita e da despesa pode ser observada a partir da crise de 2008 e da perda da CPMF em 2007. Até a crise, o crescimento real médio da receita foi superior ao da despesa, garantido as condições para a obtenção do resultado primário positivo, obtido desde 1999. A partir da crise, inverteu-se, com a receita líquida crescendo um pouco menos do que a despesa. No entanto, nos dois últimos anos é que essa tendência se acentuou e a despesa, apesar de ter tido um crescimento real bem abaixo dos anos anteriores, cresceu bem acima da receita, que caiu em termos reais. Na seção 4.1.2, vamos discutir os impactos da crise na arrecadação, em especial avaliar não só o impacto da queda da atividade econômica, como também a mudança na estrutura produtiva e seus impactos para a elasticidade da receita.

Quando olhamos a carga tributária completa, é possível observar que o maior aumento foi de 1996 para 2002, principalmente, nos tributos arrecadados na esfera federal. No entanto, grande parte desse aumento foi decorrente das contribuições sociais que não são repartidas com estados e municípios.

Quando analisamos a série mais recente, divulgada ao final de 2017, é possível observar a queda de quase 2 p.p. na carga tributária em relação ao período pré-crise. Na tabela 4 abaixo, os dados de 2016 estão ampliados pelo efeito da repatriação. É possível observar que a queda no nível federal não foi compensada por um aumento na esfera municipal ou estadual.

Tabela 4 — Evolução da carga tributária, de 2007 a 2016, série nova do PIB

Fonte: Receita Federal — Carga Tributária 2016

4. Regime fiscal para o desenvolvimento Social

Ao longo dos 13 anos dos governos do PT a política fiscal cumpriu um papel fundamental para as políticas distributivas, contribuindo para estimular o mercado interno e para acelerar a economia.

No entanto, não houve grandes alterações no arcabouço institucional, ainda que se possa afirmar que o arcabouço existente foi utilizado de forma mais ativa. Se, durante o período de forte crescimento, o arcabouço institucional existente não foi um entrave, em um contexto de desaceleração econômica, as dificuldades na condução da política fiscal tornaram-se evidentes.

Com a crise de 2008, ocorreu no Brasil fenômeno muito parecido ao verificado em vários países: o conflito entre metas fiscais rígidas no curto prazo, que só podem ser alteradas por via legislativa (sujeitas, portanto, ao tempo político e à capacidade do governo de aprovação de medidas no Congresso), e a necessidade de uma resposta rápida em termos de política econômica para evitar a crise (tempo econômico) (Dweck e Teixeira, 2017).

Tal conflito é típico dos estabilizadores automáticos das economias com Estado relevante, na medida em que, no sistema fiscal brasileiro, as despesas são rígidas (com as despesas obrigatórias constituindo mais de 80% da despesa total) e as receitas são fortemente pró-cíclicas.

Diante das dificuldades com o custo político de alteração da meta, a primeira reação da política fiscal, além da desaceleração de algumas despesas, foi a utilização de expedientes descritos em Irwin (2012). Em vez de mudar o regime, utilizou-se mecanismos contábeis para contornar a rigidez da meta fiscal de curto prazo, porém sem alteração legislativa que permitisse uma atuação mais anticíclica.

Portanto, o segundo tipo de reação apontado em estudos do FMI, que foi a mudança das regras fiscais em direção a maior flexibilidade para permitir o uso anticíclico da política fiscal, não ocorreu no Brasil de forma clara. Houve alguma flexibilidade com a ampliação da banda fiscal que permitia abatimentos de algumas despesas para o cálculo da meta, como investimentos do PAC, desonerações e a não compensação do resultado de estados e municípios. Entretanto, tais alterações se davam sempre na Lei de Diretrizes Orçamentárias, sendo fruto muitas vezes de intensa resistência e negociação política, não tendo havido mudanças no sentido de flexibilizar a meta de curto prazo na Lei de Responsabilidade Fiscal, que é a que regulamenta a meta fiscal, em favor de uma trajetória de sustentabilidade a médio e longo prazo.

O governo seguiu afirmando seu compromisso com o cumprimento da meta de resultado primário, mas recorreu à postergação de alguns pagamentos e algumas medidas para atingi-la, que embora legais, abalaram a credibilidade da meta fiscal.

Sem dúvida é necessário, em linha com o debate internacional e com a abertura dada pelo próprio FMI (Fiebiger e Lavoie, 2017), abrir um debate sobre a adoção de regras fiscais mais flexíveis no curto prazo e com regras adicionais de sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazos. Este debate, infelizmente, até o momento não ocorreu. Ao contrário, recentemente, com a aprovação da EC 95/2016, houve a constitucionalização do ajuste fiscal permanente no Brasil.

A proposta apresentada na EC 95, vai na contramão das melhores regras fiscais existentes hoje na economia mundial.

Com a nova regra, foi constitucionalizada uma regra contracionista, uma vez que os gastos do governo federal crescerão sempre abaixo do Produto Interno Bruto, sem qualquer cláusula de escape, ou seja, sem qualquer possibilidade de mudança na condução da política, seja qual for a situação econômica nacional e mundial e seja qual for o governo eleito. Não importando se o crescimento do PIB esteja fraco, se o desemprego esteja alto e se a renda das famílias e o lucro das empresas estejam em declínio, o Governo Federal não poderá, de forma alguma, contribuir para que a economia saia dessa situação, nos próximos 20 anos.

A flexibilidade e a capacidade de se adaptar às diferentes conjunturas são vitais para a condução exitosa de qualquer política econômica, seja ela pró-cíclica ou anticíclica. De fato, é completamente irracional se gerir despesas independentemente do comportamento das receitas e do PIB. As previsões econômicas são muito falhas, não é possível saber ao certo o que vai acontecer com a economia brasileira ou mundial daqui a três ou cinco anos, quanto mais daqui a dez ou vinte anos.

4.1. Diagnóstico: o atual regime fiscal brasileiro e suas limitações

O atual sistema fiscal adotado pela União, estados e municípios foi construído ao longo do tempo, com base nas diretrizes da CF de 1988 e de leis, decretos e portarias, complementadas por regulações subnacionais e por recomendações dos tribunais de contas. Há uma grande quantidade de normas legais e infra legais que determinam os limites institucionais à política fiscal e definem, inclusive, o arcabouço à atuação em termos macroeconômicos e sociais.

4.1.1. Limites Institucionais: criminalização da política fiscal

Até a aprovação da EC 95/2016, a principal alteração que iniciou uma nova diretriz na condução da política fiscal foi a aprovação a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000. Essa lei trouxe importantes regras para evitar práticas abusivas por parte de governantes; no entanto, veio no bojo da reforma administrativa do governo FHC e tinha como um dos objetivos centrais o foco no ajuste fiscal estrutural. Para isso, houve uma clara reorientação para o ‘equilíbrio fiscal’ baseado em instrumentos legais e punições e sanções frente a descumprimentos. Como consequência, houve enxugamento e redução da capacidade do Estado, principalmente no âmbito subnacional e a postergação de acesso a direitos constitucionais pela não regulamentação de diversos elementos incluídos na CF88.

O principal objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal, de acordo com o caput do art. 1º, consiste em estabelecer “normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”. E tinha a pretensão de: “mudar a história da administração pública no Brasil”, já que “a partir dela, todos os governantes passariam a obedecer a normas e limites para administrar suas finanças (…).” (Exposição de motivos da LCP 101).

Com discutido em Lopreato (2002 e 2013), a LRF foi o ponto final de um longo processo de renegociação de dívidas dos estados na década de 1990 e implementou também um novo Federalismo no Brasil, com uma autonomia muito reduzida por parte dos demais entes da Federação. Por outro lado, a União também passou a adotar critérios para si decorrentes da predominância da visão ortodoxa de incapacidade da intervenção governamental impulsionar o produto e o emprego.

A partir de LRF o foco recaiu exclusivamente sobre a sustentabilidade fiscal, acima inclusive da responsabilidade social, com regras para o acompanhamento sistemático da capacidade efetiva do setor público fazer frente aos seus passivos, de modo a minimizar os riscos de default. Para além das amarras decorrentes de uma visão estrita da geração continuada de superávits primários, a LRF trouxe um novo componente jurídico: a criminalização da política fiscal.

A LRF trouxe sanções institucionais para os entes que a descumprissem, bem como sanções pessoais aos gestores. Dentre as sanções institucionais, que punem toda a população, há a possibilidade de interrupção de transferências voluntárias (e a sua contratação) realizadas pelo Governo Federal, o impedimento de contratação de operações de crédito, e a impossibilidade para a obtenção de garantias da União para a contratação de operações de crédito externo.

Com relação às sanções individuais, é importante relembrar que, posteriormente à LRF, foi sancionada a chamada Lei de Crimes Fiscais, a Lei nº 10.028, de 2000, que alterou o Código Penal, a Lei que define os crimes de responsabilidade, de 1950, e o Decreto-Lei que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e vereadores, de 1967. Leis que embasaram o processo de impeachment da Presidente Dilma. Cabe ressaltar, que, nesse caso específico, assim como ocorre em outras esferas, atos rotineiros, praticados por outros governantes, foram reinterpretados, apenas nessa ocasião, como passíveis de serem enquadrados em tipificações previstas nessas leis. Dentre as sanções previstas, além da perda do mandato por questões que muitas vezes fogem completamente à vontade do gestor, há também a previsão de prisão para os supostos “crimes fiscais”.

A mais recente discussão diz respeito ao cumprimento da regra de ouro. Mais uma vez, o tema veio associado a um possível “crime de responsabilidade”, capaz de destituir do cargo um Presidente da República, o que já leva a discussão para outro patamar. E, mais uma vez, a discussão parece ser obstaculizada antes mesmo que seja possível entender o tema.

4.1.2. Limites Econômicos: a tendência ao ajuste fiscal autodestrutivo

Desde a crise de 2008/2009, houve uma mudança na avaliação do papel da política fiscal. Durante a crise, muitos países adotaram políticas fiscais expansionistas, mas a piora no quadro fiscal, decorrente dessas medidas, levou muitos países a adotar medidas de austeridade a partir de 2011/2012, antes que o cenário econômico tivesse se normalizado. Na Europa, muitos países foram levados a adotar medidas contracionistas em meio a uma piora do quadro econômico. Desde então, a literatura econômica tem abordado cada vez mais as consequências de um ajuste fiscal autodestrutivo, destacando aspectos sobre a atividade econômica e sobre desigualdade. Cada vez mais, autores têm reforçado os efeitos de uma política de austeridade, que agravam ainda mais o quadro fiscal ao invés de melhorá-lo.

Um dos sinais claros de um forte círculo vicioso são as constantes mudanças de projeção sobre a economia brasileira. Mesmo com a desaceleração de 2014, a expectativa do mercado ao final de 2014 era de uma recuperação em de 0,8% em 2015. Desde então, o país já apresentou duas taxas consecutivas de crescimento negativo, e no último ano, um crescimento de 1%, mesmo com a base extremamente deprimida após as quedas sucessivas. As projeções do FMI também apontam para um cenário muito deteriorado em termos econômicos. Como pode ser visto na figura abaixo, logo após a crise, a trajetória projetada era de manutenção do forte crescimento. Mesmo com as revisões negativas, até 2014, o cenário era de desaceleração, mas sem consequências graves.

Desde 2015, o cenário tem se deteriorado cada vez mais e o atual cenário prevê que a economia voltará ao nível de 2014 apenas em 2021.

Esse cenário de forte e persistente queda na atividade econômica é muito semelhante ao de países que são hoje caracterizados como tendo adotado um ajuste fiscal autodestrutivo. Diante do quadro apresentado nesses países, é possível observar evidências de que o Brasil também está diante das consequências de um ajuste fiscal autodestrutivo.

Figura 3— Projeções do FMI para PIB brasileiro (Índice 1980 = 100)

Fonte: WEO/FMI, elaboração própria.

As evidências dessa deterioração do quadro fiscal podem ser vistas na figura 4, abaixo. Até a crise, receita e despesas tinham comportamento muito semelhantes, decorrentes de uma regra fiscal de superávit primário que confere um caráter pró-cíclico às despesas públicas, dado que estas passam a acompanhar a receita. Após a crise, houve uma atuação mais anticíclica, com receita e despesa, muitas vezes, com trajetórias opostas. Mas a partir de 2015, ano do maior contingenciamento das despesas federais, ambas despencaram.

Assim, mesmo tentando fazer uma política de corte de gastos, o que se observou foi forte queda de investimentos com consequências negativas sobre o nível de atividade, que levou a uma queda ainda maior da receita e, alimentando o círculo vicioso de queda de arrecadação e piora do resultado fiscal.

Figura 4: Crescimento da Receita Primária Líquida e do Gasto Primário Total (acumulado em 12 meses)

Fonte: STN, ajustes e elaboração própria.

A relação entre o nível de atividade e a queda da arrecadação pode ser observada de várias formas. Em primeiro lugar, ainda que seja necessária uma análise mais refinada, podemos avaliar que o comportamento da arrecadação, segue, de forma relativamente próxima, o comportamento de sua variável explicativa principal, como nos gráficos apresentados abaixo (figura 5). Como se pode observar, a arrecadação do RGPS segue o comportamento da massa salarial, assim como o IPI segue a produção industrial. No caso específico do RGPS, é importante avaliar que a reforma trabalhista irá impactar de forma significativa a arrecadação devido ao impacto sobre a formalização do mercado de trabalho. Haverá uma tendência a “pejotização”, ao contrato temporário e intermitente e ao aumento da rotatividade no mercado de trabalho.

Figura 5: Arrecadação RGPS x Massa Salarial e IPI x Produção Industrial

Fonte: Tesouro e IBGE
Fonte: Tesouro e IBGE

Por outro lado, podemos observar o que ocorreu setorialmente para entender como as mudanças na composição setorial ajudam a entender a perda de arrecadação discutida no ponto 3.2. Os dados das contas nacionais permitem analisar o que aconteceu setorialmente e os efeitos sobre a arrecadação sobre os produtos e a produção. É possível observar o que ocorreu com os impostos sobre produtos (imposto de importação, IPI, ICMS e outros impostos) por setor de atividade. A queda da arrecadação total, quase 2 p.p. desde 2008, é explicada praticamente pela queda da contribuição da indústria de transformação, responsável por mais da metade da arrecadação desses impostos.

Assim como ocorreu com o resultado primário, que apresentou uma trajetória declinante e acelerada com relação à dívida pública após 2015, também é possível demonstrar que a trajetória recente está associada a esse cenário de ajuste fiscal autodestrutivo, acompanhada de um aumento desproporcional dos juros.

Portanto, o aumento da dívida tem muito pouco a ver com as despesas primárias (alvo da EC95/2016).

Após uma trajetória de declínio quase ininterrupto, desde 2004, a dívida pública apresentou uma trajetória ascendente, no caso da dívida bruta, a partir meados de 2014 e, no caso da dívida líquida, apenas a partir de setembro de 2015, como pode ser visto no gráfico abaixo (figura 6).

Esse crescimento decorreu, principalmente, da desvalorização cambial em 2015, o que elevou o pagamento de juros relativo aos swaps cambiais de 2013. O efeito era tão específico, que em agosto de 2016, o pagamento de juros já tinha recuado para 6,9% do PIB. Na figura 6 é possível observar que além do aumento dos juros, a contribuição do crescimento do denominador para a razão dívida/PIB foi a menor desde 2015. Sendo assim, a trajetória da dívida é melhor explicada pela condição de Domar — relação entre crescimento do PIB e juros da dívida — do que pelo resultado primário.

Assim, tanto o resultado primário de 2015 e 2016 quanto a trajetória da dívida recente são resultados de situações conjunturais e não de algum problema estrutural da economia brasileira.

Propor mais cortes de despesas e achar que a emenda constitucional sobre as despesas primárias será a solução para esses indicadores é abordar justamente o único componente que não tem qualquer peso na explicação dos indicadores acima.

Figura 6: Dívida Bruta Governo Geral (% do PIB) e Fatores Condicionantes (p.p.)

Fonte: BCB

A combinação de queda de arrecadação e queda do investimento é um desafio para regra de ouro, bem como para qualquer indicador de resultado fiscal. No entanto, em vez de uma discussão sobre os motivos que levaram à queda da arrecadação e à dificuldade de se cumprir essa regra, optou-se por reforçar o discurso de austeridade e a EC 95 foi aprovada com base em um diagnóstico falacioso, que responsabiliza as despesas primárias pela piora no resultado fiscal.

4.2. Inviabilidade e impactos da Emenda Constitucional 95

Cordes, et al. (2015), em um texto para discussão publicado pelo FMI, mostra que nenhum país do mundo estabeleceu uma regra para gasto público tal como a brasileira, por meio de uma emenda na Constituição.

No caso do Brasil, também não havia necessidade de constitucionalizar a regra fiscal, a não ser para alterar, especificamente, a dinâmica dos gastos com saúde e educação. Rossi e Dweck (2016) consideram que a instituição do novo regime fiscal por emenda constitucional só faz sentido para desvincular as receitas destinadas à saúde e educação (2016), ou seja, não fosse o objetivo de desvincular esses gastos da arrecadação, não teria sido necessário que a mudança tramitasse como emenda constitucional.

O grande objetivo da EC 95 é reduzir as despesas públicas federais para contrair cada vez mais o tamanho do Estado Brasileiro. E a aritmética é muito simples: os gastos primários federais crescerão apenas pela inflação medida pelo IPCA, enquanto o PIB crescerá não só pela inflação, mas também pelo ganho real. Sendo assim, a cada ano, as despesas federais crescerão menos do que o PIB, garantindo assim, uma queda da despesa em relação ao PIB.

Em 20 anos, no período de 1997 a 2017, o gasto primário do governo central cresceu de 14% para 19% do PIB. Esse crescimento reflete a regulamentação dos direitos sociais conforme foi pactuado na CF88. Já nos próximos 20 anos, de 2017 a 2037, considerando uma taxa média de crescimento do PIB de 2 pontos percentuais ao ano, espera-se que o gasto primário do governo federal retorne para a casa de 14% do PIB. Ou seja, a EC 95 propõe retroceder nos próximos 20 anos o que o país avançou nos últimos 20 anos em termos de consolidação dos direitos sociais no Brasil.

O gasto federal real mínimo com saúde e educação foi congelado no patamar real estabelecido pelo mínimo de 2017, e será decrescente em termo per capita e do PIB. Comparando a regra antiga com o mínimo estipulado pela EC95, percebe-se que o piso previsto por ela é, na verdade, um piso deslizante. Isto é, ao longo do tempo o valor mínimo destinado à educação e saúde cai em proporção das receitas e do PIB.

Na simulação apresentada em Rossi e Dweck (2016), o mínimo para educação seria de 14,4% da RLI em 2026 e 11,3% em 2036. No entanto, apesar do “piso deslizante”, argumenta-se que existe a possibilidade de aumentos nos gastos para saúde e educação acima do mínimo, a partir da redução de outros gastos. Mas essa possibilidade é limitada pela redução dos gastos totais e pelo crescimento de alguns outros gastos. Ou seja, ao estabelecer um teto que reduz o gasto público em proporção ao PIB, haverá uma compressão dos gastos sociais. De acordo com a simulação de Rossi e Dweck (2016):

Com base na atual estrutura dos gastos públicos federal, é possível afirmar que só há a possibilidade tentar cortar esse montante dos gastos se houver uma combinação das seguintes medidas: (1) reforma na previdência com impactos imediatos; (2) reforma dos benefícios de prestação continuada (BPC); (3) evitar novos aumentos reais do salário mínimo — pois isso leva a aumento de mais de 60% dos gastos acima da inflação; (4) redução do número de famílias contempladas com o Bolsa Família, como as propostas de concentrar nos 5% mais pobres; (5) reforma do abono salarial e do seguro desemprego; (6) redução dos investimentos públicos — área com maior facilidade de contração dos gastos e, por outro lado, área de maior efeito multiplicador do PIB; (7) redução dos gastos de Saúde e Educação em relação aos antigos mínimos constitucionais, com a revisão de diversas leis e atos normativos de repasse a estados e municípios — como o repasse ao custeio dos CRAS e CREAS, o Piso de Atenção básica de Saúde, os procedimentos de média e alta complexidade, o repasse às creches do Brasil Carinhoso; (8) fim da reposição da inflação nos salários dos servidores públicos e, possivelmente, reforma da previdência dos servidores, com impacto no curto prazo. Ainda assim, mesmo com todas essas medidas, não seria possível cumprir o valor estabelecido para os próximos 10 anos.

A drástica redução da participação do Estado na economia, preconizada pela EC 95, é representativa de outro projeto de país, outro pacto social, que reduz substancialmente os recursos públicos para garantia dos direitos sociais, como saúde, educação, previdência e assistência social. Nesse novo pacto social, transfere-se responsabilidade para o mercado no fornecimento de bens sociais. Trata-se de um processo que transforma direitos sociais em mercadorias.

4.3. Alternativas de Regime Fiscal

Desde a crise de 2009, os países têm discutido uma revisão das regras fiscais. Nas décadas de 1990 e 2000, regras fiscais rígidas com mínima discricionariedade foram adotadas em diversos países, mas, desde 2009, percebeu-se a necessidade de se ter maior flexibilidade, na condução das políticas fiscal e monetária. Diante do cenário descrito, é preciso rever certos aspectos da LRF, em especial, os aspectos que tratam da meta fiscal e o caráter excessivamente punitivo. As alterações propostas, visam garantir os ganhos obtidos com a aprovação da lei, mas afastando os dois limitadores principais, o aspecto de criminalização e o aspecto pró-cíclico.

Neste texto vamos nos ater apenas a propostas com relação à regra fiscal. Atualmente no Brasil são adotadas duas regras fiscais sobrepostas: a regra de superávit primário, com uma nova interpretação ainda mais rígida após o relatório do TCU de outubro de 2015<, e uma regra de gastos com taxa de crescimento real zero, o que na prática significa uma queda em termos per capita e como parcela do PIB, conforme cresce a população e a economia. A combinação das duas regras retira completamente a discricionariedade por parte do governo uma vez que combina uma regra pró-cíclica com outra regra contracionista, totalmente na contramão das melhores práticas mundiais.

As chamadas regras fiscais de segunda geração, que passaram a ser adotadas após a crise, têm como base alguns princípios fundamentais: (1) reduzir a prociclicalidade, para permitir que o governo atue na direção contrária a de famílias e empresas, em especial em momentos de recessão; (2) aumentar a flexibilidade, ao prever cláusulas de escape para situações atípicas, em especial baixo crescimento e alto desemprego; (3) ter capacidade de mudar política fiscal de acordo com as conjunturas, e jamais deixá-la engessada por longos períodos; e (4) assegurar mecanismos de transparência que permitam à sociedade conhecer a situação fiscal e evitar tentativas de burlar as regras.

Nos últimos anos, foram adotadas por diferentes países formas alternativas para definir uma meta fiscal ajustada ao ciclo: a) resultado estrutural; b) bandas para o resultado primário; c) regras de gastos com crescimento real fixo. Cada uma dessas regras apresenta pontos positivos e pontos fracos.

A regra de resultado estrutural, ou ajustado ao ciclo, é uma regra em tese que melhora a regra de primário fixa e já embute mecanismos de correção da meta diante de reversões cíclicas. No entanto, há ainda muita ambiguidade e incertezas quanto a forma de calcular esse resultado, o que torna a regra muito passível a críticas. Nesse sentido, em termos de simplicidade e de previsibilidade, a regra de gasto tem conquistado mais adeptos. No entanto, é importante considerar os seguintes aspectos:

  1. a regra não é anticíclica, nem pró-cíclica, mas acíclica, pois estabelece um taxa, uma tendência para o crescimento real dos gastos (ou em função do crescimento do PIB ex-ante ou previsto), que independe do ciclo econômico. Isso pode inibir o papel da política fiscal de induzir o crescimento quando existir capacidade ociosa e desemprego. Ou seja, o uso do gasto público como mecanismo de estímulo à demanda em situações de crise pode ser inibido pela regra. Esse problema pode ser resolvido se houver um “orçamento de capital” ou investimento que fique de fora da regra.
  2. a decisão sobre a trajetória de crescimento do gasto não é apenas técnica, mas é também uma decisão sobre qual o tamanho do Estado. A EC95, por exemplo, decide por uma redução gradual do Estado. Se a regra for crescimento do gasto junto com o PIB, o que mantém o tamanho do Estado, também traz duas outras consequências, pois torna a regra mais pró-cíclica e pressupõe que o tamanho do Estado já é o suficiente para as nossas pretensões

Sendo assim, a nova regra não deve funcionar como constrangimento às decisões democráticas, se a população escolher um aumento do gasto social, a ser financiado com impostos, a regra deve se adaptar. Nesse sentido, a opção pela regra para gasto, assim como qualquer regra fiscal, deve levar em consideração o ciclo eleitoral democrático e não prever a priori o tamanho do Estado.

Outro ponto importante é criar cláusulas de escape para períodos de crise ou recessão, que fogem à normalidade e não podem ser tratados meramente como uma desaceleração cíclica. É essencial um regime especial para o caso de crescimento baixo. A própria LRF já indica o que poderia ser considerado como crescimento baixo: crescimento real menor do que 1% por quatro trimestres consecutivos. Nesse regime, deveria ser proibido contingenciar algumas despesas tais como aquelas para manutenção básica dos órgãos, para evitar um “shut down”; as relativas ao investimento, por terem potencial de recuperar o crescimento; e as obrigatórias, que já são mesmo proibidas.

Finalmente, é preciso deixar claro que, em caso de descumprimento das regras fiscais, não há sanção, não há crime, mas há necessidade de explicação, como no caso da meta de inflação. Caso o descumprimento se acumule acima de um limite máximo, para cima e para baixo, a ser definido, pode-se ainda exigir um plano para reduzir o saldo. Finalmente, é preciso garantir total transparência na aplicação de metodologia escolhida de ajustamento ao ciclo econômico.

Fato é que, como vimos, o debate sobre a política fiscal no governo Dilma acabou sendo não apenas polarizado sob o aspecto teórico, mas também no campo político e até mesmo criminal, tendo como foco as regras fiscais. Sem uma alteração mais permanente no Regime Institucional Fiscal, outros governos poderão ser novamente condenados, principalmente em situações de crise econômica. Portanto, é preciso alterar a regra fiscal para uma regra ajustada ao ciclo, com cláusulas de escape e que substitua o mecanismo de criminalização por mais transparência e controle social.

4.4. Novo Pacto Federativo

Como descrito acima, a institucionalidade da política fiscal brasileira, em especial a LRF, foi estabelecida como ponto final de um processo de reestruturação das dívidas dos entes federados. Desde então, houve uma federalização das dívidas, a União passou a ser credora de estados e municípios com regras muito fortes estabelecidas para o pagamento das dívidas. Os entes subnacionais passaram a contribuir com o esforço primário, por meio de um pagamento pré-definido dos juros. Diante desse quadro é importante fazer algumas observações sobre arrecadação, despesa e endividamento dos entes federados,

Do lado da arrecadação, o movimento visto na União de 1999 até 2008, de ampliação da arrecadação, não foi acompanhado da mesma forma pelos entes subnacionais uma vez que grande parte do aumento ocorreu por meio de contribuições sociais, principalmente até 2002, que, em geral, não são repartidas. Por outro lado, a queda na arrecadação observada após a crise impactou fortemente os entes subnacionais, diante do quadro de retração econômica. Portanto, em termos de arrecadação, como visto na seção 3.2, os entes da federação entraram na crise sem ter tido uma elevação no seu patamar de arrecadação e também têm sofrido as consequências do ajuste fiscal autodestrutivo que contraiu as receitas da União repartida com os outros entes.

Outro ponto importante referente à arrecadação, diz respeito à incidência dos impostos e seus efeitos distributivos. Como se sabe, a receita dos entes subnacionais é composta de receitas arrecadadas diretamente e por meio de repartição de receita dos entes superiores (da União para estados e municípios e dos estados para municípios). Dentre os impostos arrecadados diretamente, o ICMS e o ISS são os dois principais, no nível estadual e municipal, respectivamente. Ambos são impostos que incidem sobre bens e serviços, com um componente regressivo muito forte quando comparados ao IPTU, IPVA e imposto sobre herança, impostos subnacionais que podem cumprir um papel importante para aumentar a progressividade da carga tributária, mas possuem uma baixa arrecadação.

No caso específico do ICMS, o diagnóstico atual apresenta diversos problemas. Para elencar alguns, podemos citar o problema da guerra fiscal, o fato de serem arrecadados na origem e não no destino e a impossibilidade de se estabelecer um imposto realmente sobre valor adicionado, dada a dificuldade de compensação interestadual. Esses fatores explicitam que há uma grande desigualdade regional. Nesse sentido, ao longo dos governos Lula e Dilma, algumas tentativas de alteração desse quadro foram apresentadas, mas sem sucesso legislativo.

Do ponto de vista das despesas, cabe aqui diferenciar as despesas financeiras, os juros, das despesas primárias. Em relação aos juros, a forma de renegociação da dívida imposta desde 1997, levou a um fator de indexação da dívida extremamente elevado, principalmente após a queda da Selic que se seguiu. No entanto, até 2014, não havia tido uma modificação do indexador, o que levou a um pagamento excessivo de juros, compulsório, por parte dos estados e municípios, dadas as regras de retenção inclusive de repartição de receitas. O abatimento feito na renegociação de 2014 foi tímido, principalmente diante da retomada do endividamento após 2013. Nesse sentido, com a forte crise e o pagamento compulsório de juros, os estados e municípios mais endividados se viram em uma situação de ajuste fiscal ainda mais forte.

A renegociação da dívida aprovada no governo Temer não resolve o problema dos entes federativos. Ao contrário, essa renegociação é uma bomba-relógio, prestes a estourar. A carência dada, não significa que os juros desse período de carência não estejam sendo capitalizados e, portanto, quando chegar a hora de retomar os pagamentos, os valores serão ainda maiores. Além disso, a renegociação impôs regras que tendem a piorar a capacidade futura de geração de receitas, como limites para despesas primárias semelhantes ao teto imposto à União pela EC 95/2016, a obrigação de venda das estatais etc.

Do lado das despesas primárias, nos últimos anos observou-se um aumento de despesas de pessoal e uma estabilização e posterior queda dos investimentos, mesmo com a ampliação das linhas de crédito para investimento após a crise de 2008/2009. Nesse sentido, é importante fazer um diagnóstico mais preciso sobre o balanço das despesas primárias, que não cabe nesse texto atual. Entretanto, qualquer análise da despesa de pessoal deve levar em consideração o peso que atividades sob responsabilidade de estados e municípios, como saúde e educação são intensivas em pessoal.

Diante desse cenário, há certamente uma importante agenda de reestruturação do pacto federativo no nível federativo que deve passar pelos seguintes pontos principais:

  • Abatimento da dívida de acordo com a alteração dos indexadores — pode ser como contrapartida à dívida ativa das empresas estatais federais com os estados ou como compra da dívida ativa dos estados
  • Alteração da LRF em termos da regra fiscal para evitar os efeitos pró-cíclicos também para os entes federados.
  • Recomposição da arrecadação repartida com estados e municípios
  • Reforma do ICMS buscando o fim da guerra tributária, um balanceamento entre origem e destino e caminhar para algo mais próximo ao IVA.
  • Rediscussão dos royalties, parada por um liminar no Supremo, incluindo toda a agenda sobre a tributação de bens primários, incluindo a Lei Kandir, que isenta de impostas a exportação de bens primários.

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Por Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ, ex-Secretária de Orçamento Federal, e Pedro Rossiprofessor do Instituto de Economia da Unicamp, para o Instituto Lula.