Em meados da década de 2000, quem era de Fortaleza e curtia o Carnaval tinha de ir para Recife, Salvador ou Rio de Janeiro para aproveitar os dias de folia. A realidade começou a mudar pelo empenho dos jovens da cidade e pelo incentivo da então prefeita Luizianne Lins (PT), que governou a cidade entre 2007 e 2012, e hoje concorre novamente à prefeitura da capital do Ceará.
Um dos símbolos da transformação é o bloco Luxo da Aldeia, criado em 2006 com repertório exclusivo de músicos cearenses. O grupo leva milhares de pessoas às ruas durante o pré-carnaval e o Carnaval.
Os oito integrantes têm pensamentos e posições plurais entre si. A maioria declara que vai votar em Luizianne para prefeita de Fortaleza nas eleições de 2016.
A turma se divide também em questões futebolísticas: uma parte torce para o Fortaleza, outra para o Ceará (com a exceção de um vascaíno). Há quem prefira as músicas de Ednardo e outros gostam mais de Raimundo Fagner. Há apenas um fator que une a todos: o repúdio ao governo golpista e usurpador de Michel Temer.
Em entrevista à Agência PT, feita em Fortaleza, o percussionista e professor de história Tiago Porto explica por que não aceita o golpe de Temer.
“O processo democrático é o que nos fortalece como cidadão e como ser humano atuante. O processo democrático é saber que perdeu, se reconstruir e tentar a vitória em outro momento. Esse processo, que é tão curto no Brasil, mais uma vez foi quebrado. Eu sinto pela democracia. A sensação é que o voto não vale mais nada”.
Mateus Perdigão, guitarrista e sociólogo, faz coro ao companheiro e vai além:
“O que está acontecendo é um processo de classes. Como diz a Dilma, é um golpe misógino, racista e homofóbico. Estamos vendo uma direita fascista criando força. É um golpe que também foi construído pelos grandes meios de comunicação”.
“O Brasil estava passando por uma transformação nos últimos 13 anos. Não ideal, todos tínhamos críticas para melhorar, mas não para negar o que estava acontecendo no País. É um golpe, sobretudo, classista”, analisa Mateus.
O Luxo da Aldeia se posicionou diversas vezes contra o golpe no Brasil. Eles se apresentaram voluntariamente em dois eventos pela democracia. Um na frente da Universidade Federal do Ceará (UFC), chamado de Virada Cultural contra o Golpe, e outro na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), relacionado ao movimento nacional de resistência artística do Ocupe MinC.
Em março deste ano, o grupo escreveu em sua página do Facebook:
“Nós nos juntaremos a tantos outros para defender a democracia que nos é tão cara e pela qual muitos lutaram durante anos na história recente para que existisse em nosso País. Não se trata de defender governo, partido ou político específico, mas uma legalidade institucional e o Estado Democrático de Direito”.
A militância política é algo que faz parte dos ideais do grupo. Em outra ocasião, o Luxo da Aldeia também participou de um evento contra a redução da maioridade penal.
Luizianne e o Carnaval
A ideia de criar o bloco nasceu em 2006. Foi Marcus Vinicius, pai de Mateus (e também de Bruno Perdigão, outro integrante), que levou a ideia aos jovens, ao saber que Luizianne tinha criado um edital para incentivar os carnavalescos da cidade. O grande diferencial, sugeriu Marcus, era o de tocar só músicas compostas por cearenses. Todos encamparam a ideia.
O nome Luxo da Aldeia foi tirado de um trecho de Terral, sucesso na voz de Ednardo (“Eu sou a nata do lixo / Eu sou o luxo da aldeia / Eu sou o Ceará…”). Entre os músicos homenageados estão, além de Ednardo, Raimundo Fagner, Fausto Nilo, Humberto Teixeira, Lauro Maia, Evaldo Gouveia e outros.
O edital criado por Luizianne (que permanece até hoje, em outro formato) foi fundamental para criar a estrutura para o Luxo da Aldeia e os outros blocos que ansiavam transformar o carnaval da cidade.
Ao fim da gestão da petista, em 2012, havia 114 blocos por toda a cidade, descentralizados, tornando a capital do Ceará uma referência nacional e popular dos dias de folia. A então prefeita também criou a Secretaria de Cultura de Fortaleza. Além dos blocos, houve o incentivo por editais dos desfiles de maracatu da cidade, da festa junina e do réveillon.
Destes 114 blocos, 60 foram apoiados financeiramente via edital. Todos os outros receberam apoio logístico da Guarda Municipal e da Autarquia Municipal de Trânsito. Não é permitido cobrar entrada em nenhum dos blocos apoiados pela prefeitura.
Tiago lembra que, com Luizianne, a festa se tornou mais popular e democrática.
“Antes, havia um pré-carnaval, mas era uma festa privativa, com venda de abadá, cordão de isolamento, nos moldes de Salvador. Pelo edital e pelo fomento de Luizianne, passou a ser na rua, aberto, democrático, sem nenhuma cobrança de ingresso”.
Desde então, o Carnaval de Fortaleza só cresceu. Houve apresentações em que o Luxo da Aldeia tocou para mais de oito mil pessoas. Eles também dividiram o palco com nomes como Moraes Moreira, Fausto Nilo, Amelinha, Chico César, Messias Holanda e outros artistas de reconhecimento nacional.
Para Rodrigo Ildefonso, servidor público e baixista da agremiação, tanto o Luxo da Aldeia quanto os outros blocos da cidade foram fundamentais para promover a cultura cearense aos mais jovens, de forma espontânea e divertida.
“Por causa do Luxo e dos outros blocos, as pessoas passaram a ouvir músicas feitas por cearenses de décadas atrás. Os blocos influenciam demais a cidade”.
Por Bruno Hoffmann, de Fortaleza, para a Agência PT de Notícias