É fato extremamente raro que ministros de Estado gozem de avaliação mais favorável do que o chefe do Executivo. Segundo a última pesquisa Datafolha, Bolsonaro aparece como o presidente eleito mais desaprovado no primeiro ano de governo na comparação com seus antecessores, mas, curiosamente, conta com três ministros mais aprovados do que ele próprio: Moro, Damares e Guedes.
Esse aparente descompasso tem sua razão de ser. Em outra coluna (“Geringonça”, 2/11), salientei que o governo Bolsonaro mais parece uma geringonça composta por três núcleos: autoritarismo, fundamentalismo e neoliberalismo. O Datafolha revelou os respectivos expoentes de cada um deles, naquela ordem.
A aprovação ao governo é menor do que a de cada núcleo isolado justamente pelo fato de que a soma dos três forma um todo desengonçado, mas, por mais paradoxal que pareça, é isso que garante a estabilidade da aprovação de Bolsonaro na casa dos 30%.
Há neoliberais que desaprovam a ameaça de um novo AI-5; há neopentecostais que são contra tributar o seguro-desemprego; há autoritários que são contra a subserviência aos EUA. Assim, o todo pode ser menor que a soma das partes, mas é duvidoso que ele seria maior sem uma delas.
A tese da geringonça ganhou impulso. Vinicius Torres Freire, em artigo nessa Folha, utiliza o termo com novos argumentos. Para ele, o arranjo deve ser compreendido mais amplamente, não só quanto ao governo em si, ou seja, ao poder Executivo, como também quanto à relação entre os poderes, particularmente entre o Executivo e o Legislativo.
Segundo Freire, o país convive com um parlamentarismo encardido, em que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, organiza a agenda econômica, sem o que, para o articulista, o país estaria em convulsão, enquanto contém as investidas autoritárias e fundamentalistas do governo e modera, eu acrescentaria, o apetite ultraneoliberal de Guedes.
Por exemplo, o excludente de ilicitude de Moro, verdadeira licença para matar, e a capitalização de Guedes, desestímulo ao pobre viver, foram barrados pelo Congresso e, na prática, foram aprovados o pacote de segurança de Alexandre de Moraes e a reforma da Previdência de Henrique Meirelles.
Bolsonaro segue sua cruzada obscurantista. Para manter sua base social, pouco importa se seus projetos extravagantes prosperam frente aos dois outros poderes. Suas derrotas, inclusive, dão a ele, perante seus apoiadores, ares de paladino da ordem e da moralidade. Enquanto isso, o Congresso pensa que governa e o Judiciário pensa que legisla.
Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo