Enquanto o ministro-banqueiro Paulo Guedes sai por aí garantindo que o Brasil está “condenado a crescer” – e ninguém acredita, não por agora – analistas econômicos passaram esta quinta-feira (2) discutindo se o país entrou em uma “recessão técnica” ou “estagflação”. O fracasso estampado no cotejo de números que abrem o último mês do ano gera apenas uma certeza: com Jair Bolsonaro e Guedes, tudo pode piorar.
O segundo trimestre consecutivo de retração econômica medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) caracteriza a recessão técnica. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou 0,1% no terceiro trimestre, contra -0,4% no segundo. O resultado, 26º entre 31 nações, rebaixou a economia brasileira para o 13º lugar no ranking das maiores do mundo da consultoria Austin Rating.
A Agropecuária caiu 8%, puxando para baixo as exportações, que recuaram 9,8% do segundo para o terceiro trimestre. A Indústria ficou estagnada (0,0%) e Serviços subiram 1,1%. No acumulado do ano até o terceiro trimestre, o PIB cresceu 5,7% frente ao mesmo período de 2020, auge da pandemia. Indústria (6,5%) e Serviços (5,2%) registraram variação positiva, enquanto a Agropecuária caiu (-0,1%).
Conforme os dados do IBGE, o PIB está no patamar do fim de 2019 e início de 2020, período pré-pandemia, e 3,4% abaixo do ponto mais alto da atividade econômica na série histórica, alcançado no primeiro trimestre de 2014, sob Dilma Rousseff. Acontece que naquele ano o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) registrava variação de 2,18%, dentro da meta inflacionária. Ao contrário do que ocorre agora.
Não à toa, um estudo da Deloitte estimou que 80% dos brasileiros estão preocupados com a alta da inflação, enquanto a média global é de 68%. Outro índice também está acima da média: 76% da população está preocupada com a conta do cartão de crédito, 33 pontos percentuais acima do registrado na média dos outros países.
“Mais que a ‘recessão técnica’, a sensação de estagflação está consolidada”, afirmou ao portal G1 o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “Mesmo para o Brasil, uma inflação acima de 10% é elevada e o PIB mostra que a economia parou de vez.”
“No momento que poderíamos aproveitar o consumo de serviços, de alto peso no PIB, a renda não permite. Estamos perdendo a chance por conta de erros na condução econômica”, acrescentou o economista, ecoando a insatisfação generalizada com Guedes, que jura ser aplaudido em supermercados – ninguém acredita nessa também.
“O consumo do governo e o investimento melhoraram. Mas o drama real, que é o consumo das famílias, não subiu, e a perspectiva é de que não há um motor de crescimento”, pondera Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV). Segundo a coordenadora do Monitor do PIB, todas as categorias do PIB que dependem da capacidade de renda sofrem com a incerteza.
Seja recessão ou estagflação, para a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), o Brasil vive uma “tragédia anunciada”. “PIB registra queda pelo 2º trimestre consecutivo e o Brasil entrou em recessão. Gestão incompetente de Guedes e Bolsonaro leva país ladeira abaixo com economia mais fraca, desemprego em alta, menos consumo, queda de renda e fome. É uma tragédia anunciada”, resumiu em postagem no Twitter.
Inflação descontrolada, juros altos e queda de renda
Ano passado, o Brasil já havia entrado em recessão técnica nos dois primeiros trimestres, quando o PIB caiu 2,3% e depois, 8,9%. A “recuperação em V” de Guedes, ensaiada no fim de 2020, não passou de um “vôo de galinha”, até o segundo trimestre de 2021. Exatamente quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) começou a elevar a taxa básica de juros (Selic) para conter a inflação.
A estratégia clássica do BC independente inviabilizou de vez qualquer chance de recuperação. Se inflação alta se combate com juros altos, Selic alta se reflete em baixo investimento produtivo e retração do crédito para empresas e pessoas. E vem mais por aí.
No começo de novembro, o BC divulgou a ata da 242ª reunião do colegiado naquele mês, quando, sob pressão do mercado, elevou a taxa Selic em 1,5%, passando-a para 7,75%. A ata mostra que o Copom cogitou acrescentar mais de 1,5 ponto percentual ao índice, e confirma que será mantida a mesma dose no encontro agendado para a próxima semana, encerrando o ano com a taxa básica de juros em 9,25%.
Dados coletados pelo BIS, o banco central dos bancos centrais, mostram que o ritmo de alta dos juros brasileiros é o maior entre todos os analisados, e que o Brasil está entre as três economias com inflação mais alta em 12 meses. O país também voltou a liderar o ranking de juros reais. Mesmo assim, a inflação avança. Além do câmbio, os preços de insumos da produção, os chamados bens intermediários, seguem aumentando.
O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) da FGV subiu, pela quinta semana consecutiva, saindo de 0,71% no final de outubro para 1,08%. E o Índice de Preços ao Produtor (IPP) das Indústrias Extrativas e de Transformação do IBGE subiu 2,16% em outubro, frente a setembro. O acumulado no ano atingiu 26,57%. Em 12 meses, 28,83%.
Para completar, com a terceira queda mensal consecutiva, o faturamento real da Indústria de Transformação em outubro recuou ao menor valor desde junho de 2020, conforme os Indicadores Industriais da Confederação Nacional da Indústria (CNI). De agosto a outubro, o setor totalizou uma queda de 8% no faturamento real.
Como consequência, a estagnação do emprego no setor pelo segundo mês seguido indica esgotamento da recuperação nas contratações iniciada em agosto de 2020. “A pausa nas contratações, combinada com a elevada inflação, vem reduzindo a massa salarial real da indústria e o rendimento médio real dos trabalhadores industriais”, avalia o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo.
“Quando a recessão efetivamente chegar, ou seja, quando a economia registrar três trimestres negativos, os trabalhadores e as trabalhadoras sofrerão ainda mais a crise na pele, pois economia mais fraca significa mais desemprego e mais queda da renda média”, alerta Adriana Marcolino, técnica da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Dieese prevê piora do cenário em 2022
Na terça-feira (30), o IBGE já havia mostrado que o desemprego ainda atinge 13,5 milhões de pessoas, apesar do tímido recuo. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) atesta que o crescimento do emprego é movido principalmente por trabalhadores por conta própria e informais, sem carteira assinada.
Os dados revelam a constante e crescente deterioração do mercado de trabalho. E com ele, a renda dos que ainda conseguem ocupação, que é a pior em quase 10 anos. Só na comparação de outubro do ano passado com este ano, a queda foi de 11,1%.
A inflação e a queda de renda atingem o consumo e afetam as projeções de crescimento, como demonstrou a CNI. Segundo a entidade, só os preços da energia elétrica, que subiram com a crise hídrica deste ano, vão tirar R$ 8,2 bilhões do PIB de 2021.
“Neste mesmo ano, estimamos que os efeitos diretos e indiretos do aumento de preço da energia gerem uma perda de cerca de 166.000 empregos em relação à quantidade de pessoas que estariam ocupadas sem o aumento no preço da energia”, diz o estudo O impacto econômico do preço da energia.
“A alta de juros encontra família e empresas muito endividadas. E quando a gente vê o que sinalizam os últimos indicadores da economia, na indústria e nos serviços, a gente vê que o efeito desse cenário para renda e emprego é terrível”, analisa André Roncaglia de Carvalho, professor de economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Com a luz mais cara, as famílias perderam poder de compra — R$ 7 bilhões a menos, em comparação com 2020, segundo a CNI — e até as exportações são alcançadas pela alta: “A perda nas exportações será o equivalente a R$ 2,9 bilhões”, estima a entidade.
Adriana Marcolino, técnica da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) da Central Única dos Trabalhadores (CUT), prevê que as condições de vida, que já estão ruins, vão piorar.
“O cenário não é nada favorável para os trabalhadores e trabalhadoras do país, que já amargam com as altas taxas de desemprego e informalidade, empregos sem nenhum direito garantido pela Consolidação das Leis do trabalho (CLT)”, analisa Adriana.
“O trabalhador sentirá os efeitos negativos da queda do PIB mais rapidamente do que os setores mais ricos e protegidos da sociedade”, prossegue ela. “Quando a recessão efetivamente chegar, ou seja, quando a economia registrar três trimestres negativos, os trabalhadores e as trabalhadoras sofrerão ainda mais a crise na pele, pois economia mais fraca significa mais desemprego e mais queda da renda média.”
Adriana disse ainda que, ao contrário do que pensam Bolsonaro e Guedes, a economia não cresce com aperto financeiro, corte de gastos sociais ou muito menos arrocho salarial. “A economia só cresce com investimentos pesados em áreas como infraestrutura, políticas públicas e geração de empregos protegidos, com direitos, que sigam alavancando a economia e ampliando o mercado consumidor nacional.”
Analistas acadêmicos e do mercado financeiro seguem o raciocínio da técnica do Dieese. “A desaceleração da economia neste ano deixa poucos vetores para o crescimento em 2022. O desemprego está elevado, temos queda da renda real, a inflação segue persistente, a alta da taxa de juros vai continuar. Tudo isso reduz consumo e nível de investimentos”, disse Antonio Correa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor de Economia Política da PUC-SP, ao portal Uol.
“O processo inflacionário, que só terá trajetória de queda no segundo semestre do ano que vem, vai continuar pressionando a renda das famílias, provocando resultados negativos principalmente nos setores de varejo e serviços”, prevê Yihao Lin, coordenador econômico da Genial Investimentos.
“A alta de juros encontra família e empresas muito endividadas. E quando a gente vê o que sinalizam os últimos indicadores da economia, na indústria e nos serviços, a gente vê que o efeito desse cenário para renda e emprego é terrível”, analisa André Roncaglia de Carvalho, professor de economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Instado a contemplar um cenário “otimista”, ele cravou: “Se não tivermos outra onda da pandemia, e o setor de serviços conseguir ganhar força, haverá um impulso na indústria e no varejo. Retomando o emprego, é possível que a gente não feche 2022 em recessão. Mas ainda assim será um crescimento fraco, sem aumento da renda média”.
Da Redação, com informações de Imprensa CUT