A única certeza que existe em São Paulo é que a Sabesp continuará sendo a principal poluidora das águas do Tietê e das represas do entorno, ainda que cobrando (caro) para entregar serviços que não entrega.
Jerson Kellman, ex-presidente da Sabesp, foi apeado do comando da estatal pelo novo governador na primeira semana de maio e se ofendeu. Adotou um tom bem pretencioso ao sugerir que sua saída teve interferência na queda dos valores das ações da SABESP, com uma perda de R$ 3,4 bilhões em bolsa na semana seguinte, após queda de 15% no valor das ações.
Kelman diz que os acionistas reagiram a sua troca com desconfiança, porque, afinal, disse ele, montou um “time que estava ganhando”. Supervalorizou seu papel na superação da crise hídrica de 2015, esquecendo-se de que a volta das chuvas salvou o então governador Alckmin, e ele próprio, do desastre de planejamento que esteve na origem da crise. Obras emergenciais apenas contornaram a catástrofe. Mas elas não resolveram o problema estrutural do abastecimento na região metropolitana de São Paulo. Neste exato momento, a falta de chuvas e o baixo nível das reservas de água nas represas voltam a trazer a ameaça de reincidência da crise que, de fato, não estava superada.
Kelman alega que sua troca pode ser resultado do “desgaste com alguns prefeitos”. Isso parece ser real, mas não por boas razões. De fato, a Sabesp faz cobrança de valores irreais das cidades que compram água bruta da empresa para distribuição. A SABESP sempre assediou os municípios com serviços próprios, muitos deles eficientes na gestão, e utilizou preços abusivos de água bruta para forçar a entrega de titularidade dos serviços de saneamento. A recente entrega dos serviços de saneamento para a SABESP em Guarulhos é emblemática, pois teve um impacto significativo nas ações da empresa na semana em que o contrato foi assinado. O mercado ficou “feliz” porque anteviu mais dividendos.
A “indisposição” de prefeitos com Kelman revela, na verdade, um antigo vício incentivado pelas gestões anteriores da SABESP, todas tucanas. Em troca de obter contratos leoninos nas cidades que tinham serviços próprios, a SABESP presenteava os prefeitos com asfalto e outras benesses. A oposição a essa “troca de gentilezas” revela mais o alinhamento de Kelman com a satisfação dos investidores do que uma defesa coerente de uma política pública do Estado para com os municípios, em vez da barganha usual.
Quando argumenta que sua sucessora é sua cria, deixa claro que o perfil desejado é aquele que atenda aos interesses dos acionistas, em primeiro lugar. Escreve sobre Karla Bertocco: “… que certamente manterá a Sabesp no caminho para melhor servir à população e aos acionistas.” Em síntese, que ela seguirá as mesmas política por ele implementadas, as quais tentam servir a dois senhores nem sempre alinhados: acionistas e consumidores. Os primeiros querem mais dividendos, os segundos têm direito a melhores serviços.
O problema de fundo apontado por Kelman, porém, remete à decisão da agência reguladora, a ARSESP, de não dar à empresa a revisão tarifária que ela reclamava. Cumprindo seu papel de ente regulador em um raro momento, por pressão social e política, ela recusou-se a incorporar no cálculo da tarifação insumos e despesas que atenderiam aos interesses dos acionistas em detrimento dos direitos dos usuários do serviço público. Sabia-se que a Sabesp estava em busca de um aumento real nas contas de água, bem acima da inflação.
Para ele, isso seria necessário porque o Governo do Estado não realiza investimentos no saneamento. A universalização do tratamento de esgotos só viria, talvez em dez anos, segundo Kelman, se a Sabesp continuasse gozando de tarifas privilegiadas. Mesmo que o acordo de acionistas preveja que grande parte do lucro seja reinvestido na ampliação dos serviços, esse é um paliativo para a ausência de uma política adequada de saneamento do governo do Estado, mesmo nas cidades atendidas pela SABESP. Não é por menos que as promessas de universalização do saneamento em São Paulo nunca são cumpridas e a meta fica cada vez mais distante e incerta.
A única certeza que existe em São Paulo é que a Sabesp continuará sendo a principal poluidora das águas do Tietê e das represas do entorno, ainda que cobrando (caro) para entregar serviços que não entrega.
Fábio Buonavita é Secretário Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT/SP.