Especialistas em políticas de proteção à mulher afirmaram durante audiência pública nesta segunda-feira (26), na Câmara, que a Lei Maria da Penha – apesar dos inúmeros avanços na prevenção da violência doméstica – ainda precisa ser integralmente efetivada. Durante a reunião de iniciativa da deputada Reginete Bispo (PT-RS), na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, as especialistas lembraram ainda que após os 18 anos de promulgação da lei, sancionada pelo presidente Lula durante seu 1º governo, em 2006, ainda é preciso avançar na legislação que, entre outros pontos, estabelece medidas protetivas e cria juizados especializados em casos de violência contra as mulheres.
Ao lembrar que a ONU considera a Lei Maria da Penha uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, Reginete Bispo fez um resgate histórico dos avanços obtidos com a lei. A petista apontou que a legislação reduziu em 10% a taxa de homicídios contra as mulheres (dados do IPEA) e que, somente em 2022, foram expedidas mais de 400 mil medidas protetivas a favor de mulheres no País.
A parlamentar ressaltou ainda que a lei conscientizou as mulheres sobre seus direitos, ao aumentar as denúncias de casos de violência doméstica, principalmente após a criação do Disque 100. Segundo Bispo, somente em 2023 foram mais de 1,5 milhão de ligações registradas.
“Ainda existem desafios que persistem. Nós, mulheres negras, por exemplo, somos as maiores vítimas de feminicídio, com aumento de 7,8% em 2023. As subnotificações de casos de violência ainda são um grande desafio, especialmente nas áreas rurais do País. Por isso precisamos de uma política abrangente de prevenção para mudar mentalidades ainda relacionadas ao machismo, à misoginia e ao racismo”, defendeu Reginete.
Ataques à lei
Apesar dos avanços civilizatórios que a lei propiciou às mulheres, a representante da Frente Feminista Antirracista com Participação Popular Rúbia da Cruz destacou que a lei tem sofrido ataques de setores misóginos e machistas da sociedade brasileira.
“A lei [Maria da Penha] tem sofrido ataques por meio da alienação parental, por exemplo, no qual homens usam para dizer que as mulheres inventam a violência [sofrida] ou que usam a Lei Maria da Penha em benefício próprio. Isso sem falar dos ataques jurídicos”, apontou.
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Ela citou ainda que a própria Maria da Penha, farmacêutica que inspirou a criação da lei após ter sofrido uma tentativa de assassinato praticada pelo ex-companheiro, também tem sofrido ataques desses mesmos setores machistas da sociedade. Recentemente, a agora ativista precisou recorrer à Justiça para obter medidas protetivas contra ameaças que vinha sofrendo, principalmente pelas redes sociais.
Desafios no combate à violência
Já a co-fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia Barbosa, destacou que a violência contra a mulher atualmente não ocorre apenas na esfera física. Segundo ela, as modalidades de violência psicológica e patrimonial atualmente são muito utilizadas para atingir as mulheres.
“Precisamos evidenciar que, além da violência física, temos a violência psicológica e patrimonial, também em relação a agentes do Estado contra as mulheres. Quando digo agentes do Estado, digo em relação ao atendimento nas delegacias, nos exames de corpo de delito ou mesmo em alguns centros de referência. Digo isso em relação à falta de escuta das mulheres nesses espaços, que precisam da tal prova cabal da violência física para serem ouvidas naquilo que está reivindicando, como por exemplo, uma medida protetiva”, observou.
Outro desafio apontado durante a audiência pública foi a necessidade de aumentar o conhecimento sobre a própria Lei Maria da Penha. A representante da Marcha Mundial das Mulheres Carliene da Cunha apresentou dados que apontam que menos de um quarto das brasileiras conhecem bem a Lei Maria da Penha. Além da falta de conhecimento, ela observou que para evitar a violência é preciso investir em políticas públicas que reduzam a desigualdade de gênero no País.
“Falar em aumentar pena não resolve a questão. Para enfrentarmos a violência doméstica é preciso mudar a realidade em que grande parte das mulheres vivem. Por isso a importância de políticas públicas e ações governamentais que promovam a igualdade entre homens e mulheres, e entre mulheres e mulheres”, pontuou.
Ações do Governo Lula
Durante a audiência pública, foi apontado que o Orçamento das políticas públicas aumentou consideravelmente no atual governo Lula em relação ao governo passado. Para o Orçamento de 2023, por exemplo, estavam previstos apenas R$ 13 milhões para essa área. Um rearranjo ainda no ano passado, permitiu que esse recurso fosse aumentado para R$ 152 milhões. Em 2024, está previsto o investimento de R$ 370,5 milhões.
A representante do Ministério da Justiça na audiência Letícia Peçanha destacou que o número de medidas protetivas expedidas durante o ano de 2022 (550.623 medidas) apontam para a dimensão do desafio de proteger as mulheres brasileiras contra a violência. Ela citou, por exemplo, que o órgão está empenhado em consolidar as “salas lilás” em todos os espaços de acolhimento às mulheres.
“O Ministério da Justiça está trabalhando na construção de uma diretriz nacional para instalação das ‘salas lilás’, que trazem uma perspectiva de acolhimento e atendimento especializado no atendimento às vítimas de violência. Essas salas consistem em um espaço reservado, com profissionais capacitados, preferencialmente do sexo feminino, para evitar a revitimização das mulheres no âmbito das instituições do sistema de justiça e do sistema de segurança pública”, observou.
Já a representante do Ministério das Mulheres Graziele Dias anunciou que o órgão está lançando a campanha “Feminicídio Zero”. Ela ainda informou que a ministra Cida Gonçalves está inclusive em Fortaleza hoje, junto com a Maria da Penha, lançando a campanha e participando do seminário sobre os 18 anos da Lei Maria da Penha.
“Essa campanha vai engajar todo mundo, desde clube de futebol, empresas, governo em todos os níveis e a sociedade civil. Todos vão assinar uma carta compromisso, pelo fim do feminicídio e outras formas de violência contra a mulher”, ressaltou.
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A deputada Carla Ayres (PT-SC), no entanto, alertou que é preciso que a sociedade esteja atenta para promover o aperfeiçoamento da Lei Maria da Penha. Segundo ela, isso é necessário porque setores machistas e misóginos têm modificado sua forma de violência contra as mulheres desde a promulgação da Lei Maria da Penha.
“As bases que constituem a violência e o patriarcado se transformou nesses últimos 18 anos. O fundamento da violência é o mesmo, mas a roupagem e a “sofisticação” camuflam a identidade do agressor. Isso acontece na Deepweb (internet profunda), com os chamados red pills (machistas declarados) e outros grupos que defendem o ódio e a misoginia contra as mulheres”, explicou.
Do PT na Câmara