Foi do ex-presidente Lula, bastante emocionado, a melhor definição sobre o companheiro Marco Aurélio Garcia, que nos deixou quinta-feira, aos 76 anos, em São Paulo. “Marco Aurélio era uma figura especial, de competência extraordinária, forte nas ideias e no humor.” Amigos por quase quatro décadas, Lula e Marco Aurélio foram artífices da transformação nas relações do Brasil com o mundo, a partir de uma agenda que estimulou o desenvolvimento econômico e social, e que por um breve período nos alçou à condição de importante ator no cenário internacional.
Lula é o líder mais popular de nossa história, reconhecido nos quatro cantos do planeta. Isso decorre não só das transformações sociais promovidas em seus mandatos, que privilegiaram os mais pobres, mas também da mudança de comportamento nas relações externas, com o estabelecimento de uma política altiva e ativa. Em seu governo, nossos representantes deixaram de tirar os sapatos na fila dos aeroportos e passaram a ser tratados com respeito nas discussões travadas em todos os organismos internacionais, desde a ONU até a Organização Mundial do Comércio.
Ao lado do chanceler Celso Amorim, outra grande figura de nosso tempo, Marco Aurélio teve papel fundamental nessa mudança de paradigma. Como bem lembrou Lula, Amorim representava o Estado brasileiro e os interesses de nosso povo nas discussões com as lideranças internacionais. Já Marco Aurélio era o ator político, que circulava em meio aos líderes de esquerda, movimentos sociais e os sindicais com a mesma desenvoltura com que sentava à mesa com delegações diplomáticas.
No Partido dos Trabalhadores, sua presença sempre foi muito marcante. Estimulou a aproximação e troca de experiências com outros movimentos de esquerda latino-americana, por entender que essa união poderia gerar frutos para combater as desigualdades da região. Felizmente, teve o prazer de ver, ainda em vida, a realização de uma parte desse sonho. O Foro de São Paulo, do qual participei recentemente, teve a cabeça e as mãos de Marco Aurélio.
No momento em que golpistas se espalham pelo continente, a exemplo do ocorreu no Brasil, Marco Aurélio mantinha a serenidade. Via oportunidades para contrapor-se à direita xenófoba que cresce no mundo, pois pressentia que algo diferente se constitui nesses momentos. Para ele, a união das esquerdas seria o primeiro passo para enfrentar os aproveitadores que buscam desmontar as conquistas da democracia e dos movimentos sociais. Especificamente sobre o Brasil, dizia tratar-se de um país sem governo e sem direção. E que ao PT caberia apresentar um projeto de nação a partir dos erros e acertos dos governos Lula e Dilma.
É impossível agora não pensarmos em nossa brevidade, mesmo que tenhamos a certeza de que as boas ideias e atitudes deixadas por alguns de nossos companheiros que já se foram permanecerão perenes. Marco Aurélio vai fazer muita falta por sua grande capacidade intelectual e seu jeito de pensar o Brasil, ainda mais nesse momento difícil que o país atravessa. Ele nos deixou subitamente, mas seu sonho de integração e harmonia dos povos, sobretudo os pobres da América Latina, segue vivo e intenso, um legado difícil de ser apagado. Nossa luta continua, companheiro.
*Artigo inicialmente publicado no Blog do Esmael
Gleisi Hoffmann é senadora e presidenta do Partido dos Trabalhadores