Os alertas vêm de todos os lados. Até Kristalina Georgieva, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), avisou nesta terça (15) que o fim do auxílio emergencial vai criar obstáculos à recuperação econômica, aumentar a desigualdade e fazer com que o Brasil chegue a 24 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a descartar a prorrogação do auxílio em 2021.
“Cortar essa corda de salvamento (auxílio emergencial) prematuramente é um perigo para a pobreza e a desigualdade e também para o sucesso na recuperação mais rápida e robusta”, reforçou a diretora do FMI.
Mas para o “mito”, que ameaçou dar “cartão vermelho” a quem falar em Renda Brasil, “aumentar um pouquinho” o Bolsa Família será suficiente para conter a explosão da fome e da miséria que ocorrerá no Brasil como tragédia anunciada, após o fim do benefício que ele e seu ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, postergaram ao máximo para adotar.
“Tenho falado para a equipe econômica, vamos tentar aumentar um pouquinho isso daí. Auxílio é emergencial, o próprio nome diz: é emergencial. Não podemos ficar sinalizando em prorrogar e prorrogar e prorrogar. (…) Acaba agora em dezembro”, disse em entrevista para o “parça” José Luiz Datena, na TV Band.
Sobre o Bolsa Família “reformulado”, o ministro da Cidadania(?), Onyx Lorenzoni, anunciou em novembro que deverá expandir dos atuais 13 milhões para 20 milhões a base de beneficiários do programa. Nada falou sobre as milhões de pessoas que serão lançadas ao mar com o fim do auxílio e não caberão em sua meta de beneficiários.
O sociólogo Rogério Barbosa, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirmou para o jornal ‘O Estado de São Paulo’ que o fim do auxílio emergencial deve fazer com que o país volte aos índices de desigualdade da década de 1980.
“O índice de pobreza, situação de quem recebe até um terço do salário mínimo (hoje, R$ 348), caiu de 18,7% em 2019 para 11% em setembro de 2020. Sem o benefício, esse indicador pode disparar e alcançar 24%, ou seja, quase um quarto de toda a população”, calcula o sociólogo, cujas contas abrangeriam então cerca de 50 milhões de pessoas. Cenário que não se vê no Brasil há pelo menos 20 anos.
Barbosa lembrou: “Quando a pandemia passar – nem sabemos quando vai acontecer – os pequenos negócios não voltarão a funcionar automaticamente. Se não houver um tipo de auxílio para segurar as pessoas que ficarão fora do mercado de trabalho, podemos ter problemas muito graves com a desigualdade”.
A equipe econômica tem um plano de contingência para o fim do auxílio. Entre as “bondades” está a antecipação do 13º para aposentados e pensionistas do INSS e do pagamento do abono salarial. Mas ainda não há comando de acionamento das medidas. A intenção é guardá-las para o momento certo, até porque há desafios adicionais.
Com mais de R$ 600 bilhões em vencimentos concentrados no primeiro quadrimestre de 2021, boa parte deles destinados ao pagamento de títulos da dívida pública que farão a festa dos amigos de Guedes no sistema financeiro, a eventual antecipação de benefícios ou diferimento de tributos pressionaria ainda mais o caixa do Tesouro Nacional. Daí a insistência no discurso do limite de gastos.
Por conta da obsessão com corte de gastos em um momento pré calamitoso, o deputado José Airton Cirilo (PT-CE) afirmou que Guedes age como banqueiro ao dizer que o fim do auxílio serviria para conter a inflação. Na prática, diz, ele sugere que os preços dos alimentos vão cair porque a população mais carente não poderia mais comprá-los.
“É uma visão de capitalista selvagem, porque Guedes é banqueiro. Mas poderia comparar essa estratégia de combate à inflação a coisa pior. Ao invés de trabalhar a retomada do emprego, o incentivo ao empreendedorismo e o poder aquisitivo do brasileiro, o ministro-banqueiro tem a fome como sua principal ação contra a inflação”, observou o parlamentar em audiência pública virtual do Congresso, na última sexta (11).
Sem prorrogação o Brasil viverá o caos social
José Airton Cirilo apresentou emenda à Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) para a prorrogação do auxílio. Nesta segunda (14), o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), apresentou projeto de lei (PL 5494) para estender a concessão de auxílio no valor de R$ 600 para o primeiro semestre de 2021. Segundo o senador, a medida é necessária pelo tempo que levará para que comece no país a vacinação contra o coronavírus.
“Imaginar todo o planeta imunizado e a economia mundial retornando à normalidade não é para agora. Desafios burocráticos, financeiros e de logística são alguns dos entraves que certamente levarão incertezas até pelo menos meados de 2021”, disse Rogério Carvalho.
A proposta apresentada é mais ampla do que a lei atual que regulamenta o auxílio emergencial. Além de tratar as pessoas mais pobres que perderam as condições de se sustentar, o projeto trata também do trabalhador da cultura e do agricultor familiar, além de criar programas específicos voltados a estruturação rural e a geração de renda.
“Buscamos aglutinar o que já houve de consenso entre governo e Parlamento para viabilizar a aprovação rápida do projeto para que não se perca nem um dia no atendimento das demandas da população”, destacou Rogério Carvalho.
Na sessão da Câmara de quinta (10), o deputado federal João Daniel (PT-SE) defendeu um grande plano de auxílio para as famílias até que a pandemia seja debelada. “O orçamento mais importante que podemos aprovar no Congresso é o cuidado com as pessoas, é o cuidado com a vida. São mais de 14 milhões de desempregados. São milhões de homens, mulheres e jovens perdendo a esperança”, ressaltou. Segundo o parlamentar, há um grande programa, até hoje não implantado, de crédito para pequenas e médias empresas.
“Eu espero que, na sessão do Congresso Nacional da próxima semana, possamos derrubar os vetos para que o PL 735 garanta, entre várias alternativas apresentadas e aprovadas na Câmara e no Senado, um grande programa emergencial de crédito para a produção de alimentos, para as áreas da reforma agrária e da agricultura familiar, para a renegociação das dívidas dos pequenos e médios e da agricultura familiar”, afirmou João Daniel, que coordena o Núcleo Agrário da Bancada do PT na Câmara.