Elza Soares partiu, aos 91 anos, na quinta-feira (20). Mas, por ser uma “concentração extraordinária de energia e talento”, como muito bem definiu o cantor e compositor Caetano Veloso, não deixa vazio. Sua voz, sua força e sua história, certamente, ainda preencherão os ouvidos, os corações e as mentes de mulheres e homens ao redor do Brasil e do mundo, por muito, muito, muito tempo.
Difícil destacar qual das Elzas foi a maior. Se a cantora, se a mãe, se a mulher. Mulher negra que escapou do Planeta Fome para se tornar rainha do Planeta Terra, mas sem jamais se esquecer dos seus conterrâneos. Como lembrou o presidente Lula, após saber que Elza havia partido, ela foi “não só uma das melhores cantoras e vozes mais potentes do Brasil, mas também uma grande mulher, que sempre defendeu a democracia e as boas causas. Foi uma lutadora pela arte e pela vida contra a fome, a miséria, o racismo e o machismo”.
Filha de operário e lavadeira, Elza Gomes da Conceição nasceu em junho de 1930, no Rio de Janeiro. Contava que se tornou cantora por ser mãe. Em 1953, precisando de dinheiro para o tratamento de saúde de um dos filhos, ela se inscreveu no concurso de calouros comandado por Ary Barroso, na Rádio Tupi.
Ao subir, esquálida, no palco, Elza ouviu risadas da plateia e uma pergunta do apresentador: “De que planeta você veio?” “Do Planeta Fome”, respondeu, silenciando a todos, que mudos permaneceram para ouvi-la interpretar ‘Lama’, canção com a qual venceu o concurso e ganhou o dinheiro de que necessitava.
A história deu início a uma carreira que a faria uma das vozes mais admiradas do mundo, levando-a a ser eleita a voz do milênio, em 1999, pela rádio BBC, da Inglaterra. A resposta cortante de Elza também inspiraria, 66 anos depois, o título de seu 34º e último álbum, ‘Planeta Fome’. Esse disco e os dois anteriores (‘A mulher do fim do mundo’ e ‘Deus é mulher’) foram, sem dúvida, a grande expressão da emancipação feminina e da luta contra o racismo e as desigualdades no Brasil nesta última década.
“Elza Soares veio do planeta fome, como ela mesmo dizia, para nos oferecer sua voz, seu talento, coragem, resistência, solidariedade e identidade com nosso povo. Mulher, negra, brasileira, guerreira, para sempre em nossa lembrança”, disse a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann.
“Nossa diva”
Coragem e resistência, de fato, nunca fizeram falta a Elza, que enfrentou um casamento, obrigada pelo pai, aos 12 anos, tornou-se mãe aos 13, sofreu com a morte de dois filhos ainda adolescente e enviuvou aos 21. Encarou ainda o racismo, o machismo, a violência doméstica, a morte de mais dois filhos e a perseguição da ditadura militar, que a levou ao exílio por ter gravado o jingle da campanha de João Goulart em 1960.
Dias antes de morrer, por causas naturais, segundo nota de sua assessoria, Elza trabalhou na gravação de um DVD, presente que deixa à humanidade, que nunca deixará de ouvir sua mensagem. “A nossa diva, ícone e uma das maiores vozes da música mundial, Elza Soares nos deixou um legado imenso que vai além da carreira artística. Como diz a sua música, o seu país foi lugar de fala. E a sua voz potente jamais será silenciada”, afirmou a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), referindo-se à canção ‘O que se cala’, de Douglas Germano, gravada por ela em 2018.
“Elza Soares foi uma das maiores artistas do Brasil. A mulher negra que, quando jovem, disse que veio do Planeta Fome e que, até o final da vida, se constrangia com a desigualdade. A artista que desceu o morro para se transformar na voz do milênio, que sempre esteve na vanguarda da música e que usou sua voz e seu talento para afirmar os direitos das mulheres. O legado artístico e cidadão de Elza Soares é imenso e uma inspiração para todos que amam a arte, a cultura e o Brasil”, definiu o secretário nacional de Cultura do PT, Márcio Tavares.
Da Redação