A Oxfam estima que o trabalho feminino não remunerado agrega 10,8 trilhões de dólares por ano em valor à economia mundial, cifra três vezes mais alta que a estimada para o setor de tecnologia. Um número gritante se considerarmos o descaso geral dos governantes com as tarefas de cuidado desempenhada por mulheres em todo mundo.
Lavar, passar, cozinhar, limpar, cuidar de criança, enfermo, idoso, dentre tantas outras atividades é a chamada “Economia do Cuidado”. Dela depende toda a reprodução social da vida humana, pois é a partir desse trabalho executado diariamente nos lares, em sua maioria pelas mulheres, é formada a riqueza do país, já que elas contribuem para o bem-estar das pessoas e o funcionamento da sociedade.
“As mulheres não garantem apenas a própria sobrevivência e de seus filhos, elas desempenham um papel central em garantir a reprodução da força de trabalho. Sem o trabalho não-pago da mulher, não existe produção do PIB. Apesar dessa centralidade vital, não há interesse do poder público sequer de calcular esse impacto”, aponta Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
O Brasil tem retrocedido a passos largos na sistematização e análise de dados para entender a própria realidade. Não existe um esforço permanente dos órgãos públicos em captar, sistematizar e analisar dados que façam uma categorização mais completa dos tipos de trabalho de cuidado (não-pago), que permitam uma série histórica e a integração deles com o cálculo do PIB brasileiro. No entanto, pesquisadoras de universidades têm se empenhado em calcular esses valores para aprofundar a compreensão do papel da mulher na sociedade.
Um deles é o estudo da professora de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet), Hildete Pereira de Melo. A pesquisa calcula que o trabalho doméstico não remunerado teve um impacto de 11% no PIB brasileiro, em 2017. Apesar de ser um profundo estudo com base nos dados do IBGE, os resultados podem estar aquém da realidade, uma vez que coloca em um mesmo patamar de ‘precificação’ diferentes tipos de trabalho como limpeza doméstica e cuidado de idosos, por exemplo, dentro de uma categoria ampla “afazeres domésticos”.
Trabalho invisível? Pra quem?
Apesar de não remunerado, o trabalho de cuidado nos lares, executado em grande parte por mulheres, é estrategicamente “invisível” para o poder público, pois exime o Estado de adotar e elaborar políticas públicas que sejam coerentes com o impacto econômico desse trabalho na produção geral do PIB — portanto serve apenas ao interesse da manutenção do sistema patriarcal e machista, na condução de uma sociedade profundamente desigual em classe e gênero.
No entanto, na realidade cotidiana das famílias brasileiras, o trabalho doméstico não é invisível, pelo contrário, ele é cobrado e exigido das mulheres em um ciclo que retroalimenta a culpabilização. As mulheres chegam a literalmente apanhar, se não cumprem uma jornada não remunerada para a qual ela nunca foi consultada se gostaria de executar.
Uma conta rápida
Uma conta rápida: uma mulher em casa que cuida da família assume as funções de babá, cozinheira, lavadeira, passadeira, motorista, professora, nutricionista, enfermeira e psicóloga. Ao fazer uma média salarial simples dessas profissionais, o custo mensal superaria 10 mil reais mensais, conforme aponta o caderno “Economia do Cuidado: PIB da Vassoura”, da Câmara Federal. O impacto disso na produção geral da riqueza no país merece uma atenção mais cuidadosa.
O ponto é que, uma vez provado o impacto do trabalho feminino não remunerado no PIB brasileiro, isso faz com que o poder público tenha que agir, em termos de políticas públicas de proteção social e econômica. Relegar e invisibilizar a centralidade do trabalho de cuidado das mulheres na economia é estratégico para a manutenção dessa estrutura patriarcal, machista e capitalista.
Por que medir
Ao se medir a Economia do Cuidado, seria possível gerar informação relevante para construção e melhoria das políticas públicas, em especial as de educação, proteção social e emprego e renda, segundo a Comissão de Defesa de Direitos da Mulheres, da Câmara Federal. Além disso, será possível tirar da família o peso da carência das políticas públicas e responsabilizar o Estado por políticas relacionadas à Economia do Cuidado, como a criação de creches e escolas em período integral, por exemplo, de modo que a mulher tenha mais tempo para o trabalho formal e geração de renda.
Uma das propostas encabeçadas pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara Federal, em 2019, foi a criação do “PIB da Vassoura”, um projeto de lei da então deputada federal do PT, Anna Peruginni. Ele permitiria a integração do cálculo do trabalho doméstico, como atribuição do IBGE e a inclusão desse cálculo nas “contas satélites”, uma forma de mensurar o impacto sem alterar as estruturas gerais da composição do PIB. Na América Latina, mais de 10 países já dimensionam o valor das atividades domésticas não-remuneradas no PIB.
“Defender a realização do censo do IBGE e a atribuição desse órgão para um cálculo mais preciso do trabalho não-remunerado das mulheres é um passo importante na luta por garantia de direitos das mulheres”, sintetiza Anne Moura.
Ana Clara Ferrari, Agência Todas