Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, publicada na edição desta sexta-feira (19), o presidente do PT, Rui Falcão, reconhece que foram cometidos erros que contribuíram para a formação da imagem de que o PT é um partido corrupto. “Nós nunca dissemos que éramos uma organização de santos”, afirma, mas “um partido inteiro não pode pagar pelo erro de alguns”. Para ele está em curso um processo de criminalização do PT.
Ele admite que o escândalo da Petrobras possa levar à substituição de sua presidente, Graça Foster, mas denuncia que o caso está sendo usado pelas oposições de modo a implicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a própria presidente Dilma Rousseff. Teme que a declaração de inidoneidade das empreiteiras abra as portas do setor para empresas estrangeiras.
O ajuste fiscal – diz – será feito nos termos definidos por Dilma na campanha, sem repercussão sobre emprego e salário. “É uma linha de ação a qual os ministros terão que ficar subordinados”, diz. O PT estará “vigilante”. Conta por que lançou a candidatura Lula para 2018.
Leia os principais trechos da entrevista :
Esta foi a eleição mais difícil vencida pelo PT, desde Lula em 2002. A diferença de votos foi a menor, uma parte da esquerda se desgarrou, o partido elegeu menos deputados e teve desempenho sofrível em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Quais as lições?
Primeiro é preciso fazer um retrospecto de um partido que vai completar 35 anos em fevereiro e que surgiu enfrentando resistências de todo tipo, inclusive de setores que reivindicavam o monopólio da oposição. Um partido que se firmou na sociedade brasileira como experiência nova de organização e projetou essa experiência no plano internacional. Com muito esforço conseguimos pela primeira vez ganhar a presidência da República em 2002 com um operário, o que já foi uma ruptura histórica no país. O presidente concluiu oito anos de governo mudando a história do país e promovendo um processo de ascensão social, distribuição de renda e valorização salarial inédito, que teve continuidade com uma segunda ruptura, que foi eleger uma mulher presidente.
E as lições?
A primeira lição que precisamos extrair é que esse segundo governo da presidente Dilma precisa ser superior, ainda melhor do que o primeiro. É a expectativa dos que votaram em nós. Segunda: é preciso ter um governo que faça a disputa política na sociedade. O PT vai disputar protagonismo. Para isso é preciso ampliar o diálogo do governo com os partidos, com a sociedade e principalmente com os movimentos sociais organizados. Nós do PT precisamos conhecer melhor a sociedade brasileira. Se a gente não vê isso, não vamos entender por que alunos do Prouni são contra as cotas, ou porque rejeitam o Bolsa Família
A presidente ganhou a eleição com um discurso econômico, mas já na formação do ministério indica que vai governar com o discurso da oposição.
A presidenta tem reafirmado todos os seus compromissos de campanha. Não vamos fazer o ajuste para o trabalhador pagar a conta. O ajuste é necessário porque a economia tem problemas, mas parte da crise mundial que tem sido minimizada aqui no Brasil. Não vamos cancelar direitos, não vamos promover arrocho e não vamos promover o desemprego. É uma linha de ação a qual os ministros terão que ficar subordinados.
É possível fazer um ajuste de mais de R$ 100 bilhões sem mexer em direitos?
Enquanto o mundo cancela empregos e direitos, aqui no Brasil nada disso ocorreu e nem vai ocorrer. Nós do PT estaremos vigilantes e temos participação importante no governo para que essa linha de ação definida pela presidenta e definida na campanha tenha respaldo nos movimentos sociais. A presidenta tem também ouvido, nesse período, várias lideranças que nos apoiaram, que são do nosso campo e que vão estar representadas também nas políticas do governo. Essa história de estelionato eleitoral é discurso de oposição. Nós continuamos coerentes com o programa que nós defendemos. A presidenta também.
O PT e Lula pregam a renovação do partido, no entanto, a maior liderança e o nome para a sucessão de 2018 é o do ex-presidente. Não é uma contradição?
Nós estamos mesmo nesse esforço muito grande de renovar o PT. Estamos planejando um encontro de intelectuais em fevereiro. Houve um certo um certo afastamento e eles começaram a voltar. Nós queremos ter a contribuição desses intelectuais, inclusive para o nosso processo de renovação e melhor conhecimento da sociedade brasileira. Agora o Lula, embora possa parecer contraditório, é uma grande liderança individual, mas é uma construção coletiva.
Como assim?
O Lula expressa anos de luta do movimento sindical pela liberdade, anos de luta para construir centrais sindicais que tivessem reconhecimento legal; expressa milhares de pessoas que antes dele lutaram e morreram pra ter democracia no Brasil. Então ele é uma síntese de um amplo movimento coletivo que se criou no Brasil. Ele é um indivíduo, mas a cada momento ele se comporta com a responsabilidade de história coletiva. É por isso que ele não se diz maior que o partido. Evidente que ele tem influência. Mas nunca botou o peso político e a influência dele para reverter decisões.
Mas é o nome para 2018.
Ele mesmo não se coloca para 2018. Eu falei numa entrevista e se propagou. Eu disse vamos eleger a Dilma para o Lula voltar em 2018. Quando eu disse isso, a Marina (Silva, candidata do PSB a presidente) estava em uma alta meteórica, e nesse momento, não com a mesma intensidade do começo do ano, retornou o “Volta, Lula”, que não tinha o beneplácito dele. Era preciso conter essa onda criando expectativa para o futuro. Ao mesmo tempo funcionava como motivação para a militância, naquele momento, de expectativa de um quinto governo.
Lula deve ter mais protagonismo no segundo mandato?
Não é verdade que o Lula vai atrapalhar o governo da Dilma como uma espécie de espectro no Palácio. Ele funciona agora como elemento de contenção para pretensões legítimas que possam surgir antes do tempo devido, que é 2017, não é agora. Agora é o governo da Dilma, não tem candidato para 2018. Para pensar lá temos que fazer um segundo mandato melhor que o primeiro em 2017. Com o tempo o partido vai ver qual é a melhor alternativa para 2018. Não se pode atribuir ao Lula todos os problemas que estamos vivendo, que já vivemos e nem se atribuir a ele todos os sucessos que nós tivemos, inclusive a reeleição da Dilma, que tem muito dele mas tem um esforço coletivo gigante do PT, principalmente, e de outras forças que vieram conosco. O Lula é uma grande referencia para o Nordeste, mas ele não tem a força orgânica que o seu apelo simbólico tem. Nosso trabalho agora no esforço de renovação do PT é fazer a estrutura partidária corresponder aos símbolos de mudanças, de sonhos e das utopias. Nós defendemos transformar isso em organização cotidiana forte na base.
A que atribui a rejeição ao PT, que apareceu forte na eleição?
O PT continua sendo o PT, o partido mais popular do Brasil, o que mais defende os pobres, no imaginário da população, o que mais combate a corrupção, embora apareça igual aos outros nesse sentido, o que mais é capaz de governar e o que mais inovou nas políticas públicas. Mas isso não nos satisfaz, apesar desse juízo popular nós queremos repelir profundamente esse carimbo que puseram em nós de que somos um partido corrupto.
Foi o mensalão?
Já dissemos que o PT cometeu o erro de enveredar pela pratica dos outros partidos, mas isso não era justificativa pra gente também fazer, foi um erro, e pagamos por esse erro. Pagamos e pagamos caro por isso. Nós tivemos na ação penal 470 um processo nitidamente direcionado que excedeu nas penas e que atingiu outras pessoas com penas que nem os homicidas hediondos tiveram. Você não pode punir um partido inteiro pelo erro de alguns. Nós nunca dissemos que éramos uma organização de santos, um convento, mas há um processo de criminalização do conjunto do PT, inclusive tentando atingir a nossa maior liderança. Tentam implicar Lula e Dilma no processo da Petrobras.
Quem?
O PT tem enfrentado oposição por uma parte da sociedade que tem outro projeto, e isso é natural. É uma rejeição ideológica. Mais recentemente estamos sendo vítimas de uma campanha orquestrada para tentar nos destruir, e esse processo passa pela criminalização de lideranças. Passa também por declarações como a do candidato derrotado (Aécio Neves, do PSDB), segundo a qual para acabar com a corrupção basta eliminar o PT. Equivale ao que antigamente dizia o senador Jorge Bornhausen, de que era preciso “acabar com essa raça”.
Não é hora de mudar a lógica da governabilidade?
Sem a reforma política, os governos de coalizão se sucederão dessa maneira de acordos partidários com participação no governo. É preciso uma reforma política que reconstitua a vida partidária e crie partidos programáticos, dê mais efetividade às regras eleitorais, tire o peso do poder econômico da eleição para que você possa ter um modelo de governo mais programático e menos pragmático. Precisamos ampliar a governabilidade.
A crise da Petrobras não está se estendendo muito?
Eu acho. Eu estou preocupado com esse patrimônio que representa 13% do PIB brasileiro e que foi vitima de um processo de corrupção que se arrasta por décadas, que tem contribuído para todo tipo de especulações, com outros interesses. Todos nós estamos de acordo. O PT soltou uma nota pedindo apuração até as últimas consequências, punição aos corruptos e corruptores, mas pedindo para preservar a empresa. A Petrobras propiciou o renascimento da indústria naval, que de 5 mil empregos tem mais de 100 mil empregados hoje, tem uma política de conteúdo nacional que cria uma reação em cadeia inclusive para o desenvolvimento industrial do país. Mas a empresa está em risco por causa da especulação, porque há interesses de acabar com o regime de partilha, a exclusividade da Petrobras e com a política de conteúdo nacional. No paralelo, se você torna inidôneas todas as grandes empresas que são fornecedoras ou prestadoras de serviço da Petrobras, não terá outro caminho a não ser trazer grandes empresas do exterior pra cá. Trazer as sete irmãs pra cá para dividir as concessões.
Para conter a crise não é preciso mudar o comando?
Não há nenhum motivo de ordem moral para que a presidente Graça Foster seja substituída, não há nenhuma razão, é uma gestora íntegra que tem contribuído para apurar tudo que ocorreu lá, que não tem nenhuma participação, nenhuma suspeita e nunca foi mencionada nas investigações. Agora há momentos em que você precisa dar respostas para a situação mais geral. Então seria conveniente – e isso é atribuição do conselho, da presidente Dilma – que se examinasse alternativas no contexto mais geral, porque se você quer substituir alguém tem que ver quem vai colocar no lugar também. Isso precisa de tempo, pesquisa, a pessoa precisa ter compromissos de gestão, sondagens no exterior também porque a Petrobras é uma empresa internacional. É preciso deixar claro que, se alguma substituição tiver que ocorrer, será exclusivamente por razões de cunho administrativo.
Da Redação da Agência PT de Notícias