Partido dos Trabalhadores

Eleições 2020: ‘Esse cenário de intolerância não é diferente comigo por ser mulher com deficiência, as agressões sempre acontecem’, Luciana Novaes, vereadora carioca

Entrevistamos a primeira mulher tetraplégica eleita vereadora no Rio de Janeiro, vítima de bala perdida. Luciana Novaes fala sobre eleições, machismo, as especificidades da mulher com deficiência e aponta prognóstico das políticas públicas para PCD

Ana Clara, Redação Elas Por Elas

Em 2003, Luciana Novaes foi vítima de uma bala perdida, ficou tetraplégica e dependente de um respirador mecânico. Passou cerca de um ano e nove meses na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Pró-Cardíaco e, nesse período, teve que reaprender a viver. De lá para cá, ela se formou em Serviço Social, se tornou especialista em gestão governamental e, em 2016, foi a primeira mulher tetraplégica a ocupar um cargo na Câmara carioca.

Hoje, ela é vereadora reeleita do Rio de Janeiro, presidente da Comissão PCD na Câmara Municipal. E foi no Partido dos Trabalhadores que ela encontrou espaço para seguir em frente na luta em prol da ampliação da representatividades das mulheres, das Pessoas Com Deficiência e de todos aqueles a quem são negados os direitos mais básicos.

No tempo em que fiquei internada, comecei a ouvir muitas histórias, de pessoas que sofriam buscando atendimento médico, acho que isso me fez despertar e ver que eu precisava fazer alguma coisa. A política apareceu para mim como vetor de transformação social, contando minha história para outras pessoas percebi que não tínhamos uma voz clara nos círculos de poder para representar as nossas demandas”, relembra Luciana.

A vereadora deu seu primeiro passo na disputa por cargo público eletivo ainda em 2012 e veio a ser eleita em 2016. Hoje reeleita, ela atua pela inclusão e contra as desigualdades sociais para ampliar todas as vozes historicamente discriminadas em nosso país.

Nessa entrevista, do projeto Elas Por Elas, conversamos sobre eleições, machismo e as especificidades das mulheres com deficiência na luta por mais representatividade na política. E se engana quem pensa que a atuação se torna limitada. Pelo contrário, a ampliação para debates que passam, por exemplo, por mães de Pessoas Com Deficiência que são frequentemente abandonadas pelos maridos e pais das crianças. “”Na minha visão, primeiro teremos que derrotar o governo Bolsonaro e seus similares, para depois pensar em avançar novamente na pauta em nível nacional”, ressalta a vereadora.

“Enquanto a primeira dama finge se importar conosco na televisão e redes sociais fazendo teatro com a língua brasileira de sinais, o governo atual promove diuturnamente novos desmontes em nossos direitos mais básicos. É uma realidade muito dura, avançar agora significa preservar o que ainda nos resta”, vereadora Luciane Novaes.

 

A campanha de uma mulher com deficiência é sempre um enorme desafio, porque existe uma dupla deslegitimação da minha fala. Primeiro, o machismo enraizado na sociedade limita a atuação de nós mulheres, principalmente quando se trata de ocupar posições de prestígio e poder. Em segundo lugar, as pessoas com deficiência são vistas com um olhar de pena, ou como incapazes. Isso, muitas vezes impede o eleitor de nos ver como pessoas atuantes, esclarecidas e que podem contribuir para a construção de uma cidade melhor.

Agora sobre a campanha de 2020, ela foi totalmente atípica e difícil. Fui impedida pelos médicos ir para as ruas porque sou dependente de um respirador mecânico, portanto mais vulnerável a complicações do COVID-19. Nada consegue substituir o olho no olho e a conversa com o eleitor, mas meus apoiadores acharam uma solução incrível, que foi a construção de um gabinete digital. Através dele consegui conversar com muitos cariocas em vários bairros da cidade.

 

Todos os nossos companheiros e companheiras sabem que não tem sido fácil fazer campanha, principalmente quando se trata de defender o legado do Partido dos Trabalhadores. A judicialização da política, aliada à narrativa que foi construída pela mídia nos últimos anos, criou uma imensa rejeição ao nosso partido e um clima de autoritarismo fascista na sociedade. Nossa militância é atacada nas ruas, muita gente não quer nem pegar o nosso material de campanha para conhecer as propostas. Esse cenário de intolerância não é diferente comigo por ser mulher com deficiência, as agressões sempre acontecem.

 

Uma pessoa com deficiência sabe os dramas e sofrimentos que atravessamos e, assim, pode ter um olhar mais apurado e humano para a questão. Desde que eu cheguei na Câmara de Vereadores, conversei com muitos colegas sobre a necessidade de mais acessibilidade e inclusão em nossa cidade e convenci muitos deles a votarem comigo em projetos importantes, como por exemplo na lei que obriga a prefeitura a disponibilizar intérpretes de libras em equipamentos públicos e a que garante atendimento psicológico para os familiares e responsáveis pela pessoa com deficiência.

Foi também significativo o impacto que nosso mandato teve até mesmo no cotidiano da Casa, que precisou passar por adaptações grandes no quesito acessibilidade. Hoje, a estrutura do Palácio Pedro Ernesto é muito mais adaptada para receber o público com deficiência do que quando eu cheguei em 2016.

 

Sim, o machismo atravessa todas as dimensões da nossa vida e não seria diferente nesse caso. Ser uma mulher que atua pela causa das pessoas com deficiência traz um recorte que está presente nas ações do meu mandato, por exemplo.

Temos uma preocupação extra em melhorar a vida das mulheres que são mães de PCDs, na maioria das vezes abandonadas por seus maridos e que precisam contar com o poder público para apoiá-las na criação independente de seus filhos.

Muitas vezes as pessoas que atuam pela pauta consideram essa questão como secundária. Fazer que elas compreendam essas demandas, os diferentes olhares, perspectivas e abordagens, ainda é um desafio.

 

Minha primeira tarefa é pressionar para que as leis que aprovei em favor das pessoas com deficiência sejam realmente implementadas na cidade. Muitas leis como, a que estabelece a presença de intérpretes de libras nos equipamentos públicos, que citei agora pouco, foram aprovadas, sancionadas, mas ainda não estão regulamentadas pela prefeitura.

Também é urgente lutar pela revitalização e ampliação dos Centros de Referência da Pessoa com Deficiência (CRPDs), ampliar o atendimento da Central de Libras, promover mais acessibilidade nos equipamentos culturais e de lazer, e reconhecer o direito à cidade das pessoas com deficiência, melhorando seu deslocamento e permanência nos espaços e equipamentos públicos.

 

O papel do PTna defesa das Pessoas com Deficiência

 

Enquanto o Partido dos Trabalhadores esteve na presidência foram vários avanços significativos. Em 2008, a convenção da ONU que trata dos direitos das pessoas com deficiência foi incorporada à nossa legislação como política de estado. Isso foi o primeiro passo para que em 2011 fosse elaborado o Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que trata de assuntos sensíveis ao nosso público como o direito, a educação, saúde, inclusão e acessibilidade.

Essa série de normativas teve impacto real na vida das pessoas, como por exemplo o crescimento de 83% no número de matriculados com deficiência na educação básica. Também no contexto de expansão das universidades, com programas como o REUNI e o PROUNI, o número de matriculados com deficiência no ensino superior subiu de 5.078 para mais de 33.000.

Na saúde, o Partido dos Trabalhadores, por meio do co-financiamento e PPPs, garantiu a ampliação da rede de materiais básicos como as próteses, órteses, meios auxiliares de locomoção, bolsas coletoras, bolsas de ostomia e sondas. Através das Universidades Públicas, vários profissionais da saúde receberam capacitações específicas para tratar de pacientes com deficiência.

É necessário destacar ainda que em 2012, o governo Dilma Rousseff instituiu o Programa Nacional de Apoio a Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (PRONAS-PCD), que captou recursos para estimular e desenvolver a prevenção e a reabilitação da pessoa com deficiência. Através do programa era possível diagnosticar, prevenir e tratar o PCD.

Também nos governos petistas não havia nenhum risco ou discussão sobre o direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) para as pessoas com deficiência em situação de fragilidade econômica. Muito pelo contrário, havia o respeito à constituição e uma sistemática tentativa de ampliar o direito para mais pessoas.

Na acessibilidade, eram feitas campanhas informativas em todos os veículos de informação. Foram nos governos petistas que as emissoras de TV passaram a ser obrigadas a veicular uma parte da sua programação com legendas. Também havia no Ministério das Cidades a Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos que auxiliava os municípios a adequar sua infraestrutura urbana para propiciar acessibilidade. Enfim, eram inúmeras iniciativas, isso falando apenas no âmbito do governo federal. Agora é muito triste ver que desde o golpe de 2016, os retrocessos são imensos e temos que lutar pelas coisas mais básicas.

No governo Temer, a PEC 55 congelou os investimentos públicos por 20 anos e impossibilitou novas políticas sociais para as pessoas com deficiência. Já a Reforma Trabalhista revogou e limitou vários direitos antes consolidados. Com Bolsonaro o cenário é ainda pior, logo que tomou posse extinguiu o Conselho dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

Depois, a reforma da previdência de seu governo restringiu o acesso das pessoas com deficiência à aposentadoria e diminuiu os valores dos benefícios.  Continuando a Reforma da Trabalhista de Michel Temer, Bolsonaro encaminhou ao congresso o projeto de lei 6.159, que desobriga as empresas a contratar pessoas com deficiência.

Toda semana é um ataque diferente: o mais recente é a nova política de educação que incentiva a criação de escolas especiais, segregando os alunos com deficiência dos demais colegas. Trata-se de um retrocesso de quase 30 anos que, por enquanto, está barrado por ação de Dias Toffoli, no STF, mas que vai precisar ser discutido no Plenário da Corte.