A elevação da temperatura dos oceanos trouxe como consequência definitiva os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, tanto a seca quanto a chuva. Diante dessa premissa, a vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, alertou para uma dimensão que passa a ser decisiva nos planos diretores municipais.
“Essa vai ser a tônica dos próximos anos, é um tipo de análise que passa a ser obrigatória agora. As cidades são espaços de disputa, sim, então a importância da organização da sociedade civil, dos movimentos sociais, para que se incorpore a habitação popular como um eixo fundamental no planejamento urbano. É preciso rever os planos diretores. É um desafio que vai ter que ser feito em todas as cidades, planos de prevenção com o mapeamento dos tipos de risco que a sociedade está sujeita”, destacou a diretora em entrevista ao site do PT.
Ex-ministra das Cidades no governo Dilma Rousseff, a diretora afirma que os municípios terão que investir muito no tema da adaptação e da prevenção. “Isso significa ter uma estratégia de defesa civil que seja capaz de mobilizar rapidamente a população, um sistema de alerta para que, se não se pode evitar uma grande chuva, que pelo menos as pessoas estejam avisadas que ela chegará e possam buscar abrigos”, ressaltou.
Há cidades, segundo Inês, que chegam a ter 80% da sua população de baixa renda com plano diretor que não prevê áreas viáveis para habitação popular do ponto de vista dos parâmetros urbanísticos.
“Os pobres têm que ter um lugar na cidade, e isso se faz estabelecendo as Zonas Especiais de Interesse Social, as Zeis, estabelecendo uma regulação urbanística que viabilize a construção de habitação popular, onde você tenha uma mistura de atividades”, indicou, ao citar a necessidade de se ter um deslocamento mais racional dos moradores.
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Desafio
O tema da mobilidade como um eixo fundamental para a localização das moradias é uma agenda muito importante que precisa de “um processo quase que de popularização”. Em termos globais, existem projeções assustadoras de deslocamentos que vão acontecer por conta dos efeitos da crise climática, alerta a diretora.
“Diante disso, temos um desafio no país que é fazer um processo de adaptação e criar uma resiliência nas cidades. Não é mais a discussão de evitar, ela já foi, perdemos esse tempo. Temos agora um esforço para que não haja o aquecimento superior a 1,5 porque agora essa questão do aquecimento é irreversível, já não volta mais. O desafio é não deixar passar disso, já perdemos essa batalha. Agora é adaptar as cidades”, assinalou.
Segundo Inês, que foi também secretária nacional de habitação do Ministério das Cidades, há vários eixos de atuação, e um deles é mudar a matriz energética em geral. No transporte público, por exemplo, não usar petróleo como fonte de combustão.
Nova ordem climática exige áreas alagáveis
“O tema da adaptação envolve questões de estratégias, de criar áreas que possam ser alagáveis. É preciso abandonar práticas que eram comuns antigamente como canalizar córregos”, apontou. Em caso de inundações, é preciso aumentar a permeabilidade do solo e desacelerar a velocidade da água, o que pode ser feito criando áreas que possam ser alagadas.
É o caso das cidades esponjas, “onde você coloca nas margens dos rios grandes parques que, se forem alagados, não causarão nenhum prejuízo em termos de desabrigo das pessoas”, diz Inês, recomendando o cuidado de ter reservas estratégicas de retenção da água.
Ela citou também a importância da preservação de biomas como o Pantanal, onde há previsão de forte período de seca: “Os planos de contingência terão que ser elaborados por cada região, para cada cidade. Na verdade vai ter que estabelecer e analisar quais são as principais vulnerabilidades e estabelecer um plano de contingência”.
Inês detalhou que, em regiões de deslizamentos é necessário ter sirenes, sistemas de alertas comunitários e também pluviômetros para que as comunidades possam consultar e, a partir de um determinado momento, saiam das casas e tenham lugares estabelecidos previamente onde possam se refugiar.
Diante de situações como as enchentes no Rio Grande do Sul, a diretora avalia que é importante analisar se é um evento que não ocorrerá mais, se é um evento raro e que, portanto, as famílias podem permanecer.
Como exemplo, ela citou o caso de um bairro em Cruzeiro do Sul, que desapareceu. “O mais adequado é mover esse bairro de lugar, mas não é só levar a moradia. As cidades são construídas a partir de relações econômicas e sociais. Provavelmente vai haver um processo de imigração interna”, analisou, ao lembrar da região atingida pelo furacão Catrina nos Estados Unidos, cuja população foi reduzida em 20%.
“É praticamente consenso que é necessário repensar o modelo de desenvolvimento urbano, construir cidades mais sustentáveis e resilientes. Não existe futuro, nós já estamos no meio de uma crise, não há que se debater se vai ficar mais quente não, já está mais quente”, registrou.
Recado aos pré-candidatos
Inês avalia que o papel fundamental no clima e na qualidade de vida das famílias nas cidades envolve a questão dos espaços públicos, a recuperação de trechos urbanos dos rios, das matas ciliares. “Não se pode fazer o tamponamento nem canalização de córregos, são coisas que passam a ser quase que uma obrigação dos novos gestores”, ressaltou.
Em cidades com muitas áreas de morro ocupadas, segundo ela, é preciso mapear as de maior risco, executar obras de prevenção, fazer a realocação das que estão em maior perigo, de preferência na própria área, e finalmente as obras de contenção necessárias para mitigar ou até mesmo eliminar o risco.
Ter uma boa gestão, na opinião da diretora, significa proporcionar para a população uma qualidade de espaço urbano, uma mobilidade que seja capaz de atender e facilitar a vida, ter ciclovias, ter sempre preocupação das áreas para caminhada, com a iluminação pública, o consumo o mais próximo possível, cidades com ocupação múltipla.
“Pensar em como as pessoas podem cada vez mais usar a cidade no seu dia a dia, facilitar o uso, o que a cidade tem à disposição nos bairros, os comércios locais, que se possa caminhar nas calçadas, que se possa andar de bicicleta. Muitas vezes é o simples que vai fazer a grande diferença, é voltar a história de você ter uma calçada, que você possa pôr cadeira para sentar e conversar, ter uma árvore na frente da sua casa que você cuide, que você possa desfrutar da sombra dela. Voltar para um simples é uma ideia quase que revolucionária”, concluiu.
Da Redação