Olá, gostaria de me apresentar. Eu sou uma mulher comum, professora, mãe de dois filhos e de uma filha, minha casa fica no subúrbio do Rio de Janeiro, mais especificamente em Madureira bem ao lado do Império Serrano, onde Lula assinou a minha ficha de filiação ao Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras.
Como isso foi acontecer, é uma história que tentarei contar para quem quiser ouvir por acreditar que ela vale a pena – principalmente em um dia especial como hoje em que celebramos conquistas sociais e políticas das mulheres no mundo inteiro.
Nunca fui uma militante típica de ir a manifestações, plenárias e coisas afins até mesmo porque, como mãe de crianças e moradora do subúrbio carioca, não é fácil o ir e vir. Porém, fui professora a vida inteira e não tem como trabalhar no Ensino Público e ficar alheia ao que acontece nas Assembleias e nas Câmaras. Já tive duas matrículas no Estado e hoje sou professora e a primeira coordenadora mulher de Física do CEFET/RJ em 100 anos. Paralelamente a isso, sou escritora. Uma escritora desconhecida como tantas outras que não têm berço e nem facilidade de fazer contatos que agilizam a publicação de um livro. No início de 2016, um agente literário se aproximou de mim. Aceitei a mão estendida. Depois de três meses analisando meus livros e minha rede, fui comunicada que poderia me transformar em uma escritora famosa, contanto que mudasse meu comportamento. Disse-me que não poderia falar mais tanto de política nas redes sociais que, na época, era meu único espaço de manifestação.
A reunião em que fui avisada sobre a necessidade de me silenciar para que as editoras me aceitassem aconteceu em uma cobertura no Leblon. Lembro-me de que chovia muito quando saí de lá, mas, ainda assim, ao lado do meu carro, sentei-me no meio fio e chorei antes de pegar o túnel Rebouças de volta para minha casa. Ali, com a água gelada correndo nas minhas costas e um filete úmido, quente e intenso escorrendo pelo meu rosto, percebi o que era todo esse sistema em que vivemos. Porém, fui além. Percebi também quem eu era, a dizer, uma mulher tão comum dessas que vemos em qualquer esquina cheia de foco e de sonhos.
Estava como ficam as pessoas que decidem a própria amputação de um membro. E com essa sensação que perderia as pernas – mas que o cérebro continuaria intacto -, chorando do início ao fim escrevi um texto que acabou viralizando na internet, no início de 2017.
O interessante é que ele foi lido por parentes e amigos, mas ninguém identificou nele o que Lula captou com sua sensibilidade ímpar: tratava-se de uma mulher tão comum como vemos por aí que precisava ser empoderada. E ele fez algo que mudou para sempre a minha vida: Lula estendeu a sua mão, me colocou em pé e me abraçou com sua ligação inusitada. Os detalhes da ligação estão registrados em um outro texto, do início de março de 2017.
Dentre outras coisas, Lula me disse que percebeu em mim uma força e a necessidade de receber um abraço forte. Frisou que para isso ele havia me ligado. Nunca, em tempo algum, jamais pensei em um dia receber essa atenção de uma pessoa famosa. De Lula, nem se fala. Era quarta-feira de cinzas de 2017. Dona Marisa havia falecido há pouco e Lula me ligou em pleno luto. Não perdi a oportunidade. Agradeci em nome de todas as pessoas que hoje tem diploma e que, sem ele, estariam à margem da nossa sociedade. Eu sabia que estava diante do político que mais fez pelas mulheres em nosso país.
Para quem não sabe, no primeiro ano do governo Lula, a Secretaria dos Direitos da Mulher foi desvinculada do Ministério da Justiça e transformada na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). Hoje, o Ministério passou a ser pasta e voltou a ser subordinada ao Ministério da Justiça e da Cidadania.
Muita gente não tem conhecimento sobre isso, mas o programa que tirou o Brasil do mapa da fome também promoveu uma verdadeira revolução feminista nos confins do Brasil por meio de uma ideia simples: o dinheiro é transferido sempre para a mulher. Com a garantia do benefício, encerrou-se em muitos lares o ciclo de abusos muitas vezes alimentado pela dependência financeira do companheiro. O relato delas é impressionante e pode ser conferido no livro “Vozes do Bolsa Família”, de Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani. (São Paulo: Editora Unesp, 2013). Vale lembrar que só pode receber o benefício as mulheres cujos filhos de seis a 15 anos estejam matriculados e frequentem pelo menos 85% das aulas. Menores de sete anos têm que ter a carteira de vacinação sempre em dia. Depois do golpe, pasmem, perdemos mais de 1 bilhão de investimentos nesse programa e em torno de um milhão de famílias que recebiam por volta de R$ 170,00 ficaram sem o auxílio.
Para muitas famílias, a criação do programa Minha Casa Minha Vida representou uma chance única de realizar o sonho da casa própria. O programa foi lançado em 2009, um ano antes de Lula deixar a presidência. Quase quatro milhões de famílias foram beneficiadas em seis anos. Quando Dilma assumiu o poder, o programa foi aperfeiçoado para contribuir com a autonomia feminina. Elas passaram a ter preferência na assinatura da escritura e, caso fossem separadas, não precisavam da assinatura do cônjuge, mesmo se o divórcio ainda não estivesse no papel.
E não vamos nos esquecer das companheiras rurais. Foram criados nas gestões do PT serviços especializados para atender às trabalhadoras em situação de violência e o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, as linhas de crédito Pronaf Mulher e o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais.
Em um país no qual todos os dias lemos notícias de mulheres que sofrem com os mais diversos tipos de violência, seja em casa seja fora dela, essas políticas significam muito e eu sabia disso quando Lula me ligou. Em nome de todas as mulheres deste país, quer elas soubessem ou não do quanto Lula melhorou suas vidas, quer reconhecessem ou não, eu agradeci.
Depois dessa ligação que completou agora exatos dois anos, encontrei-me com Lula pessoalmente, pois muita gente começou a cogitar meu nome para ocupar algum cargo político – coisa que jamais havia vislumbrado na minha vida – e eu queria conversar com ele. Afinal, a minha vida havia virado um rebuliço quando souberam que Lula me ligou.
Após me receber no Instituto, Lula ouviu toda a minha história como fazem os grandes líderes políticos. Nunca havia recebido aquela atenção nem mesmo nas minhas sessões de terapia. É uma experiência que desejo a todas as pessoas, principalmente, àquelas que zombam da inteligência de um possível Prêmio Nobel da Paz.
Lula, ao contrário do que imaginei, desencorajou-me de imediato a vincular meu nome ao PT, pois, disse ele, a minha vida iria virar um inferno. “Veja o que fizeram com Marisa”, alertou-me. Expliquei ao nosso presidente que inferno é ler todos os dias nos jornais o que estão fazendo com a Educação Pública desse país e que eu fui até ele não para pedir autorização e muito menos conselho – que foi o que havia falado quando pedi a sua assessora dez minutos com ele. “Vim aqui para pedir a sua bênção, presidente. Vai ser com ela ou sem ela, mas vou me filiar ao PT”.
Ao ouvir minha teimosia, Lula sorriu e disse que sabia que não tinha errado ao me ligar.
Depois disso, nos encontramos por aí em alguns palanques. No meio de tanta gente importante, ele sempre me reconheceu e perguntou dos meus filhos e de Lucimar, a moça que trabalha aqui em casa.
Nesta sexta-feira, 8 de março de 2019, o presidente que mais fez pelas mulheres neste país está preso. Tiraram-lhe a possibilidade de interação com outros seres, o que ele faz de melhor. Perdeu o povo com o seu silêncio porque suas palavras são como um bom cobertor no inverno e, dependendo de onde estamos, sentimos uma frieza danada aqui fora.
Sigo apanhando por ter aprendido de uma forma natural a amar Lula como acontece quando lemos um livro maravilhoso. Tudo o que estão fazendo com ele é demasiado injusto e já está claro que o Brasil piora muito quando não o deixam agir e fazer mais pelas minorias.
Mas, ainda que eu esteja plena de hematomas, quando vejo o olhar de quem me ataca e ouço o discurso dos que me xingam, reafirmo meu amor ao homem que diminuiu a desigualdade social neste país e mudou a vida de milhares de brasileiras.
Como lhe disse em uma carta que ele respondeu em seu cárcere, estarei lhe esperando aqui fora:
“Para que você me veja e me reconheça no meio da multidão quando sair, darei uma dica: estarei de vermelho e de braços abertos. Não vai ter erro, presidente, porque eu também virei uma ideia. Você irá reconhecê-la”.
Nesta sexta, eu, uma mulher comum cheia de impaciência com as injustiças, anseios e ideias, estarei nas ruas ao lado de outras mulheres. Pelas mulheres e pela liberdade de Luiz Inácio Lula da Silva, nosso eterno presidente.
Elika Takimoto, é Doutora em filosofia, mestre em história, professora e atual coordenadora de Física do Cefet e vencedora do Prêmio Saraiva Literatura