O golpe perpetrado contra a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff pelas forças políticas derrotadas nas eleições de 2014 atingiu em cheio a indústria nacional. Entre 2015, quando uma profusão de pautas-bomba no Congresso Nacional iniciou a sabotagem ao governo, e 2020, já sob a completa ausência de política industrial do desgoverno de Bolsonaro e Guedes, 36,6 mil unidades industriais fecharam as portas.
A conclusão é de um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) publicado pelo jornal ‘O Estado de São Paulo’. Conforme o estudo, só no ano passado, 5,5 mil fábricas encerraram as atividades. Entre 2015 e 2018, o ritmo foi de 17 indústrias fechando as portas por dia no Brasil. Nesse quadro, as micro e pequenas empresas respondem por cerca de 70% dos empregos do país.
O desempenho da indústria nacional está hoje 14% abaixo do pico atingido em 2011. Até 2014, o número de fábricas crescia, mesmo com a indústria de transformação perdendo relevância na economia diante do avanço dos outros setores. Há seis anos, o país tinha 384,7 mil estabelecimentos industriais. No fim do ano passado, a estimativa era de que o número tinha caído para 348,1 mil.
“Um país com as dimensões e a importância estratégica do Brasil não pode assistir impassível sua industrialização tardia, mas pujante, se desmanchar por falta de uma política nacional de desenvolvimento” alertam os dirigentes da Central Única dos Trabalhadores – Paulo Cayres, presidente da CNM / CUT e Secretário Sindical do PT, Sérgio Nobre, presidente da CUT Brasil e Vagner Freitas, vice-presidente da CUT Brasil e do PT, em artigo publicado no portal Brasil 247.
Para os representantes do setor mais atingido pela política neoliberal do atual governo, “a destruição do parque produtivo industrial nacional, portanto, além de jogar fora todo esse investimento e esforço, representa graves consequências para a população e é um verdadeiro desastre para o país”, advertem. “O governo federal, os governos estaduais e o Congresso Nacional precisam reagir e assumir uma postura ativa em prol da retomada de nosso processo de industrialização, alertam.
Com dificuldades para repor as perdas passadas, a indústria de transformação opera 18,4% abaixo do pico alcançado em março de 2011. “A transformação está praticamente parada. Se ela não cai, também não demonstra nenhum tipo de crescimento”, ressaltou André Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do IBGE.
“Tem uma série de fatores influenciando e o setor industrial não consegue de forma alguma deslanchar”, avaliou Macedo. “Tem algum tipo de recuperação, mas sem fôlego para eliminar as perdas do passado.”
Responsável pelo estudo, o economista Fabio Bentes, da Divisão Econômica da CNC, calcula que a fatia da indústria da transformação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro desça a 11,2% em 2020. Será o patamar mais baixo da série histórica iniciada em 1946.
O levantamento da CNC foi feito a partir de duas bases de dados. Uma é a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), sob responsabilidade do Ministério da Economia. Outra é o Sistema de Contas Nacionais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apenas os dados referentes a 2020 são uma projeção, feita com base em estimativas para o PIB da indústria de transformação e a produtividade do setor. Se a produção cresce, cada aumento de um ponto porcentual gera abertura de cerca de 1,2 mil unidades produtivas no ano seguinte. O mesmo raciocínio vale no caso de queda de produção.
“O fechamento de unidades produtivas vai se intensificando e atinge um ápice também mais ou menos depois de um ano”, explicou Bentes. “Diante disso, não se pode descartar que haja uma redução ainda mais forte no número de indústrias este ano.”
O Índice Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física (PIM-PF) do IBGE já havia apontado uma queda de 5,5% no acumulado do ano passado até novembro, ficando 13,9% abaixo do nível recorde, alcançado em maio de 2011. Em 12 meses, a queda é de 5,2%. E sobre os patamares pífios já apresentados em 2019. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o PIB da indústria fechará 2020 com retração de 3,5%.
Já o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) da indústria desceu a 75,1% de novembro para dezembro de 2020. Os dados são da Sondagem da Indústria da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Isso significa que a capacidade ociosa da indústria está bastante elevada”, ponderou a economista Renata Santos de Mello Franco, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV). A última vez que o Nuci esteve acima de 80% foi em 2014. Desde 2015, o nível gira em torno de 70%.
Destruição da economia
Além da desindustrialização, a retração no setor reflete o mercado doméstico em crise, explica o professor do Departamento de Teoria Econômica da Unicamp, Marco Antonio Rocha. Segundo ele, a reforma trabalhista do usurpador Michel Temer, em 2017, desestruturou a capacidade nacional de formar um mercado doméstico vigoroso e gerou empregos de qualidade muito baixa.
“Se qualidade dos empregos gerados é muito baixa, é difícil criar mecanismos de recuperação do mercado doméstico. Esses mecanismos dependem de uma estrutura de ocupação mais sólida, estável”, afirma Rocha, para quem “o pior ainda está por vir”.
Paulo Gala, professor de Economia da FGV-SP, disse à ‘TV 247’ que a destruição econômica brasileira foi tão relevante que somente é possível reverter o quadro com investimento público. “A gente vai ter que ter um programa de investimento público para puxar a indústria, um programa de BNDES, um programa de bancos públicos, um programa de subsídios à inovação tecnológica”, recomendou o professor, para quem o Brasil está se tornando “uma espécie de África”.
“A gente recuou 20, 30 anos na escada do desenvolvimento econômico, e só será possível retomar a industrialização e o crescimento a partir da liderança do Estado. O problema é que isso ainda é um palavrão no Brasil”, lamenta Gala, explicando que o ponto central da recuperação econômica é o emprego.
“Não existe transferência de renda sustentável que não seja o emprego”, sentencia o professor. “No momento, a atual situação do nosso setor privado e do nosso mercado de trabalho é tal que, sem ação do Estado, não haverá recuperação do emprego, muito menos pela via da reforma trabalhista. A reforma trabalhista só achata trabalho e coloca a situação do mercado de consumo ainda pior. O Estado precisa reativar a economia. O que a gente teve na era Lula e Dilma que funcionou? A gente teve pleno emprego.”
Da Redação