Segundo a empresa Top Social Média Statistics estima-se que cerca de 4,9 bilhões de pessoas usem redes sociais em todo o mundo, número que deve alcançar 5,85 bilhões de usuários até 2027.
O termo Fake News – notícias falsas em português – foi popularizado nas eleições nos Estados Unidos em 2016, ganhou escala mundial e teve grande impacto nas eleições no Brasil em 2018 e 2022 e em todos os grandes momentos políticos do país.
De má-fé cria-se narrativas categóricas, de fácil absorção pelas pessoas, geralmente com vídeos ou imagens manipuladas para parecerem verdadeiras. O conteúdo é distribuído nas redes sociais, com destaque para os aplicativos de envio pelo celular, como WhatsApp e Telegram.
Existem vários estudos que apontam o grande impacto das redes sociais e da disseminação de desinformação na democracia dos países.
No Brasil, de acordo com o Panorama Político 2023, pesquisa realizada pelo Senado Federal, pelo menos 76% da população foi exposta a informações falsas sobre política no segundo semestre de 2022. A pesquisa revelou que 89% dos entrevistados tiveram contato com notícias políticas falsas nas redes sociais, sendo 67% por meio de aplicativos de mensagens e 83% em redes como Facebook, Instagram e YouTube.
Além disso, o estudo mostrou que as notícias falsas originadas nas redes são amplamente difundidas por meio de conversas com amigos e colegas (66%), noticiários de TV (65%), conversas com familiares (57%), jornais e revistas locais e nacionais (55% e 53%, respectivamente).
O impacto das Fake News é de potência incalculável, que vai da irracionalidade contemporânea, fortemente influenciada pelo fundamentalismo religioso, que faz com que se duvide de dados científicos fartamente comprovados em prol de teorias conspiratórias, até a criação de falsos fatos sobre pessoas para atingi-las das mais diversas formas.
Criadores de Fake News não têm escrúpulos e são capazes de utilizar os momentos mais críticos e de fragilidade humana para espalhar elementos inverídicos.
É o que está acontecendo no Rio Grande do Sul durante a catástrofe ambiental dos rios e lagos que estão inundando cidades, causando mortes, destruindo casas e desalojando moradores. São centenas de vídeos circulando com informações falsas tentando desacreditar o trabalho que os órgãos dos governos vêm realizando juntos para auxiliar na tragédia que se abate sobre o Estado, distorcendo dados, criando mentiras.
Campanhas como “o povo pelo povo” capitaneada pelo autodenominado influenciador e ex-BBB Nego Di tentam mostrar que o Estado não resolve as crises e, ao oposto, atrapalha. A disseminação de notícias inverídicas, como a cobrança de impostos para a entrada de produtos para o socorro às vítimas e o impedimento da distribuição de produtos por falta de nota fiscal, além de um número de mortos muito superior ao real, circula para fazer uso político da tragédia.
A narrativa que se ser impor é de que o povo está abandonado pelo Estado e que está resolvendo sozinho como sair da calamidade.
Nada é inocente ou por acaso. Nessa empreitada estão os interessados em desacreditar os poderes públicos, em especial o governo federal.
A capacidade da extrema direita de pautar o debate público a partir de mentiras impressiona. E colabora para desencorajar a ajuda humanitária da sociedade em geral, provocando uma diminuição da legitimidade dos agentes no território, rompendo com confiança e extrapolando até mesmo os limites de ações de fraternidade e respeito.
Os impactos dos fatos mentirosos são nefastos em qualquer tempo, porque desacreditam as instituições e afrontam a democracia. Durante uma catástrofe, com pessoas morrendo, perdendo suas casas, familiares e amigos, a manipulação da informação aumenta a fragilidade e o desespero, provocam pânico, além de obrigar as autoridades a gastarem tempo e energia para desmentir as notícias falsas.
São vídeos e fotos fora de contexto e com imagens e montagens toscas, até mesmo de catástrofes antigas em outros países, além de postagens que são verdadeiras fraudes e declarações criminosas a respeito do trabalho que vem sendo feito pelos órgãos federais, em conjunto com autoridades locais, para socorrer o povo gaúcho.
A pedido da Advocacia Geral da União a Polícia Federal abriu investigação sobre as Fake News e há ações da sociedade civil em andamento para fazer denúncias. Reforçar essas campanhas é uma necessidade. Contudo, parece evidente um controle sobre a disseminação de mentiras não ocorrerá sem alguma regulamentação das plataformas. Tal é o objetivo do Projeto de Lei 2.630/20 apelidado de “PL das Fake News”, retirado da pauta da Câmara dos Deputados pelo presidente Arthur Lira, com mudança na relatoria do Deputado Orlando Silva e criação de um grupo de trabalho para apresentar um texto.
A atuação contra as milicias digitais, que afetam diretamente o direito à informação não ocorrerá sem que as grandes empresas de tecnologia, chamadas “big techs”, assumam sua responsabilidade ou sejam responsabilizadas, sobretudo por um ponto nevrálgico que costuma ser tratado como menor. Por trás da disseminação de inverdades há a monetização. Os chamados influenciadores propagadores de informações mentirosas fabricadas não apenas ficam isentos de responsabilidade, mas são remunerados por elas, justamente porque há um alto engajamento, que também gera retorno financeiro à plataforma.
Resumindo, as mentiras dão lucro!
Ao lado disso tenta-se, sempre sob o falso manto da liberdade de expressão e de combate à censura, sabotar qualquer debate que busque medidas legais para impor limites às práticas de distorcer a realidade em prejuízo da sociedade.
Argumentos que, a propósito, também são Fake News.
Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD