O retrocesso econômico e social causado pela extinção do auxílio emergencial para trabalhadores informais poderá levar a desigualdade a regredir a números da década de 1980, uma das “décadas perdidas” da economia brasileira. Essa é uma das conclusões que vêm surgindo nas comunidades de pesquisadores sobre o Brasil em 2021, ainda sob o impacto avassalador da epidemia do coronavírus, agravado pela forma como o desgoverno Bolsonaro tem conduzido suas ações desde o início da crise.
Nesta segunda (11), o jornal ‘O Estado de São Paulo’, apoiador entusiasmado do projeto neoliberal implementado pelo usurpador Michel Temer e, agora, pelo ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, publicou reportagem que lança luz sobre as consequências da extinção do benefício pelo desgoverno Bolsonaro.
Uma pesquisa do especialista em política social Vinícius Botelho publicada pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), por exemplo, prevê que a pobreza extrema em 2021 pode superar a verificada no país antes da Covid-19.
Segundo o estudo, 17,3 milhões de pessoas serão lançadas no poço mais fundo da miséria neste ano. Seria o pior patamar de pobreza desde o início, em 2012, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Durante a pandemia, as pessoas perderam a renda do trabalho. Com o auxílio, essa queda foi compensada, mas, como não há alternativa para 2021, podemos cair em uma situação pior do que antes. É como se o Brasil tivesse feito um ‘voo de galinha’ na redução da pobreza”, comparou Botelho, ex-secretário dos ministérios da Cidadania e do Desenvolvimento Social
Já um levantamento do pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), estima que o fim do auxílio levará a desigualdade a crescer 10%. Para ele, 2020 deve ser um ano perdido na redução das diferenças sociais.
A estimativa leva em consideração a variação do Índice de Gini (medidor da desigualdade, em que quanto mais próximo de 1, pior é a distribuição de renda), que estava em 0,494 em novembro passado. Sem o auxílio, o indicador iria a 0,542 nas mesmas condições daquele mês.
“Boa parte da população que vive abaixo da linha da pobreza tem a renda altamente dependente do auxílio”, lembrou Duque. “Elas estão em regiões ou localidades que são muito pouco dinâmicas, com a economia mais fraca, que terá mais dificuldade para ter um dinamismo na geração de vagas, como o interior do Nordeste”, justificou Duque.
A consultoria Tendências segue o raciocínio de Duque. “As regiões Norte e Nordeste foram as que tiveram o maior número de domicílios beneficiados pelo Auxílio Emergencial, porque são os locais com maior informalidade”, explicou a economista e sócia da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro, ao portal ‘G1’. “Então, o fim do auxílio afeta bastante a região Norte e, especialmente, o Nordeste.”
Um estudo da instituição revelou que o rendimento de moradores da região Norte saltou 13,1% em 2020, e os do Nordeste cresceu 8,3%. A reversão virá em 2021, quando a renda do Norte vai despencar 8,5% e a do Nordeste, 8%. Como comparação, a renda de todo o Brasil cresceu 4,6% no ano passado e deve recuar 3,7% em 2021.
O impacto do benefício também pode ser medido pela taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) regionalizada. Segundo a consultoria, no ano passado a atividade econômica do Norte (-1,9%) e do Nordeste (-3,8%) encolheu bem menos do que a média do país (- 4,4%). Mas em 2021 o cenário também deve se inverter: Nordeste (2,1%) e Norte (2,6%) crescerão abaixo da média nacional, que será de 2,9%.
Outro estudo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que 2,9 milhões de domicílios do país (4,3% do total) sobreviveram, em novembro, apenas com o valor do benefício. O porcentual é bem mais elevado justamente em estados do Norte e Nordeste, como Ceará (8,7%), Piauí (9,6%) e Amapá (12,9%).
Regressão de quarenta anos
Em dezembro passado, o sociólogo Rogério Barbosa, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), previu que o fim do auxílio emergencial pode levar a desigualdade de volta a patamares dos anos 1980.
Pelas contas dele, o índice de pobreza, situação de quem recebe até um terço do salário mínimo (hoje, R$ 348), caiu de 18,7% em 2019 para 11% em setembro de 2020. Sem o auxílio, esse indicador pode disparar e alcançar 24%, ou quase um quarto da população. A informalidade — que está em 40% — pode alcançar mais da metade da população.
Segundo Barbosa, o auxílio diminuiu a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos. Mas com o fim do benefício, a economia ainda não recuperada e o aumento na fila do desemprego, a situação irá regredir à observada nos anos 1980.
“Quando a pandemia passar, nem sabemos quando vai acontecer, os pequenos negócios não voltarão a funcionar automaticamente. Se não houver um tipo de auxílio para segurar as pessoas que ficarão fora do mercado de trabalho, podemos ter problemas muito graves com a desigualdade”, afirmou Barbosa.
Além de agravar o endividamento das famílias, pequenos comércios, dos municípios e dos estados, o fim do auxílio deve ter como resultado o retorno do Brasil ao Mapa da Fome. “Nós já tínhamos um quadro no Brasil de retomada do mapa da fome e da miséria e infelizmente quando se vê o fim do auxílio acontecer, a gente retoma essa mesma realidade”, assinala a diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Loureiro Carvalho.
“Nós não temos uma retomada dos empregos e nós não teremos porque não há investimento nenhum do ponto de vista do mundo do trabalho”, observa a assistente social. “Poucos são os brasileiros e brasileiras que conseguem se manter com dignidade em uma situação de não conseguir trabalhar de dia para comer de noite”, completa.
Economista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), João Romero diz que será preciso rever o teto de gastos. “A pandemia trouxe para o centro do debate a necessidade de reforçar mecanismos para garantir o mínimo de dignidade para a população”, defende.
Manutenção do auxílio é condição para apoio do PT em eleição na Câmara
No Congresso Nacional, as bancadas do Partido dos Trabalhadores trabalham pela prorrogação do auxílio enquanto perdurar a fase crítica da pandemia. Os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Paulo Rocha (PT-PA) apresentaram o Projeto de Lei (PL) 5.494/2020, em tramitação, que estende o pagamento do auxílio emergencial durante todo o primeiro semestre de 2021. O deputado federal José Guimarães (PT-CE) elaborou Projeto de lei para prorrogar o auxílio emergencial de R$ 600 por mais quatro meses. O texto foi autenticado na Câmara, mas ainda não foi protocolado.
A bancada do PT na Câmara também decidiu apoiar o candidato do bloco formado por 11 partidos políticos, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), a partir de compromissos firmados pelo candidato com os partidos de oposição (PT, PSB, PDT, PCdoB e Rede). Como condição prioritária, os petistas exigem a ampliação do Bolsa Família e a continuidade de um programa aos moldes do Auxílio Emergencial. A garantia do acesso universal à vacina é outro ponto prioritário, além da criação de tributos sobre a renda dos mais ricos.
A geração de emprego e o fim do arrocho salarial, a segurança alimentar, com apoio à agricultura familiar e assentamentos da Reforma Agrária, e a defesa dos direitos das classes trabalhadoras, com liberdade para organização e modernização de entidades sindicais também fazem parte da agenda.
Os compromissos apresentados ao candidato Baleia Rossi pelas bancadas do PT e dos demais partidos de oposição têm o sentido de enfrentar a agenda de retrocessos pautada pelo governo de extrema-direita no campo dos direitos humanos e dos direitos constitucionais, e em defesa do estado democrático de direito e da soberania nacional.
“Fizemos uma aliança pontual em cima de questões que consideramos essenciais para o povo brasileiro”, afirmou a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), em entrevista à CNN. Ela lembrou que os brasileiros sofrem com “um governo genocida, que não está preocupado com a vida das pessoas, deixando a pandemia correr solta, sem se preocupar com a vacina, com a renda e com o emprego”.
O pesquisador Rogério Barbosa concorda que uma reforma tributária mais progressiva, que taxe mais quem tem mais, será inevitável. “É mais viável um programa de renda que custe R$ 100 bilhões por ano, bem menos do que o auxílio emergencial, que chegou a custar R$ 50 bilhões por mês.”
Da Redação