Nos primórdios da democracia moderna havia grande preocupação com a tirania. Mentes especulativas se perguntavam o que os homens fariam com a liberdade recém-conquistada. Livrá-los da servidão e incorporá-los à comunidade política exigiam considerar os riscos envolvidos.
A atenção maior era com os proprietários fundiários e credores, que compunham a minoria da sociedade. Proteger esta minoria significava zelar pela própria democracia e pelo capitalismo emergente.
Não se tratava, portanto, de resgatar a democracia antiga, mas de criar um sistema de pesos e contrapesos que garantisse a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade de cada indivíduo.
No lugar da antiga democracia direta, adotou-se o sistema representativo —que causava apreensão mesmo com voto censitário— e, na sua esteira, vieram o bicameralismo, as cortes constitucionais e o veto presidencial.
Depois de muita luta social, esse tratamento passou a ser dispensado a outras minorias, e não só aos abastados, e o voto censitário deu lugar ao sufrágio universal. Mulheres, negros e pobres foram incorporados à comunidade política. Minorias religiosas e étnicas e LGBTs passaram a ser protegidos.
Para alguns, defender a democracia passou a ser defender estas instituições.
Inicialmente, os teóricos da política imaginavam uma “tirania da maioria” exercida pelos representantes do povo. A história demonstrou, contudo, que a eleição direta trazia risco maior de eleição de líderes avessos às instituições que limitavam seu poder.
As lições da história parecem ainda não terem sido inteiramente assimiladas. Muitos ainda acreditam que fanáticos eleitos possam ser refreados pelas instituições, como se estas não pudessem ser intimidadas ou até corroídas pelo próprio fanatismo, mesmo que liderado por um bufão.
Na verdade, a mera defesa das instituições tem sido insuficiente para conter os estragos causados à democracia por tiranos e populistas.
O melhor antídoto contra a tirania é a educação do povo para a democracia. Não há governo democrático sem sociedade democrática. O poder só emana do povo que quer exercê-lo democraticamente; se a democracia não for um valor em si, sempre haverá risco de que um governo o usurpe.
Uma das poucas boas notícias deste início de “governo” é que o impulso de contestação que tomou as ruas partiu justamente de estudantes e professores, pois a tarefa histórica do momento é justamente educar para a democracia aqueles que parecem querer oprimir.
Os jovens que se beneficiaram da democratização da educação superior retribuem defendendo a democracia.
Fernando Haddad é Professor universitário, ex-ministro da Educação (Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo