Editada no dia 1º de agosto, a MP 890/2019 materializa a “versão Bolsonaro” de um programa destinado a oferecer assistência básica de saúde à população. Batizado de “Médicos pelo Brasil”, a iniciativa é uma espécie de rendição do presidente da República ao sucesso do Mais Médicos que ele tanto atacou.
Chioro alerta que o ranço ideológico bolsonarista deixou de fora elementos essenciais ao sucesso do programa que foi marca dos governos petistas, como o investimento em infraestrutura, na formação de profissionais e na distribuição dos médicos por todo o território nacional.
PT no Senado – Qual a análise que o Sr. faz do programa “Médicos pelo Brasil”, arremedo do programa Mais Médicos, anunciado por Bolsonaro?
Chioro – A proposta de Bolsonaro é uma versão fragilizada do programa Mais Médicos. Está muito mais voltada a dar respostas a uma base social que apostou no discurso eleitoral de Bolsonaro do que propriamente atender às necessidades do Brasil.
O programa “Médicos pelo Brasil”, proposto na Medida Provisória 890/2019, abandona os eixos fundamentais do Mais Médicos, que foram a razão do imenso sucesso do programa implementado no governo da presidenta Dilma.
E veja, essa nova versão do programa vem após sete meses de governo Bolsonaro — sete meses durante os quais o governo deixou de gastar os recursos do Mais Médicos. E isso resultou em aumento de mortalidade infantil, de mortalidade materna. Diagnósticos e tratamentos de doenças deixaram de ser feitos.
PT no Senado – Há quem questione o sucesso do Mais Médicos. Como o senhor responde a esses críticos?
Chioro – O programa Mais Médicos é muito bem-sucedido. Quem mostra isso, hoje, são os resultados.
São os estudos feitos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, as dissertações de mestrado, teses de dourado e o conjunto de publicações científicas que mostram o impacto altamente relevante que o programa Mais Médicos teve.
Particularmente, acredito que toda política pública deve ser aperfeiçoada, qualificada. Não existe uma política que nasça pronta, perfeita e que responda a todos os problemas a que se propõe responder.
O Mais Médicos merecia ser aperfeiçoado, progressivamente. Merecia ser qualificado como uma política de Estado. Mas, sim, ele é plenamente bem-sucedido.
Uma demonstração do que digo é que, por mais que o governo Bolsonaro tenha o desejo de desmontar e acabar com Mais Médicos, ele foi obrigado a reformatar o programa, a substitui-lo por um modelo que, no básico, mantém pontos importantes do Mais Médicos.
PT no Senado – Esse novo programa seria, então, uma “maquiagem”, para que Bolsonaro mantenha o Mais Médicos sem dar o braço a torcer?
Chioro – É muito pior do que isso. A Medida Provisória 890/2019, que cria o “Médicos pelo Brasil”, abandona os três eixos fundamentais do programa Mais Médicos, que eram o investimento em infraestrutura de saúde, em formação de profissionais e na distribuição de médicos por todo o território nacional.
PT no Senado – Mas o desmonte da essência do programa Mais Médicos não começou com essa Medida Provisória…
Chioro – Infelizmente. Houve o episódio que levou ao rompimento das relações com o Ministério da Saúde de Cuba, que resultou na perda de mais de 8 mil médicos do programa [as hostilidades de Bolsonaro aos médicos cubanos, ainda antes de tomar posse, resultou na retirada desses profissionais do Brasil pelo governo daquele país].
Tem a quebra da continuidade do projeto de formação de médicos ou, ainda, a paralisação dos investimentos na melhoria das unidades e centros de saúde.
O desmonte do Mais Médicos é resultado de uma disputa ideológica infeliz, medíocre. E quem está pagando a conta é a população brasileira.
PT no Senado – O senhor poderia detalhar o que chamou de eixos fundamentais do programa Mais Médicos, ausentes do novo programa de Bolsonaro?
Chioro – O primeiro eixo era a infraestrutura, o investimento em ampliação da rede, nos equipamentos, na conectividade e das condições de trabalho dos profissionais de saúde. Nada disso está presente no programa de Bolsonaro.
Até porque, os ditames do novo regime fiscal, estabelecido com a Emenda Constitucional 95 [congelamento dos investimentos públicos por 20 anos], impedem que sejam ampliados os investimentos na área da saúde.
Em segundo lugar, não há qualquer preocupação com a distribuição dos profissionais pelos rincões mais distantes, assim como não há investimento em formação nesse programa “Médicos pelo Brasil”.
O investimento na graduação em medicina e na residência médica é o eixo estruturante do programa Mais Médicos. Era o que permitiria que a partir de 2026 o Brasil tivesse médicos em quantidade, em qualidade e bem distribuídos por todo o território nacional.
PT no Senado – Isso não vai mais ocorrer?
Chioro – Bolsonaro está revogando dois artigos da Lei do Mais Médicos que tornavam obrigatória, a partir de 2019, a universalização da residência médica. Desde o governo Temer essa meta foi abandonada. Na impossibilidade de cumprir o que mandava a lei, revogaram a lei.
Na Medida Provisória 890, aponta-se para a criação de um serviço social autônomo, a Agência de Atenção Primária de Saúde (ADAPS), que será responsável, daqui a dois anos, de contratar médicos em regime CLT para trabalhar na atenção básica em todo o Brasil.
Veja bem, é uma coisa que vai começar a funcionar daqui a dois anos.
Até lá, o que o governo Bolsonaro fará é manter a mesma sistemática de contratação prevista no programa Mais Médicos, apenas impedindo a participação de médicos brasileiros e estrangeiros formados no exterior que ainda não tenham feito o processo de revalidação do diploma.
PT no Senado – Qual a importância de permitir que médicos formados no exterior pudessem trabalhar no Brasil, mesmo sem revalidação de diploma, uma das premissas do Mais Médicos?
Chioro – Essa estratégia utilizada na gestão presidenta Dilma, quando foi lançado o Mais Médicos, foi que possibilitou ao Brasil contar com 18.267 médicos, assistindo a 66 milhões de brasileiros e brasileiras, nas áreas mais vulneráveis do nosso território.
Foi assim que conseguimos assegurar à população brasileira o direito à atenção básica de saúde, com uma equipe completa de profissionais, na região onde a pessoa reside. Independentemente de a pessoa viver na região ribeirinha, no Sertão Nordestino, numa aldeia indígena ou na periferia das grandes cidades.
Por PT no Senado