“Enquanto as mulheres brancas estavam reivindicando nas ruas pelo direito ao trabalho, nós mulheres negras já estávamos trabalhando atrás do sustento dos nossos filhos e devido a imposição da sociedade pós-escravocrata”, conta a doutora em história social e ativista, Cassi Coutinho, ao elucidar uma das diferenças de lutas por direitos de mulheres negras em relação às mulheres brancas.
Segundo a historiadora, as mulheres negras tem um papel histórico e incessante na disputa de narrativas e bandeiras antirracistas dentro do movimento feminista.
“Era necessário trazer a discussão. Não valeria a pena reivindicar igualdade de direitos, enquanto exploravam e tratavam de forma violenta as trabalhadoras domésticas”, exemplifica a historiadora.
De acordo com Cassi Coutinho, há uma urgência em “Enegrecer o Feminismo”, conceito da intelectual Sueli Carneiro, que busca visibilizar e centralizar as demandas das mulheres negras.
Pois, segundo a historiadora, na década de 1970, o movimento feminista lutava pelos seus direitos no combate ao machismo, mas por outro lado, não abarcava as especificidades de mulheres negras: raça e classe social. Perpetuando a ideia de que todas as mulheres eram iguais.
“Se de um lado eram vistas como perigosas, agressivas e barulhentas por fazerem questionamentos dentro do movimento feminista; erámos também excluídas nos processos políticos do movimento negro”, acrescenta a historiadora Cassi Coutinho.
Por essas questões, no final da década de 80, o movimento de mulheres negras no contexto mundial e brasileiro se potencializou, gerando uma grande mobilização política, e assim surgindo o Feminismo Negro.
O movimento visa enfrentar o racismo, o sexismo e todas as formas de opressão às mulheres negras, a partir de uma organização própria, autônoma e com protagonismo.
Um dos momentos marcantes para o movimento de mulheres negras foi com a realização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras, na cidade de Valença (RJ), em 1988. A realização do evento teve o intuito de organizar a luta política e social, e contou com a participação de mulheres de diversos territórios.
Uma das precursoras do feminismo negro, foi Lélia Gonzalez, política, professora, filósofa e antropóloga brasileira. Segundo a intelectual, as mulheres negras são as mais exploradas e oprimidas, porque estão expostas não somente pela discriminação de sexo, mas de raça.
A luta do feminismo negro nos dias atuais
Atualmente, as mulheres negras ainda são marcadas pela divisão de classe, pelo racismo e pelo machismo. E lutam diariamente por políticas públicas específicas.
“A gente vê a necessidade de se organizar para pautar, questionar, discutir sobre essas questões que são caras para nós. A gente segue no processo de luta e resistência!”, afirma a historiadora.
Não foi em vão, que no ano de 2018 foi realizado o Encontro Nacional de Mulheres Negras 30 Anos: contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver – Mulheres Negras Movem o Brasil. Na qual debateram sobre as políticas públicas e sua inserção no mercado de trabalho, educação, representação política, entre outros espaços de tomadas de decisões.
“Mesmo que ocupemos os espaços das universidades pelo sistema de cotas, quando vamos ao espaço de trabalho, ainda somos aquelas que ganham os piores salários. Há um controle tremendo sobre os nossos corpos; continuamos lutando por creche; sofremos com a sobrecarga de tarefas domésticas e também somos vítimas de todos os tipos de violências”, relata a historiadora sobre algumas das bandeiras de mulheres negras.
Iêda Leal, é coordenadora da maior entidade negra do país, o Movimento Negro Unificado (MNU), enfatiza que foram 400 anos de violência contra os corpos e mentes de mulheres negras. Nesse sentido, deve existir um processo de reparação, para viver com dignidade.
“Reivindicamos o direito à saúde, educação, moradia, lazer e cuidado espiritual, e sobretudo à vida”, frisa Iêda Leal, que ainda destaca sobre a luta das mulheres negras brasileiras que demarcaram história e deram nome ao feminismo negro.
“Muitas mulheres negras fizeram lutas para que a gente chegasse até aqui: Tereza de Benguela, Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Carolina Maria de Jesus, Beatriz Nascimento, entre outras lideranças. Não iremos parar em nome de todas as mulheres que não estão conosco, e das outras que ainda virão. Nosso futuro é importante para a organização das mulheres pretas”, ressalta.
Julho das Pretas: Por mais Mulheres Negras na Política!
Esta é a segunda matéria de uma série especial do Julho das Pretas, produzida pelo projeto Elas Por Elas, da Secretaria Nacional de Mulheres do PT.
Dandara Maria Barbosa, Agência Todas