Os apostadores do mercado financeiro estão em festa desde a última quarta-feira (18), quando o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou a privatização da Eletrobras no formato proposto pelo desgoverno Bolsonaro. Caso se concretize, a operação irá “resgatar” o mercado de renda variável da estagnação em que se encontra, às custas de contas de luz mais caras e um novo assalto ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), alvo de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes desde 2019.
Após a maldita sessão do TCU, os porta-vozes do mercado anunciaram entusiasmadamente que um total R$ 6 bilhões de recursos provenientes do FGTS estariam à disposição dos titulares das contas dispostos a adquirir ações da Eletrobras. De olho na “bolada”, 14 fundos protocolados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disputarão esses micro investidores.
As gestoras, duas totalmente dedicadas às ações da Eletrobras, apenas aguardam o início da apresentação da oferta aos investidores para iniciar as captações junto aos clientes. Ansiosos, os agentes do mercado financeiro esperam uma adesão em níveis vistos pela última vez há 20 anos.
Em 2000 e 2002, em meio à privatização da Vale e de ativos da Petrobras, o governo FHC abriu a possibilidade de uso de parte do saldo da conta do FGTS na compra de títulos financeiros das estatais em leilão. Agora, essas ações poderão ser convertidas em títulos da Eletrobras.
Vendida como “bom negócio” para uma minoria no atual universo de trabalhadores brasileiros, a operação é, na verdade, a expressão máxima da captura do Estado pelo mercado financeiro. Os fundos captam recursos parafiscais do FGTS para comprar ações da Eletrobras, lucrar com a alta da energia e distribuir resultados vultosos aos cotistas, enquanto a companhia passa a praticar preços de mercado.
O ciclo é tão infernal quanto o da política de Preço de Paridade de Importação (PPI) da Petrobrás. O preço da energia elétrica, um serviço público, será aprisionado no circuito de valorização do capital financeiro. Assim, os defensores do “Estado mínimo” garantem para si o “Estado máximo”, cuja lógica coloniza todos os setores, puxada por instrumentos públicos como o arcabouço jurídico e o FGTS.
Ikaro Chaves: “Privatização será uma aventura de fôlego muito curto”
Em entrevista para o Jornal PT Brasil, no canal do PT no Youtube, nesta terça-feira (24), o diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), Ikaro Chaves, lembrou que só agora, depois de compra de votos e muita pressão do mercado financeiro, o desgoverno Bolsonaro conseguiu avançar nessa privatização “criminosa”.
“O que a gente tem visto, lamentavelmente, é que as instituições da República estão completamente cooptadas pelo projeto privatista”, critica o integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE). “Mesmo aqueles setores que fazem críticas a Bolsonaro pela política fascista, negacionista, antidemocrática desse governo.”
Segundo Ikaro, “o Supremo, o Congresso Nacional, até o TCU, que, ao invés de fiscalizar as ilegalidades do processo, deu aval mesmo depois das denúncias do ministro Vital do Rego”, deixam o processo avançar. “Há um certo consenso dos órgãos do Estado e da elite financeira do país de que é preciso privatizar tudo o mais rápido possível, até porque eles sabem que esse governo tem pouco tempo”, apontou o dirigente sindical.
Mesmo assim, Ikaro acredita que “a privatização vai ser uma aventura de fôlego muito curto se o capital, o mercado financeiro quiser de fato embarcar nesse projeto”. A oportunidade, no entanto, despertou o “instinto animal” dos tubarões do mercado financeiro – que já se anteciparam até às empresas do setor energético.
Afinal, a oferta de ações da Eletrobras tem potencial de movimentar R$ 30 bilhões na Bolsa de São Paulo, volume equivalente a mais de dez transações realizadas no ano passado por companhias já listadas na entidade, as chamadas ofertas subsequentes. Em 2021, a Bovespa registrou 25 operações do tipo, com volume médio de R$ 2,4 bilhões.
Já há dez grandes investidores comprometidos com a operação e três em negociação, incluindo cinco estrangeiros. É tanta demanda que não houve sequer conversas com investidores estratégicos: as empresas do setor energético.
“Em um ano praticamente parado para a Bolsa, a oferta gigante da Eletrobras está mexendo com a indústria financeira e tem toda a Faria Lima, avenida que concentra o coração do mercado financeiro, envolvida”, afirma reportagem do jornal O Estado de São Paulo.
Conforme a matéria, já no ano passado a Eletrobras anunciou a pré-seleção de instituições financeiras como bookrunners (agentes econômicos) do sindicato de bancos que estruturariam a oferta de ações. Os coordenadores líderes são BTG Pactual, Itaú BBA, Bank of America, Goldman Sachs e XP Investimentos. Também participam do sindicato Bradesco BBI, Caixa Econômica Federal, Citi, Credit Suisse, JP Morgan, Morgan Stanley e Safra. Todos de olho grande sobre os lucros da operação.
Ao final de 2021, a ausência de novas ofertas (IPOs, na sigla em inglês) e a queda nos volumes de operações encolheram as receitas nos segmentos de investimento dessas instituições financeiras. No primeiro trimestre, a receita do Itaú BBA caiu 2,4% em comparação com 2021, enquanto o Bradesco BBI sofreu recuo de 7,5%. No BTG Pactual, a linha de investimento teve queda de 27%, na mesma comparação.
Bolsonaro dilapida o FGTS desde 2019
A intenção de repassar a gestão dos recursos do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o mercado é explicitada por Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes desde o início do “mandato”. Não conseguiram ainda, mas não faltam tentativas de desidratar o saldo dos fundos, os maiores da América Latina.
O mais recente foi um balão de ensaio do Ministério da Economia que incluía medidas como a redução da multa em caso de demissão sem justa causa de 40% para 20% do saldo do FGTS. E também a redução da alíquota de contribuição mensal dos patrões de 8% para 2% sobre o salário dos trabalhadores, sob o pretexto de “reduzir os custos de empresas com a contratação de funcionários”.
A forte reação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), demais centrais sindicais e a sociedade civil organizada fez Guedes negar que a proposta fosse avançar, embora não desmentisse que tenha havido estudos nesse sentido.
Para o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, o recuo não é garantia de que o desgoverno Bolsonaro vá desistir de acabar com o FGTS. “Com esse governo é orai e vigiai. Não dá para confiar, e é um alerta aos trabalhadores de que se Bolsonaro continuar vamos ficar sem o FGTS e sem nenhuma proteção trabalhista”, comentou.
“Muita gente acha que o dinheiro do FGTS está guardado em um cofre forte em Brasília”, diz Clóvis Scherer, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Mas é preciso compreender que esses recursos são aplicados no financiamento da construção habitacional, obras de saneamento e de mobilidade urbana. Três setores que exigem investimento de grande porte e retornam em um prazo muito longo. E são vitais para a qualidade de vida da população.”
Da Redação, com informações da CUT