Não bastassem os estragos institucionais e internacionais promovidos pelo atual governo, o bolsonarismo adentra numa seara ainda mais perigosa: a religião.
Datam da campanha eleitoral os primeiros ataques a bispos católicos que destoavam do discurso ostensivo que levaria a extrema direita ao poder. Na ocasião, Bolsonaro ainda mantinha uma postura ambígua, ora se apresentando como evangélico, ora como católico.
Não escondia, contudo, sua simpatia pela pura violência, enaltecendo a tortura, o armamentismo, o preconceito e a intolerância a tudo que não fosse o homem hétero, branco e cristão.
Mas o palavrório anticorrupção parecia justificar e amortecer tudo.
Passados nove meses de governo, a recente escolha do procurador-geral da República, somada às medidas referentes ao Coaf e Polícia Federal, não deixa dúvida de que, para salvar um filho, Bolsonaro não medirá esforços em vilipendiar a autonomia desses órgãos de Estado.
Com resultados pífios na economia, que se encontra sem escoras para se recuperar, Bolsonaro ensaiou, então, abraçar um nacionalismo tosco em torno da questão da Amazônia. Generais bolsonaristas, cúmplices do projeto mais subserviente da história brasileira aos interesses estrangeiros, saíram em defesa da soberania territorial.
Entretanto, depois de culpar ONGs e governadores pelos incêndios na floresta, viu-se nosso comandante maior diante do fato de que o “dia do fogo” era uma homenagem prestada a ele próprio por grileiros e fazendeiros seus apoiadores. Demonstrava-se, assim, que era ele que não estava apto a cuidar daquilo que lhe foi confiado e que punha em risco nossa integridade como nação.
Na última semana, premido pelas circunstâncias, Bolsonaro apela para a religião em duas ações concertadas: visita o Templo de Salomão, onde é ungido por Edir Macedo, e estimula seus ideólogos a atacar autoridades católicas e o Sínodo da Amazônia, que vem sendo monitorado pela Abin.
Em carta divulgada, os bispos católicos, ao lembrar da tradicional e forte atuação da Igreja Católica na região, reagiram: “Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da Pátria”.
Deixando de lado o habitual espírito ecumênico, católicos e evangélicos começam a se estranhar nas redes sociais.
Quando misturadas, política e religião produzem conflitos sociais duradouros e de difícil reversão.
Mais uma vez, é tudo de que nosso país não precisa.
Fernando Haddad é Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
*Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo