No dia 10 de fevereiro de 1980, 1,2 mil pessoas se reuniram no colégio Sion, em São Paulo para fundar o Partido dos Trabalhadores. Arlete Sampaio tinha então 29 anos e havia atuado contra a ditadura na década anterior na Organização Socialista Internacionalista, em Brasília.
Apenas dois anos antes, em 1978, Sampaio havia participado da campanha “Vote nulo por um partido operário”. E em 1980, esse partido – operário, mas não só – se materializava institucionalmente. “Era um alívio ver aquilo que nós sempre sonhamos estar sendo realizado. Um partido de massas, socialista, democrático”, afirma Sampaio, que foi vice-governadora do Distrito Federal e deputada distrital também no DF.
Segundo ela, o PT foi a confluência de uma série de movimentos que queriam o fim da ditadura militar e buscavam construir um partido que efetivamente fosse a voz do povo que nunca havia podido se manifestar. Lideranças sindicais como o ex-presidente Luiz Inácio da Silva, Jacó Bittar, Olívio Dutra, setores da igreja progressista, movimentos do campo, intelectuais progressistas, e setores da esquerda que viviam na clandestinidade, como a própria Arlete.
“Tudo isso amalgamou esse partido que é alguma coisa extremamente nova e diferente em todos os partidos de esquerda do mundo”, conta ela.
Um partido libertário, que encantava a população, relembra Sampaio. “Acho que as ideias de liberdade do PT foram fundamentais para ele ser esse partido forte que ele é hoje. A gente tem que voltar a encantar”.
Democracia
“O PT necessariamente tinha que ser um partido democrático que rompesse com as tradições do stalinismo, dos partidos comunistas, dos partidos sociais democratas e que fosse algo efetivamente novo”, explica Sampaio. A ex-deputada relembra do manifesto de fundação do partido – “um dos textos mais bonitos que eu já li” – e que já afirmava o compromisso democrático do partido. “O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massa”, dizia o documento.
O socialismo democrático foi de fato um dos principais conceitos que perpassou a história do partido.
“A primeira grande tarefa do Partido dos Trabalhadores era lutar pela redemocratização do país e pelo fim da ditadura militar”, afirma Sampaio. “O PT começa a romper estruturas arcaicas ainda da ditadura”, explica.
A luta pela constituição da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a constituição de sindicatos independentes representava, segundo ela, rupturas com o processo conservador que o país vivia. “Nós encabeçamos o movimento das Diretas Já para que o Brasil pudesse voltar à democracia”.
“A primeira grande tarefa do partido dos trabalhadores era lutar pela redemocratização do país e pelo fim da ditadura militar”
Crescimento eleitoral
No início, conta Sampaio, a população ainda desconhecia o PT, que era vítima de uma campanha difamatória por parte da direita. “Nas primeiras eleições, em 1982, a gente percebeu que o povo tinha medo. O povo não conhecia e a direita espalhava que a gente era um bando de comunista que ia pegar a casa deles, que ia fechar igreja”, lembra.
“Mas quando começamos a ganhar prefeituras importantes e implantar o modo petista de governar a gente começou a ganhar espaço na sociedade as pessoas começaram a perceber que esse povo do PT não fechou igreja não, esse povo do PT respeita as igrejas, as religiões e defende o estado laico”, conta.
“Esse povo do PT não tomou casa de ninguém, pelo contrário, fez com que a educação funcionasse, a saúde melhorasse, teve melhorias nos bairros mais pobres que sempre foram esquecidos, então o partido começou a ganhar a opinião pública, além da atuação institucional na Cãmara e no Senado, defendendo o interesse dos trabalhadores”, diz.
“Esse povo do PT não tomou casa de ninguém, pelo contrário, fez com que a educação funcionasse, a saúde melhorasse, teve melhorias nos bairros mais pobres que sempre foram esquecidos, então o partido começou a ganhar a opinião pública,
Tudo isso foi se somando e fazendo que o PT passasse a ser uma esperança de um povo que sempre ficou para trás e que passou a ter vez e voz. “Então foi assim que o PT foi ganhando espaço, galgando governos estaduais, até o governo da União com o Lula em 2002 ganhando as eleições”.
Congressos Nacionais do PT
O 1º Congresso do PT foi em 1991. “Em 1991, já três anos depois da nova Constituição, havia enfrentamentos duros em relação ao governo de Fernando Collor e o PT expressava a vontade de aprofundar processo democrático no Brasil e fazer com que o povo que fosse excluído das decisões pudesse participar”, lembra Sampaio.
A bandeira que já se expressava nas administrações petistas era a do orçamento participativo, que possibilitava que a população decidisse diretamente quais seriam as prioridades da sociedade.
“Uma nova relação do estado com a sociedade, um projeto de desenvolvimento nacional e de desenvolvimento para o país, eram objeto do debate interno do Partido dos Trabalhadores, e de que maneira o PT pode caminhar na perspectiva da construção do socialismo e de uma nova realidade do país. Tudo isso era foco da nossa preocupação no 1º Congresso do PT”.
Segundo ela, foi um congresso muito inspirado na campanha de 1989, em que Lula chegou ao segundo turno, mas perdeu depois de uma campanha com forte manipulação midiática, sobretudo da Rede Globo. “O PT precisava retomar um projeto nacional e batalhar para que o Brasil fosse cada vez mais democrático e combatesse toda sorte de corrupção que o governo do Collor representava”, diz.
“Os encontros do PT sempre foram muito importantes, espaços de muito debate, e o Congresso seguiu essa linha. Teve uma preocupação muito grande em renovar estatuto, as normas internas do partido, mas seguiu o mesmo curso que os encontros do partido tinham dado”, explica.
Processo de Eleições Diretas
Para ela, a força dos encontros e congressos do partido se modificou no momento que o partido adotou o Processo de Eleições Diretas (PED), definido no 2º Congresso Nacional do Partido, em 1999. “Foi um desacerto o partido ter adotado essa sistemática porque tirou muito o caráter de debate forte, empolgado da militância, que eram os congressos e os encontros do partido”, avalia Arlete.
“A partir do momento que se adota o PED há um esvaziamento do fórum de discussão e há uma priorização da disputa interna de uma forma a trazer para dentro do partido todos os vícios que a gente tinha no sistema político brasileiro, a disputa de fazer filiações em massa, de transportar eleitores para o PED, a disputa de utilização de recursos”.
Para ela, a história do PT é marcada por momentos fortes de debate interno muito ricos, e que se diluíram depois com a adoção do PED para dar uma maior prioridade a disputa pelo poder interno do Partido dos Trabalhadores. “Acho que faz parte admitir que não podemos continuar com essa prática do processo de eleições diretas”, diz.
Um partido de base
Outra característica marcante do PT, afirma Sampaio, é a sua base partidária ativa. Nos primeiros anos, a base era distribuída nos núcleos de base. “No início todos os militantes participavam de um núcleo de base. Se eu sou médica, eu participava do núcleo de base da saúde, e discutia a intervenção na saúde. Não só pela questão dos sindicatos, mas como vamos fazer para lutar pela saúde pública, do funcionamento das instituições voltadas à saúde”.
Os núcleos se reuniam semanalmente ou quinzenalmente e eram essenciais para o fortalecimento do partido. Posicionamentos importantes foram decididos pela base. Por exemplo, em 1993 foi realizado um plebiscito sobre a forma e o sistema de governo no Brasil.
Sampaio conta que a direção defendia o parlamentarismo, mas a base conseguiu mudar a posição do partido para a defesa do presidencialismo. “A base alimenta, oxigena a direção partidária”, afirma. Sampaio acredita que é necessário reduzir a distância entre a direção e a base e resgatar essa ideia de militância permanente. “A gente não quer ter cabo eleitoral, a gente quer ter militante.”
Golpe e autocrítica
Para Arlete Sampaio, as conquistas nesses anos de governo foram muitas. “Nós fizemos coisas importantíssimas no Brasil, elevar milhares de brasileiros à classe média, tirar as pessoas da extrema pobreza, que a gente tivesse um nível de emprego jamais visto, mais universidades e oportunidades para a juventude, avançar na questão racial, na conquista das mulheres. Foi uma pequena revolução que a gente fez pelo Brasil”, explica.
Faltou, segundo sua visão, fazer uma disputa de hegemonia e que deve ser realizada em um novo momento no governo central. “O 6 º Congresso do partido tem que se debruçar nessa avaliação de 12 anos, dos erros e acertos e do que deixou de fazer, reforma política, tributária, regulamentação da mídia, tudo isso a gente deixou de fazer, e talvez tivesse outra realidade hoje”, diz ela.
Para a ex-deputada distrital, era necessário fazer a discussão com a sociedade de que aquelas políticas que beneficiaram milhões só foram possíveis porque havia um governo de esquerda no poder.
“Muita gente beneficiária dos nossos programas estava na rua contra nós. A gente tem que fazer diferente para que da próxima vez não seja assim. É uma disputa de hegemonia”.
Foi a partir dessa fragilidade que um conluio entre mídia, interesses americanos, setores da classe média e da elite nacional conseguiram realizar o golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, em 2016. As políticas de Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma em 2015, contrariaram a campanha da presidenta em 2014, o que também ajudou a fragilizar o partido, analisa Arlete.
“Hoje estamos governados por corruptos e a corrupção está entranhada em todos os espaços institucionais do país. Não houve combate à corrupção, houve combate a um projeto político e as pessoas estão começando a ver isso.”
Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias