O impasse instaurado na concessão do auxílio emergencial aos trabalhadores informais completa nesta quinta (14) duas semanas sem liberação de novos créditos. Dos 96,9 milhões que se candidataram ao benefício, 50,5 milhões receberam a primeira das três parcelas até 30 de abril. Desde então, até a última atualização, na terça (13), os balanços dos pagamentos apontam os mesmos números.
O governo também não divulgou ainda o calendário de pagamento da segunda e da terceira parcelas do auxílio, que foi adiado. A Dataprev, empresa pública responsável pelo processamento dos pedidos, informa que, além dos 50,5 milhões já contemplados, 27,2 milhões foram considerados inelegíveis, e 13,6 milhões devem refazer o processo de cadastramento.
A cada dia surge uma desculpa diferente. Na quarta (13), o presidente Jair Bolsonaro apontou o dedo para os próprios pleiteantes: “São sete milhões em análise. É muita gente que deu o golpe”, explicou, creditando o atraso a outro culpado: “Tem erro também do próprio interessado”. E foi para o Planalto lavar as mãos.
Nova desculpa para atrasar
Nesta quinta (14), o governo escalou outro culpado: a falta de dinheiro em espécie. Segundo o jornal ‘Folha de S. Paulo’, fontes afirmaram que a liberação da segunda parcela do benefício em um momento de baixa quantidade de cédulas circulando poderia inviabilizar operações do sistema bancário. Essas mesmas fontes afirmaram que o Banco Central pediu à Casa da Moeda a antecipação da produção do correspondente a R$ 9 bilhões em cédulas e moedas até o fim de maio.
A dotação orçamentária, que já foi o grande entrave para a liberação do benefício, agora não é mais problema, pois foram liberados R$ 124 bilhões para a execução do programa, diz a reportagem. O Banco Central informou que embora o crédito orçamentário esteja liberado, há risco de faltar cédulas nos bancos para os saques feitos pelos beneficiários.
Enquanto o cronograma continua emperrado, o Ministério da Cidadania, responsável pelo programa, promove reuniões com bancos e operadores do auxílio explicando que, agora, a falta de papel-moeda é o maior entrave.
Além de não liberar o novo calendário de pagamento e não definir definitiva e claramente quem receberá e quem não receberá o benefício, o governo Bolsonaro também não anunciou se vetará ou aprovará, com ou sem vetos, o PL 873/2020, que amplia o alcance do auxílio emergencial para mais categorias profissionais e para mães adolescentes, entre outros pontos. O prazo para manifestação da Presidência sobre o texto, aprovado unanimemente pelo Congresso Nacional em 22 de abril, vence nesta quinta (14).
Responsabilidade é do governo federal
Para os pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária, uma iniciativa para avaliar as políticas públicas adotadas pelos governos no combate à pandemia do coronavírus, a confusão, os atrasos e as aglomerações e filas em portas de agências são resultado de um modelo centralizado e totalmente digitalizado que gerou gargalos na implementação. Também estabeleceu regras que vão deixar mais de 30 milhões de trabalhadores elegíveis fora do programa Renda Básica Emergencial.
Integram a rede pesquisadores da USP, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo e do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
A Nota Técnica 5 da Rede, divulgada na sexta (8), prevê que 6,1 milhões de pessoas não receberão o benefício devido a uma regra que limita o recebimento a apenas dois beneficiários por domicílio. Além delas, outros 26 milhões de trabalhadores de renda média que não têm acesso ao seguro-desemprego não serão cobertos pelo programa se perderem seus empregos.
“É importante registrar que esse número se refere a um cenário anterior à pandemia e deve crescer à medida que a renda comece a ser diretamente afetada, o que aumenta o número de elegíveis por domicílio”, escreveram os pesquisadores na nota.
Os cientistas também avaliaram como equivocada a gestão quase inteiramente centralizada determinada pelo governo federal, ao invés de maior articulação federativa para aproveitar a estrutura da rede de proteção social construída no País ao longo das últimas décadas. Esse equívoco de gestão negligenciou o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em benefício de uma opção de implementação totalmente digital, via Caixa Econômica Federal.
Já em sua concepção, o programa criou dificuldades para parte importante do público-alvo, que não conta com acesso à internet em casa ou tem pouca familiaridade com smartphones e computadores. “Essa é a realidade mais frequente entre os menos escolarizados e mais pobres, exatamente aqueles que constituem a parte fundamental do público-alvo do programa”, diz a nota técnica da Rede de Pesquisa Solidária, que levantou 7,4 milhões de pessoas elegíveis ao auxílio que vivem em domicílios sem acesso à internet.
Na avaliação dos cientistas, a estratégia federativa poderia ter sido uma melhor opção para que o dinheiro efetivamente chegasse a quem precisa. “Os problemas da implementação poderiam ser minimizados caso houvesse articulação entre o governo federal, governadores e prefeitos, para estabelecer uma estratégia de mobilização da estrutura, serviços e mão-de-obra especializada dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS)”, afirmam na Nota Técnica.
O Brasil tem 8.357 CRAS localizados estrategicamente em áreas de maior vulnerabilidade social, em todas as regiões do País. Esses centros têm o potencial de atender quase 29 milhões de domicílios e possuem três frentes de atuação específica de grande relevância durante a pandemia de covid-19: inscrição e atualização do Cadastro Único, regularização de CPF e deslocamento de funcionários para atender cidadãos que vivem em áreas isoladas.
Os pesquisadores consideram que os CRAS seriam uma ferramenta melhor do que o aplicativo da Caixa para o cadastro dos pleiteantes ao auxílio porque pelo menos 20% dos domicílios não têm acesso à internet, situação que é mais crítica em Estados do Norte e do Nordeste. Além disso, entre os menos escolarizados, quase uma a cada quatro pessoas sem ensino médio reside em domicílio sem internet.
Problemas foram previstos por economistas
No Ceará, um dia após o Governo Federal lançar o calendário de pagamento do auxílio, em 7 de abril, economistas já apontavam dificuldades para que o dinheiro não chegasse aos beneficiários de forma universal. Eles citaram a falta de informação, o acesso à tecnologia e a indisponibilidade da rede bancária em vários municípios do interior do Estado.
“Cria-se um problema sério, principalmente, para os mais necessitados e para os mais velhos. Isso pode, inclusive, gerar oportunismo, ou seja, algumas pessoas vão se aproveitar dessa situação”, explicou o professor do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira.
Para o professor, aplicativos e sites são muito sofisticados para essas pessoas. “Isso poderia ter sido simplificado se tivesse dado às prefeituras municipais essa missão, que fariam um planejamento de maneira mais simples. E isso ocorre porque o Governo está numa disputa política de querer mostrar serviço”, concluiu.
Júlio Ponte, professor do Departamento de Teoria Econômica da UFC, apontou a rede dos Correios como suporte à Caixa Econômica Federal, como sugerem as entidades sindicais. “É mais um obstáculo essa ida ao banco. Eles deveriam usar os Correios também porque a Caixa não vai dar conta. Até mesmo para impedir a aglomeração de pessoas.”
O vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Ricardo Eleutério, lembrou que muitas cidades do interior não têm agências bancárias. “O maior problema é mesmo o deslocamento das pessoas que moram em locais que não têm transporte intermunicipal. A própria logística das pessoas chegarem na boca do caixa para pegar esse recurso é um problema”, alertou o economista.