Estudantes da pós-graduação e professores farão paralisação nas universidades estaduais e federais nesta quarta-feira (2) contra os cortes do governo Bolsonaro nas bolsas de pesquisa e nos recursos do ensino superior. Apesar de o Ministério da Educação ter anunciado na segunda-feira (30) o “descontingenciamento” de cerca de R$ 2 bilhões, ainda restam outros R$ 3,8 bilhões do orçamento previsto para este ano a serem liberados. O governo condiciona a liberação dos recursos à aprovação da “reforma” da Previdência, que supostamente ajudaria a melhorar as expectativas da economia.
Durante a paralisação, serão realizadas aulas públicas e atos nos campi de todo o país para discutir o impacto dos cortes para o desenvolvimento da pesquisa no país. Os pesquisadores afirma que os investimentos em ciência e educação não podem ser utilizados como “moeda de troca” para aprovação de medidas de interesse do governo. A liberação tardia de recursos impõe um cenário de incertezas que impede o devido planejamento do setor, ameaçando, inclusive, o sustento dos bolsistas, que trabalham em regime de dedicação exclusiva.
Segundo a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), foram cortadas, desde o início do ano, 11.800 bolsas de estudo financiadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Outras 4,5 mil bolsas pagas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão ameaçadas.
Os estudantes cobram o repasse imediato dos R$ 330 milhões para o CNPq, a garantia do pagamento das bolsas da agência e o investimento de R$ 948 milhões para o reajuste das bolsas, congeladas há seis anos, além do descontingenciamento do orçamento das universidades federais e outras instituições de ensino e pesquisa. Reivindicam ainda o investimento de 10% do PIB para a educação, como previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), a aplicação de 25% dos recursos do pré-sal e a derrubada da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos sociais por 20 anos.
Segundo a pesquisadora Bia Lopes, integrante da ANPG, a reposição anunciada é insuficiente e o manejo do orçamento pelo ministro da Educação, Abraham Weitraub, revela desconhecimento sobre o funcionamento da produção científica no Brasil. “A gente sabe que esse valor não corresponde à necessidade das universidades, institutos federais e das bolsas de pesquisa. Não foi à toa que esse anúncio foi feito um dia antes da greve dos pós-graduandos. Mas seguiremos organizados para utilizar essa semana como mobilização e conscientização dos estudantes, pesquisadores e bolsistas”, disse ao Jornal Brasil Atual, nesta terça-feira (1º).
Pesquisadores nas ruas
Na quinta-feira (3), os pesquisadores saem às ruas das principais cidades do país para alertar a população sobre os riscos da falta de investimento no desenvolvimento científico. Em São Paulo, os manifestantes se concentram a partir das 17h, na Avenida Paulista, em frente ao Masp.
“É preciso ter estabilidade no financiamento porque, se não, não se consegue gastar e produzir conhecimento, nem fazer com que as universidades funcionem. É um absurdo ficar o ano inteiro falando que vai contingenciar, que não vai ter dinheiro, e liberar um pouquinho no final do ano, sem que as universidades tenham como gastar. É, no mínimo, falta de conhecimento de como funciona o processo científico”, criticou a pesquisadora Mariana Moura, fundadora do coletivo Cientistas Engajados.
Ela lembrou que o presidente Jair Bolsonaro, durante a campanha, prometeu aplicar 3% do PIB em ciência e tecnologia. Nos últimos anos, esse investimento tem girado entre 1,2% e 1,5%. Ela comparou com países desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa, que há décadas investem em torno de 2,5%. Na Coreia do Sul, esse índice atinge 3% e na China, 4%. Sem a aplicação de mais recursos, o Brasil vai continuar a produzir “ciência de ponta” apenas em alguns setores, como a agropecuária. Nesse setor, segundo Mariana, cada R$ 1 investido em pesquisa traz até R$ 12 de retorno em produtividade.
Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Campinas (Unicamp) Wagner Romão, o manejo dos recursos pelo ministro é um tipo de “terrorismo” que ameaça a autonomia das instituições de ensino. “O que ele está fazendo é um tipo de terrorismo, de ameaça, com esses cortes e contingenciamentos, que dificultam em muito a forma de gestão das universidades. Reitores estão tendo que lidar com emergências de dispêndio de recursos, para poder pagar as contas de água, luz e os serviços de segurança e limpeza. Estão sendo ameaçados, desde o início do ano, sobre se esses recursos vão aparecer. Que tipo de gestão é possível fazer com esse clima?”, questionou.