Há algo mais importante do que saber qual será a decisão final do STF sobre a possibilidade de cumprimento antecipado da pena. Cabe examinar, preliminarmente, se os ministros da Corte estão proferindo seus votos de acordo com o que pensam, sem nenhum tipo de constrangimento.
Se a resposta for positiva, teremos algum motivo para celebrar o 15 de novembro. Caso contrário, estarão mais uma vez repostas as condições de perpetuação da nossa falsa República, proclamada sem nunca ter sido. Não quero entrar no mérito sobre o que significa o comando de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A mim parece inequívoco, mas não quero ocupar esse espaço com minha posição, de resto já defendida com muita competência por juristas consagrados.
Importa sublinhar, entretanto, que todos os 11 ministros do STF já se manifestaram de forma cristalina sobre sua interpretação desse dispositivo, e muito recentemente. O pronunciamento de um ministro pode nos desagradar, mas é inegável que todos procuraram fundamentar, com mais ou menos brilho, seu ponto de vista.
Por outro lado, pressões ilegítimas sobre a Corte têm sido recorrentes. Vindas sempre do mesmo lado. As ameaças feitas pelos generais bolsonaristas são explícitas e públicas. Preveem uma convulsão social que eles próprios insuflam como forma de submeter ministros do STF a sua vontade. Meios de comunicação de massa comparam a legislação brasileira com a de outros países como se fosse possível a um ministro do STF interpretar a nossa Constituição com base nos princípios constitucionais adotados por outras jurisdições.
Falsas estatísticas sobre o número de presos eventualmente beneficiados por interpretação garantista são disseminadas para causar pânico, quando sabemos, graças ao Conselho Nacional de Justiça, que a decisão do STF afetaria, no máximo, 0,6% da população carcerária.
Por si só, o número desnuda a faceta populista do pacote anticrime do governo, que, entre outras medidas, propõe emenda constitucional que dá amparo à prisão após decisão de segunda instância, reconhecendo, implicitamente, que a atual redação não acolhe essa pretensão, ao mesmo tempo em que desconsidera que o dispositivo é cláusula pétrea e, como tal, irreformável.
Faria bem admitir que os recursos protelatórios cabíveis de uma decisão judicial são matéria infraconstitucional que deve ser aperfeiçoada, dando novos contornos e ritmo ao trânsito em julgado. Que o STF resista ao populismo e recupere seu papel contramajoritário, pedra angular da República!
Fernando Haddad, professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.