Enquanto os EUA e a Europa atravessam uma devastadora segunda onda de Covid-19 justamente quando os dois continentes preparam-se para o rigoroso inverno se aproxima, o Brasil encara as festas de fim de ano e a chegada do verão diante de um preocupante quadro de alta de casos da doença. Nas últimas semanas, o país viu subir a média móvel de mortes e novos casos e se já aproxima de 180 mil mortes. O governo federal se recusa a apresentar um plano de contenção da pandemia e segue, na verdade, trabalhando pelo vírus. Neste final de semana, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro divulgaram a hashtag #VaiTerNatalSim para estimular os encontros familiares. Especialistas preveem um janeiro “complicado”, relata reportagem do ‘UOL’. Nesta segunda-feira (7), o Brasil chegou a 6,6 milhões de infecções e 177 mil mortes em decorrência da doença.
“Todos nós queremos estar com nossos entes queridos durante as próximas férias, mas não devemos ser complacentes”, advertiu, nesta segunda, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. “A Covid-19 está mudando a maneira como celebramos, mas isso não significa que não podemos comemorar. Esteja seguro: siga as orientações locais, fique com sua família e evite multidões”, aconselhou. O problema, no caso do Brasil, é que as orientações locais podem simplesmente não existir, dependendo do estado, consequência da falta de coordenação nacional no enfrentamento do surto.
“Há diferentes posições entre estados, municípios e União”, declarou ao ‘UOL’ o infectologista Valdez Ramalho Madruga. “Tem governador que mandou cancelar evento, mas tem prefeito querendo fazer, enquanto o presidente trata a doença como ‘gripezinha’. A população fica sem saber a quem obedecer”, considera.
Para a infectologista Eliana Bicudo, o governo federal deveria orientar a população em relação às festas para evitar um janeiro “sombrio”. “A saúde pública, a vigilância sanitária e governos têm de se posicionar ou não vamos segurar a situação em janeiro”, alertou.
O quadro é desalentador, se considerada a retomada quase total da vida social, a tal “volta à normalidade”, principalmente entre os jovens de diversas capitais e cidades de médio porte do país. De acordo com reportagem da agência ‘Reuters’ publicada na sexta-feira (4), “jovens brasileiros, animados com a chegada do verão e sofrendo com o cansaço do distanciamento social após meses de confinamento, têm tomado cada vez mais as ruas e praias para se divertir”.
Jovem contamina 18 familiares após ‘balada’
A agência relatou a história de uma jovem de Curitiba que, após uma noite com amigos na “balada”, infectou 18 familiares, três dos quais morreram por complicações decorrentes da doença. Especialistas em saúde pública apontam que uma taxa de transmissão acelerada entre jovens tem contribuído muito para o aumento de casos e mortes por Covid-19. O temor é de uma segunda onda ainda maior em janeiro.
“A preocupação é muito grande, o governo precisa agir”, avisa o pesquisador da Fiocruz, Diogo Xavier, em depoimento à ‘Reuters’. “Ainda temos a oportunidade de tomar as medidas cabíveis e evitar que isso aconteça. Caso contrário, teremos um colapso do sistema de saúde ”, pondera. A agência assinala que várias cidades que desativaram hospitais de campanha usados para receber pacientes COVID-19 no primeiro estágio da pandemia agora estão lutando por mais capacidade hospitalar.
Imunização coletiva está distante
Nesta segunda-feira, o governador de São Paulo João Dória anunciou que a vacinação contra a covid-19 terá início em 25 de janeiro. O plano prevê prioritariamente a imunização de idosos, profissionais de saúde, indígenas e quilombolas. Para o ex-secretário de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, no entanto, uma campanha nacional de vacinação não será possível já no primeiro semestre, conforme declarou ao ‘El País’.
Segundo o especialista, as vacinas não chegarão ao mesmo tempo. “Então não é possível ficar planejando uma grande campanha ao mesmo tempo já a partir do primeiro trimestre”, avaliou Oliveira, que teme ainda um descontrole da pandemia já no início do ano que vem.
Além da dificuldade logística de operacionalizar uma campanha em um país de dimensões continentais, autoridades de saúde ainda terão de lidar com as campanhas de desinformação e desestímulo em relação à segurança das vacinas, estratégia adotada pelo próprio presidente. Em comunicado oficial no site da OMS, a agência alertou sobre o poder destrutivo da indústria das fake news quanto à eficácia de um programa global de imunização.
“Mesmo depois de superarmos os desafios iminentes de suprimento suficiente, implementação eficiente e acesso equitativo, a hesitação em relação à vacina continuará sendo um grande obstáculo para alcançar a imunidade coletiva que pode proteger a todos nós”, diz a OMS. Além do desafio da vacinação coletiva, insiste a agência da ONU, “as vacinas serão novas e provavelmente serão apenas parcialmente eficazes por um período de tempo ainda desconhecido”.
EUA em descontrole
Nos EUA, a situação de total descontrole – também fruto, mais recentemente, da esperança depositada na imunização – vem sendo objeto de sucessivos alertas das autoridades, que insistem que o anúncio de um programa de vacinação em massa, por mais promissor que seja, não pode servir de justificativa para um afrouxamento das medidas de proteção contra o avanço do vírus.
De acordo com a ‘Associated Press’, com o aumento implacável de novas infecções de costa a costa, as autoridades estão pedindo às pessoas novamente que usem máscaras, pratiquem o distanciamento social e sigam todas as medidas básicas de prevenção.
A agência relata que a maior parte da Califórnia voltou ao ‘lockdown’ neste domingo (6). Os EUA já ultrapassaram a marca de 15 milhões de infecções e perderam quase 290 mil americanos para a doença. Com e eleição do democrata Joe Biden, especialistas afirmam que os EUA terão melhores condições de controlar a pandemia, uma vez que espera-se que o novo governo irá ampliar a capacidade de testagens e o rastreio de casos suspeitos, ações consideradas fundamentais para o sucesso na luta contra o vírus.
Respondendo a uma segunda pesquisa feita pelo ‘New York Times’ com epidemiologistas – a primeira foi há seis meses – a professora associada da Universidade de Minnesota Rachel Widome deu uma resposta muito diferente sobre as perspectivas em relação a um bloqueio do surto comparada à primeira entrevista.
“É engraçado: quando você perguntou isso antes, eu estava muito otimista sobre os EUA serem capazes de liderar e resolver isso (a pandemia) em tempo hábil”, afirmou Widome. “Eu disse que achava que as coisas estariam melhores agora. Estava muito errada. Estão dramaticamente piores”.