O maior partido de esquerda do Brasil ainda é o maior partido de esquerda do Brasil, mesmo recuando 20 anos no tempo, em termos numéricos, nessas eleições municipais. Nos pleitos de 2000, dois anos antes da primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva a presidente, o PT fez 174 prefeitos. Agora, nas eleições municipais de 2020, conquistou ou manteve 179 prefeituras no primeiro turno, além de mais quatro cidades importantes no segundo.
Em 2020, na maioria das cidades, o PT apostou em candidaturas de ex-prefeitos que contavam com a marca da experiência. São Leopoldo (RS), no Vale do Sinos, por exemplo, permanecerá sob a gestão do partido nos próximos quatro anos. Ary Vanazzi foi reeleito no primeiro turno para novo mandato, que será sua quarta passagem pela prefeitura local. Vanazzi somou 46.203 votos, o equivalente a 46,43% do total.
Em sua trajetória política, Vanazzi também foi, por duas vezes, deputado federal. Acumula ainda dois mandatos como vereador e presidiu a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). Com a vitória, ele alcançou uma marca histórica na política de São Leopoldo. Segundo a assessoria do prefeito, o último a governar o município por quatro vezes foi Theodomiro Porto da Fonseca (1928-1945).
Araraquara (SP) também reconduziu o atual prefeito. Reeleito, Edson Antônio Edinho da Silva fez história, recebendo no primeiro turno 46% dos votos válidos para exercer seu quarto mandato à frente do Executivo araraquarense. Eleito em 2000, 2004, 2016 e 2020, o petista tornou-se o político que mais vezes recebeu a preferência do eleitorado para ser chefe do Executivo araraquarense.
Vereador por duas vezes em Araraquara, deputado estadual, presidente estadual do PT e ministro do Governo Federal, Edinho Silva é o 18º prefeito eleito por meio do voto direto no município. Caso cumpra todo o mandato na prefeitura, será ainda o político a permanecer por mais tempo na função – na frente de Waldemar De Santi, com 14 anos e três meses, e Plínio de Carvalho, com 13 anos.
Em Teófilo Otoni (MG), Daniel Sucupira também foi reeleito no primeiro turno, com 47,20% dos votos válidos, mas nesta segunda (30) a Justiça Eleitoral cassou o registro de sua candidatura. A assessoria do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) informou que o caso deve ser levado para a Corte Eleitoral, que poderá concordar ou não com a decisão do juiz da 269ª Zona Eleitoral. Até lá, Sucupira será diplomado para mais um mandato.
A coordenação jurídica da coligação ‘Avança Mais’ (PT, DEM, PCdoB, Rede, PV, PSC e PSB), na qual Daniel Sucupira se reelegeu, divulgou nota por meio de seus advogados, afirmando que recebeu com serenidade a notícia sobre a cassação do registro, e que aguarda a publicação da decisão para interpor recurso. “É preciso prestar respeito aos procedimentos judiciais, mesmo seguros de que a decisão de primeira instância será reformada, por se tratar de medida de verdadeira justiça. O objeto da sentença se refere às contratações realizadas para combater os efeitos da pandemia da Covid-19”, esclareceu a nota.
Os advogados informaram que todas as contratações ocorreram rigorosamente dentro dos trâmites legais exigidos, “observando também as MPs e deliberações oficiais do governo federal, fato este que, inclusive, teve sua regularidade reconhecida pelo Ministério Público Eleitoral, nos próprios autos do processo em questão”.
Segundo o documento, durante os últimos meses, “foram empreendidos todos os esforços necessários no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e a equipe da Prefeitura Municipal segue focada em atuar na proteção da vida e da saúde do povo de Teófilo Otoni”. Por fim, a carta afirma que “o prefeito eleito continuará seguindo todos os ritos e trâmites legais exigidos pela lei para sua diplomação e posse”.
PT ainda é o partido mais importante do campo da esquerda
Se o resultado das urnas não representa uma vitória gloriosa, tampouco pode ser considerado uma derrota, e os analistas políticos em geral renegam a tese da derrocada política, pois o PT ainda demonstra força. Foi novamente às urnas em 20 das 57 cidades que tiveram segundo turno ― todas elas com colégios eleitorais significativos.
O resultado é que o partido, que hoje não tem nenhum prefeito entre as cem maiores cidades do país, saltará para quatro a partir de 2021: José de Filippi Jr., em Diadema (SP); Marília Campos, em Contagem (MG); Margarida Salomão, em Juiz de Fora (MG); e Marcelo Oliveira, em Mauá (SP).
Além disso, a legenda também investiu na renovação de suas lideranças: de acordo com a Secretaria Nacional de Juventude do PT, 15 petistas eleitos como prefeito têm menos de 35 anos.
“O PT continua como partido mais importante do campo da esquerda, embora sem a mesma hegemonia de antes. O PSOL emerge com lideranças importantes, como o Boulos, mas o PT ainda tem uma capilaridade muito maior”, avalia a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), para a ‘Rede Brasil Atual’.
Dos 174 prefeitos eleitos 20 anos atrás, o PT aumentou seu tamanho para 400 prefeituras em 2004. Em 2008, saltou para 557 municípios. Em 2012, estendeu seu poder para 644 prefeituras. A partir da cantilena pseudo moralista repetida ad nauseum pelo consórcio formado pela força tarefa da Lava Jato e a imprensa corporativa, a partir de 2014, e com o golpe perpetrado no impeachment da presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff, nas eleições municipais de 2016 o partido recuou para 256 prefeitos eleitos.
Lincoln Secco, que é pesquisador da história do PT, acredita que o partido continuará “indispensável em 2022, tenha ou não candidato próprio”. “As disputas municipais não necessariamente afetam o cenário nacional. Haddad teve 47 milhões de votos no segundo turno de 2018 depois de ser o petista com o pior desempenho histórico no município de São Paulo dois anos antes”, lembrou ele à ‘BBC Brasil’.
“É cedo para saber se Boulos se tornará uma figura nacional. Mas, se a esquerda não tiver uma força política agregadora de votos como o PT foi até aqui, a disputa ficará entre a direita tradicional e o bolsonarismo. Portanto, a questão não é se o PT será substituído e sim se a esquerda será viável em 2022”, conclui o historiador.
“Não posso cravar uma derrocada do PT, mesmo porque esteve em 15 das 57 grandes cidades que tiveram segundo turno. Não é porque perdeu em 11 que vou desconsiderar esta força”, declarou o cientista político Rudá Ricci ao jornal ‘El País’. Feita esta ponderação, Ricci avalia que o partido sai diferente destas eleições.
Já Wilson Gomes, filósofo, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, diz que, pelo menos, “o PT estancou a sangria de 2016”.
Da Redação