Eleições manipuladas de maneira brutal levaram à presidência um governante ilegítimo. Como recompensa à direita – especialmente o grande empresariado e os meios de comunicação – ele governa para os ricos, ataca todos os direitos da massa da população, desmonta o Estado, projeta a imagem mais retrograda do Brasil no mundo. O ministro da Economia prepara outro pacote brutal, para contemplar o grande capital, que tolera tudo o que se faz com o pais, contanto que seus interesses privatizantes sejam promovidos.
A esquerda, o campo democrático, os movimentos populares, ficaram deslocados. Foram derrotados, mesmo se por uma operação de manipulação brutal. A iniciativa passou às mãos do governo, que combina um devastador projeto ultraneoliberal com declarações e atos de extrema-direita, que se voltam contra os direitos da maioria – trabalhadores, mulheres, jovens, negros, LGBT, ecologistas e todos os que se identificam com a democracia e os direitos de todos.
O pior governo que o país já teve se comporta como se não tivesse sido eleito, porque a direita prefere qualquer governo – até esse, aventureiro, miliciano, lumpen – a um governo do PT, se considera livre para proclamar e atuar conforme suas preferências pessoais e as do seu estreito núcleo familiar. Atua como se a maioria do país o acompanhasse ou lhe tivesse delegado o direito de governar conforme suas idiossincrasias pessoais.
O silêncio cúmplice do Judiciário, já criminosamente complacente com o golpe contra a Dilma, com a condenação sem provas do Lula, com a eleição fraudada do atual presidente, volta a se manifestar agora, diante das maiores arbitrariedades. Tanto da exaltação do AI-5, quanto do sequestro de provas, obstruindo escandalosamente a apuração da acusação que envolve o atual presidente na morte da Marielle de maneira direta.
Amplia-se o arco dos setores democráticos escandalizados com esses comportamentos. Pela primeira vez, setores que nunca haviam considerado essa hipótese, passam a falar de impeachment. Razões jurídicas ja haviam várias, mas nunca se havia acumulado tantas e nunca havia chegado aos limites atuais, tanto nas declarações de um dos filhos do presidente, quanto na ação confessa dele mesmo.
Chegou a hora de colocar o tema do “Fora Bolsonaro” na ordem do dia! Cada vez mais é insuportável, não somente para a esquerda, mas para todos os que sentem seus direitos atacados e vilipendiados diariamente, que sentem o país ser representado de maneira totalmente grosseira e indevida por quem faz passar por posição do país o que são suas posturas trogloditas. Ele tripudia sobre os valores mais elementares que a grande maioria da população preza, como se não houvesse limites para o que ele faz e diz. Ofende a democracia, os direitos de todos, a cultura, a sensibilidade da grande maioria, a imagem do país no mundo.
A esquerda não pode mais ficar paralisada, limitar sua ação a denúncias. Os exemplos do Equador e do Chile demonstram que pode haver chispas que façam incendiar a floresta, com tanto que se convoque o povo a reagir, a não aceitar as medidas antipopulares do governo. O estilo de trabalho de massas do campo popular precisa mudar, precisa aprender da experiência desses dois países, precisa fomentar a rebeldia, a desobediência civil, a rejeição dos atos do governo.
Convocar ao “Fora Bolsonaro”, ao “Ele não”, não basta, representa convocar ao espírito de rebeldia do povo, da juventude, dos estudantes, das mulheres, dos negros, de todos os que são vilipendiados por esse governo. Não se pode permanecer na rejeição passiva. Aderir a iniciativas de impeachment é dizer ao país que é possível e desejável um Brasil sem esse cara e sua gangue na presidência. Não importa se se consiga. Não importa, caso ele seja expulso, se dê continuidade ao fundamental das suas politicas. O Collor foi derrotado e não pudemos terminar com seu modelo neoliberal, continuado por Itamar e FHC. Mas foi uma vitória popular impedir que ele continuasse na presidência.
É chegada a hora de começar a lutar pelo “Fora Bolsonaro”! De proclamar diariamente que o país não o suporta mais, que o povo não aguenta mais o sofrimento das medidas que ele impõe a todos, que os estudantes não toleram mais o que ele faz com a Educação e com o país, que o mundo da cultura quer sair pra rua para impedir os retrocessos que impõem ao Brasil. É responsabilidade da esquerda difundir um sentimento de rebeldia, de “basta”, de “chega”, de “não aguento mais”, que setores sempre mais amplos sentem.
Se não, a esquerda não estará à altura das circunstâncias que vive dramaticamente o país. Não reconquistaremos a democracia, não conseguiremos libertar o Lula, sem um ambiente de conflagração geral, de mobilização geral, de generalização do clima de rebeldia que a situação atual requer.
Emir Sader é sociólogo e cientista político
*Artigo publicado originalmente no Brasil 247