Somos mais de 51% da população brasileira, representamos quase 40% dos chefes de família, temos mais tempo de escolaridade que os homens, mas ganhamos quase 30% menos do que eles no mercado de trabalho. E, ainda, 65,6% das trabalhadoras recebem até dois salários mínimos, enquanto apenas 27,9% dos homens estão nessa faixa. Esses são pontos que mostram a desigualdade entre mulheres e homens nas relações de trabalho.
Há 10 anos, o governo federal, por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres, criou o Programa Pro Equidade de Gênero e Raça, que está na 5ª edição. Trata-se de uma das mais eficazes ações para transformar a cultura da discriminação de gênero e de raça na organização do trabalho das empresas. Realizado em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ONU Mulheres e OIT, mais de 80 empresas já aderiram ao programa, que identifica e premia as boas práticas.
O universo de trabalhadoras e trabalhadores envolvidos chega a quase 1 milhão, tornando-se semente de promoção de políticas de igualdade em âmbito muitas vezes avesso a perceber que reproduz discriminações. Afinal, quase sempre se argumenta que a legislação já veda qualquer forma de discriminação nas relações de trabalho.
O impacto do programa tem sido excepcional porque mostra que as empresas aderentes e as que recebem o selo do programa se tornam referência na construção de dinâmica de inclusão de mulheres e da população negra. Há um grupo de trabalho, externo à SPM, que acompanha e avalia as ações previstas no plano de ações proposto pela própria empresa. Em novembro, é a entrega do selo para as instituições premiadas ao longo deste ano.
O mercado de trabalho das grandes e médias empresas é setor privilegiado de emprego e renda. No entanto, a inserção e ascensão das mulheres encontram barreiras específicas. O paradigma central do programa é quebrar com a cultura de discriminação de gênero e raça na organização do trabalho. Talvez a principal evidência seja o fato de que as mulheres entram no mercado, mas não ascendem nas carreiras. Dados do IBGE e da Fundação Getulio Vargas apontam que apenas de 6% a 7% de mulheres chegam aos cargos mais altos de direção nas empresas.
Sou favorável à cota de mulheres nos conselhos de administração de empresas públicas e privadas. Temos que ter clareza de que a cota não é definitiva. Trata-se de política afirmativa que objetiva romper com discriminação secular. E a experiência tem mostrado que a presença das mulheres nos cargos de direção mobiliza mais mulheres, criando dinâmica positiva para a participação.
Há muito tempo as mulheres têm saído de forma ousada para buscar espaços no mundo do trabalho, porém os homens não foram para dentro de casa dividir as tarefas domésticas. Isso continua influenciando as novas gerações e as oportunidades de meninas e meninos. Afinal as mulheres dedicam duas vezes mais tempo aos afazeres domésticos que os homens.
A desigualdade na divisão sexual do trabalho ainda é obstáculo para a igualdade de gênero. Tem impacto profundo na vida e influencia o acesso e as oportunidades de ascensão profissional, transformando-se em barreiras diárias que as mulheres enfrentam dentro e fora de casa. E com efeitos inegáveis nas condições desiguais no competitivo mundo do trabalho.
As condições de emprego e renda são indispensáveis para possibilitar a autonomia sobre a própria vida. Não é por outra razão que nas Casas da Mulher Brasileira, que integram o Programa Mulher Viver sem Violência, foi criado serviço de orientação para o trabalho e renda, incentivo ao empreendedorismo, qualificação profissional e inserção no mercado. Tudo isso contribui para que a mulher seja dona do próprio destino.
Construir condições de igualdade é desafio que engloba muitas áreas. Por isso, não podemos deixar de lembrar que, no início de junho, o país deu um salto na construção da isonomia no mundo do trabalho com a regulamentação da lei que amplia os direitos dos trabalhadores domésticos. O sentido da nova legislação é muito mais do que a ampliação de direitos trabalhistas. Ela reafirma a responsabilidade de romper com cultura e relações de servidão tão cotidianas na história. Discutir o alcance da mudança é tema que merece novo artigo.
Eleonora Menicucci é ministra chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República