A próxima edição planetária do Fórum Social Mundial, que começa no dia 13 de março em Salvador, Bahia, Brasil, tem tudo para impactar politicamente nesta conjuntura. Há fortes razões para que o FSM 2018 se transforme numa grande trincheira de resistência à ofensiva do capital em nível internacional, com especial importância para as forças sociais e políticas brasileiras.
A circunstâncias políticas internacionais e nacionais estão impondo esse desafio.
Organizado em apenas um ano, num período dos mais adversos, o 13° FSM foi ganhando a adesão de centenas de organizações e movimentos sociais e sindicais de todo o mundo. Mais de 1300 atividades autogestionadas já foram inscritas, fora centenas de outras que estão sendo organizadas diretamente pela Universidade Federal da Bahia, UFBA. As principais lideranças sociais e políticas brasileiras vão participar do evento e dezenas de grandes personalidades de todos os continentes já confirmaram presença. Para se ter uma ideia da adesão: cerca de mil voluntários do Brasil e de vários países já se inscreveram para trabalhar nas mais diversas áreas. E espera-se entre 60 e 90 mil participantes durante os cinco dias do Fórum.
A presença do Grupo Facilitador do FSM 2018 em alguns eventos importantes da sociedade civil planetária ao longo do ano passado contribuiu para a construção desses resultados, a exemplo da COP 23 em Bonn (Alemanha), da Cúpula União Europeia-África em Abidjan (Costa de Marfim) e a Cúpula dos Povos, realizada em paralelo à reunião da OMC em Buenos Aires, na Argentina, cuja Declaração Final aprovou um forte chamamento rumo ao Fórum na Bahia.
A metodologia de construção do Fórum, como se sabe, referencia uma dinâmica horizontal, autônoma e autogestionada, que está na Carta de Princípios aprovada pelo Conselho Internacional logo após a realização vitoriosa do evento de fundação, em 2001, em Porto Alegre.
Nestes 17 anos, 12 edições planetárias do Fórum foram realizadas no Brasil e em vários outros países (**), além de dezenas de Fóruns descentralizados, temáticos e regionais em todos os continentes, consolidando um amplo, capilarizado e profundo processo político de caráter internacionalista e antineoliberal.
Trata-se, assim, de uma construção consolidada e de acúmulo político de grande importância para as esquerdas e para as forças progressistas e democráticas de todo o mundo, mesmo que se considere os eventos de menor relevância social e política ocorridos ao longo desse período. Ainda mais numa conjuntura de forte ofensiva do capital.
Nesse sentido, muitos que inicialmente hesitaram diante do potencial e do significado político dessa edição planetária do FSM, já estão arrumando as malas e tomando o rumo da Bahia.
A cidade de Salvador vai ser ocupada pelos ativistas do FSM, principalmente o Campus da UFBA, no bairro de Ondina, território central das atividades. Como também a Universidade Estadual da Bahia UNEB, no Cabula, o Parque do Abaeté, em Itapoan, o subúrbio ferroviário, Cajazeiras, o Centro Administrativo e muitas outras áreas.
Grandes acampamentos, como o Intercontinental da Juventude e o dos Indígenas, já começam a ser montados. A grande Marcha de Abertura sairá do Campo Grande e terminará no centro antigo da cidade, na Praça Castro Alves, que “é do povo como o céu é do condor”, nos versos do compositor e cantor baiano Caetano Veloso.
E tudo isso vai acontecer num quadro de aguçamento das contradições em nível global, com novos desdobramentos e riscos decorrentes da crise capitalista iniciada em 2007/2008, com destaque para a América Latina – basta analisar o alto risco de intervenção armada na Venezuela, estimulada pelos Estados Unidos – e a ocorrência de uma forte inflexão política no momento conjuntural vivido no Brasil, para ficar em dois exemplos críticos.
No nosso país, a recente intervenção federal decretada pelo governo golpista no Estado do Rio de Janeiro acentua a tendência à militarização do regime de exceção – já violentado pela judicialização seletiva da política – e aponta para a consumação do que tem sido qualificado como “um golpe dentro do golpe”.
Está aberta assim uma nova fase decisiva de confrontos sociais e políticos que certamente determinará o futuro do país nos próximos anos.
O bloco de classe golpista mantém a ofensiva política, amparado principalmente pela fração hegemônica do capital – o setor financeiro-rentista -, por grande parte do aparato jurídico-policial, pela maioria conservadora no Congresso e pela mídia oligopolizada, mas se desmoraliza cada vez mais diante da grande maioria da sociedade. Um exemplo gritante se expressou nas avenidas, nas transmissões televisivas e nas redes sociais nesse Carnaval.
O governo ilegítimo de Temer avançou radicalmente nos retrocessos sociais, mas se viu obrigado a recuar na conquista da propalada “joia da coroa”, a antirreforma da Previdência, diante da resistência dos partidos de oposição, o PT à frente, dos trabalhadores, dos sindicatos, das Centrais e movimentos sociais e do enorme desgaste da proposta junto à grande maioria da população.
E as classes dominantes têm pela frente o calendário eleitoral deste ano, para o qual ainda não conseguiram construir nenhuma saída minimamente confiável para elas próprias.
É nesta conjuntura de realização do FSM 2018 que algumas questões incontornáveis, tudo indica, terão de ser resolvidas a curto prazo:
Qual será o desfecho da perseguição político-jurídica ao ex-Presidente Lula, que já atingiu um ponto de extrema tensão no conjunto da sociedade?
O que farão as lideranças sociais e políticas diante das ameaças concretas de desfiguração do regime presidencialista ou até mesmo do adiamento das eleições deste ano?
Como reagirão doravante amplos setores populares em face da continuidade da crise econômica, do desemprego, da radical perda de direitos, das dezenas de milhões de devedores com os “nomes sujos”, apesar da propaganda ufanista do governo e da mídia sobre “a retomada da economia”?
É preciso insistir: o bloco de classes que perpetrou o golpe não conseguiu até agora, com tudo o que fez e tem feito de violações à democracia e aos direitos sociais, superar sua maior debilidade política: obter condições de concorrer e vencer eleições presidenciais livres e democráticas.
Essa debilidade não tem sido uma exclusividade das classes dominantes brasileiras. Ela é, na verdade, uma das características marcantes da atual fase de dominação capitalista e da luta de classes em várias partes do mundo, em especial na América Latina. Daí, as restrições acentuadas à democracia e os golpes e tentativas golpistas que, sob variadas formas, vêm ocorrendo no Brasil e em outros países.
As mais de 1300 atividades que serão realizadas no FSM 2018, de modo geral, vão resistir a tudo isso. E mais: muitas delas vão promover programações que se desdobrarão neste ano e no próximo em campanhas e novas atividades após o término do evento.
São muitas, mas é preciso citar pelo menos algumas, com o risco evidente de cometer omissões:
“Assembléia das Democracias”, que deverá reunir lideranças internacionais de peso, inclusive ex-presidentes de alguns países cuja democracia foi golpeada ou está sob ameaça.
“Assembléia Mundial das Mulheres”, que deverá aprovar pontos considerados doravante inegociáveis em suas lutas.
“Assembléia Mundial dos Povos”, que incluirá pelo menos 20 grandes lutas globais para a construção de agendas comuns.
Entre as várias Atividades de Convergências e Conferências, “A Era do Capital Improdutivo. O FSM 2018 e a ampliação das resistências”, que aprofundará o conhecimento e o debate sobre a dominação do capital financeiro no mundo e apresentará propostas de campanhas organizativas de caráter popular, tanto no Brasil quanto no exterior.
E, por fim, a “Ágora dos Futuros”, outra novidade política desse Fórum, na qual serão apresentados, na manhã do último dia, de forma plural e diversa, os resultados e desdobramentos de variadas atividades.
“Um outro Mundo é Possível. Resistir é Criar, Resistir é Transformar”.
** Edições planetárias do FSM no Brasil e no mundo:
2001, 2002, 2003, 2005 e 2012: Brasil, Porto Alegre; e 2009, Belém;
2004: Índia, Mumbai;
2007: Quênia, Nairóbi;
2011: Senegal, Dacar;
2013 e 2015: Tunísia, Túnis;
2016: Canadá, Montreal.
Por Carlos Tibúrcio, jornalista, diretor da Web Radio Democracia no Ar – Rede de Resistência Democrática, um dos fundadores do Fórum Social Mundial pelo Movimento ATTAC-Brasil e atual membro do Grupo Facilitador do FSM 2018 pela Ciranda de Comunicação Compartilhada, coordenou as Equipes de Discursos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma.