Por que a universidade pública é frequentemente atacada por Bolsonaro?
O Brasil foi dos últimos países da América a criar uma universidade, já no século 20. Colonizadores, monarquistas e os primeiros republicanos tinham em comum o desapreço pela educação em geral e pela educação superior em particular. A universidade só entrou na agenda nacional nos anos 1930, ainda assim de maneira tímida.
No período seguinte, a universidade assumiu algum protagonismo, limitado pelos fatores que distinguem o desenvolvimentismo brasileiro (1930-1980) do asiático: a captura do Estado pelo patrimonialismo, que reservou terra, crédito e o orçamento público às classes proprietárias e o descaso com a educação básica, que mantinha à margem os despossuídos, especialmente os negros.
Patrimonialismo e escravidão são as duas faces da formação nacional.
Nesse contexto, o acesso à educação superior pública ficou restrito às camadas privilegiadas, e a contribuição do pensamento liberal sobre a matéria limitou-se à defesa da cobrança de mensalidade, que, diante do quadro, parecia uma decisão justa.
Os governos progressistas do século 21 tomaram outro caminho. Aumentaram como nunca o investimento em educação básica e mantiveram o investimento público em educação superior como proporção de um PIB em forte expansão.
Isso permitiu dois movimentos simultâneos transformadores: mais do que dobrar o número de cidades que dispõe de um campus de universidade federal e reservar 50% das vagas de ingresso, triplicadas, para egressos da escola pública.
Hoje, pretos e pardos já somam 50,3% dos estudantes nas universidades públicas no Brasil e nada menos do que 67% da população, segundo o Datafolha, defendem a educação superior gratuita.
Enquanto o governo Bolsonaro desmonta o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e todo marco regulatório correspondente, especialmente quanto à educação a distância, que balizava o crescimento com qualidade do setor privado, ele promove investidas frequentes contra a universidade pública, que responde por 90% da pesquisa científica do país.
Independentemente de renda, cor ou credo, a inteligência do país está hoje representada na universidade pública. Um projeto de nação não pode prescindir de sua vitalidade. Atacar sua reputação, como faz Bolsonaro, é próprio de quem tem no horizonte um país submisso.
A recente medida provisória sobre escolha de reitores é inconstitucional pela forma e pelo conteúdo. Esse novo ataque à autonomia universitária é só mais uma ação sórdida contra a democracia que deve ser combatida.
Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
*Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo