Da Carta Maior – Com a autoridade de quem se tornou o pior cabo eleitoral do país, tamanha rejeição ao seu governo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso saiu dos bastidores para insuflar a onda do impeachment, ao lado do “afilhado”, o senador Aécio Neves. Sob o lema “chegou a hora de nós termos orgulho do que fizemos e do que somos”, FHC se arvora de “estadista” em busca do resgate da popularidade.
Com pompa e cirscunstância, concedidas pelo PIG – o Partido da Imprensa Golpista – FHC usa e abusa de termos como “democracia”, “decência”, “reconstrução da vida política” quando o assunto não passa do mais descarado golpismo. Em sua página do Facebook, ao expressar votos para 2016, ele desejou “coragem para fazermos as mudanças necessárias”. Dias antes, havia bradado a “legitimidade” do impeachment na rede social.
Sua presença se fez notar, ao longo de 2015, passando a agenda do golpe. Em agosto, FHC afirmava nas manchetes dos principais jornais do país que a renúncia de Dilma seria “um gesto de grandeza”. Em setembro, indicava a data: “não sabemos quem estará de pé em 3 meses”.
No esforço de repaginar a própria imagem, uma dura realidade: a popularidade do ex-presidente continua péssima. Em junho de 2014, pesquisa do Datafolha apontava que 57% dos entrevistados não votariam em um candidato indicado por ele “de jeito nenhum”. E mais: 43% dos eleitores de Aécio – desconhecido no período – diziam o mesmo.
Operação “abafa FHC” – Os 57% de rejeição a um nome apoiado por FHC, registrado em 2014, é exatamente o mesmo índice divulgado em março de 2001, em pesquisa CNI-IBOPE. Frente à impopularidade do grão-tucano, o então candidato José Serra não teve dúvidas: em 2002, estreou a operação “abafa FHC”, repetida à risca por Geraldo Alckmin em 2006.
Questionado pela BBC-Brasil se subiria no palanque durantes as eleições de 2006, FHC procurou se esquivar. “Hoje em dia o palanque é eletrônico, o outro não tem muita importância”, afirmou. Também disse que contribuiria caso lhe pedissem alguma participação ou declaração. Ninguém pediu, pelo contrário. Alckmin tinha de enfrentar o tema das privatizações e lidar com a inevitável discrepância entre os números positivos do Governo Lula e os negativos de FHC.
Dois anos depois, uma pesquisa do CNT/Sensus indicava as intenções de voto para a sucessão presidencial em 2010. Nela, FHC aparecia na intenção de voto espontânea com pífio 1%. Em maio de 2010, com Serra novamente na disputa, outra pesquisa CNT/Sensus reiterava o prejuízo: 55,4% dos entrevistados não votariam em candidato indicado pelo ex-presidente. Com o grão-tucano fora dos programas eleitorais, Serra tentava convencer o eleitorado de que seria o melhor candidato para dar continuidade às realizações do Governo Lula.
Na disputa de 2014, porém, FHC reagiu. Conseguiu encabeçar Aécio Neves – que não era unanimidade entre os tucanos – na disputa presidencial. A retribuição de Aécio pelo apadrinhamento se fez notar em menções públicas ao tucano, ora como “estadista”, ora como responsável pela “estabilização econômica”, ora como tutor nos bastidores da campanha. Ao perderem nas urnas, a parceria se desdobrou em uma nefasta aposta no terceiro turno eleitoral.
Durante a convenção do PSDB, em julho de 2015, FHC mencionou a baixa popularidade. “Popularidade se perde e ganha outra vez. O que eu nunca perdi foi a credibilidade”, bradou. Diante da plumagem de golpista e do tudo ou nada a que se presta, resta a pergunta: qual credibilidade?
A desconfiança da população – Os problemas do FHC com a voz da maioria vêm de longe. Uma passagem pela série histórica do CNI-IBOPE, mais precisamente pelos dados relativos à confiança no Presidente, revela que o índice de desconfiança da população em relação ao tucano se manteve acima dos 50%, ao longo de todo o segundo mandato (1999-2002). Foram quatro anos de governo sob a desconfiança da maioria dos brasileiros, segundo as pesquisas.
Em março de 1999, 54% dos entrevistados afirmavam não confiar em FHC; em dezembro, o índice saltava para 67%. Em dezembro de 2000, 57% manifestavam desconfiança. Em 2001, ela passou de 52% em março para 64% em dezembro. No último mês de mandato de FHC, o índice chegava a 62%. Apenas a título de comparação, em dezembro de 2010, o grau de confiança da população no então presidente Lula batia os 81%. Apenas 14% dos entrevistados disseram não confiar no líder petista.
Aos 83 anos, FHC esbraveja catastrofismos econômicos, sem nenhuma menção, obviamente, ao fato de seu governo ter quebrado o país duas vezes – tema que será aprofundado neste espaço, em breve -, tampouco sobre os riscos que a turbulência política provoca na economia do país.
No artigo “Reinventando a história: o mito da estabilidade no governo FHC”, publicado originalmente no blog de Renato Rabelo, Lécio Moraes desmonta o discurso da estabilidade econômica, apontando a quebra do país em 1999 e 2002, com direito a empréstimos do FMI, aumento estratosférico dos juros e o disparo da dívida pública líquida de 37% do PIB em 1994 para 60% em 2002.
Já a jornalista Maria Inês Nassif, em seu artigo “A autoridade moral de Fernando Henrique Cardoso I”, publicado neste site, trouxe à baila os números do início do segundo mandato de FHC. Em 1999, o país apresentava crescimento de 0,5% do PIB, inflação em 8,9%, investimento público federal em 1,4%, além da perda de 582 mil postos de trabalho e da subida recorde do preço da cesta básica.
Números que explicam, por exemplo, a falta de expectativa entre os entrevistados do Vox Populi, em outubro daquele ano, quando 54% disseram que não teriam chances de melhorar de vida – eles estavam corretos: em 2002, FHC entregaria a faixa presidencial e um país com 12,2% de desemprego.
O presidente que menos combateu a corrupção – Na mesma pesquisa Vox Populi, de 1999, 74% dos entrevistados consideravam que a impunidade estava aumentando e 83% que a corrupção crescia no país. Passados impunes o caso Sivam e o caso da Pasta Rosa (ambos em 1995), a compra da reeleição (1997), entre outros, as privatizações corriam de vento em popa. Uma verdadeira farra que seria destrinchada anos depois, em trabalhos como O Brasil Privatizado (2003) de Aloysio Biondi, que denunciou a perda de R$ 2,4 bilhões com a venda do patrimônio público; e A Privataria Tucana (2011) de Amaury Ribeiro Júnior.
É compreensível, portanto, que após quatro governos e duas décadas, o governo FHC seja lembrando pelo brasileiro como aquele que menos combateu a corrupção. Considerando os três últimos governos, o Instituto Vox Populi divulgou uma pesquisa sobre o tema no mês passado. Lula foi citado por 31% dos entrevistados como o presidente mais atuante no combate à corrupção; Dilma apareceu em segundo lugar, com 29%; e FHC em último, com 11%.
O papel de “vestal da ética”, reiterado por FHC em suas aparições públicas, é espinhoso. Em setembro, no programa partidário do PSDB, que batia na tecla das “pedaladas fiscais” como pretexto para o impeachment, o ex-presidente aparecia em meio a Alckmin, Serra e Aécio, criticando o Governo Dilma e o PT que, segundo ele, “oferece o inferno da crise e do desemprego”.
Nos meios de comunicação, ao comentar as denúncias de corrupção na Petrobras durante o seu governo, FHC vem caprichando nas palavras e tentando emplacar o discurso de “corrupção organizada” (leia-se PT) versus “conduta imprópria” – o termo utilizado por ele quando se trata de corrupção em seu governo.
Outro tema delicado: as doações de empresas ao Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC).
Inaugurado em 2002, com doações de banqueiros, empresários e empreiteiros, o iFHC contou em 2006 com uma generosa contribuição de meio milhão da SABESP, controlada pelos sucessivos governos tucanos em São Paulo. Um ano depois, a Folha estampava em suas páginas: “Sabesp deu R$ 500 mil para projeto de instituto de FHC”, explicando que, por meio da Lei Rouanet, o iFHC contou com R$ 2 milhões em doações diversas, entre as quais, a da Sabesp.
Blindagem deslavada do PIG – Em junho de 2015, quando o presidente do Instituto Lula (IL), Paulo Okamotto, foi convocado a depor na CPI da Petrobras por conta da doação da Camargo Corrêa, investigada pela Lava Jato, vários blogs apontaram que a empreeiteira também havia doado dinheiro ao iFHC, sem que Sérgio Fausto, superintendente executivo do Instituto, tivesse sido convocado a depor na CPI.
A Rede Brasil Atual, inclusive, trouxe em 12 de junho, uma reportagem de Helena Sthephanowitz relatando a doação de R$ 1,7 milhão da empreiteira para o iFHC em 2011, em nome da VBC Energia S.A – pertencente à Camargo Corrêa desde 2009.
Em novembro, quando veio à tona a doação de quase R$ 1 milhão ao iFHC pela Odebrecht, FHC contou com bom espaço para comentar o caso; com direito, inclusive, à divulgação da nota do iFHC em vários meios de comunicação. Um tratamento muito distinto à crimanização destilada contra o Instituto Lula e o ex-presidente petista.
Na manhã de 7 de novembro, um meme criado pelo jornalista Chico Bicudo viralizou nas redes sociais. Bicudo levantava a diferença de tratamento entre duas chamadas, publicadas na mesma página de Política do Estadão, sobre as doações da Odebrechet: uma para o Instituto Lula e a outra para o iFHC.
Na manchete destinada a Lula, sob o título “Lula recebeu quase R$ 4 milhões da Odebrecht, diz PF”, Bicudo apontava a imagem de um Lula agressivo na foto escolhida, citado no título como pessoa física e agente da ação (Lula recebe doação). Além da identificação do nome da empreiteira e a fonte creditada, a Polícia Federal.
Na manchete destinada a FHC: “Empreiteira doou R$ 975 mil a Instituto FHC, aponta laudo”, o jornalista destacava a escolha da imagem de um FHC inofensivo, da empresa doadora sem nome definido no título e como agente da ação (empresa doou), além de FHC surgir como pessoa jurídica (Instituto FHC) e a utilização “aponta laudo”, sem o crédito da fonte.
Blindagem maior, impossível.
Da Carta Maior