Órfão da cada vez mais obsoleta visão neoliberal, o ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, preserva da derrocada exportadores e mercado financeiro, enquanto transforma o Brasil em nação dos trabalhadores endividados. E não faltam números para desmentir a narrativa cada vez mais descolada da realidade do “posto Ipiranga”.
A sondagem mensal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), por exemplo, já aponta para 22,3% da população com renda de até R$ 2.100 se dizendo endividada em abril. Desde o início da série histórica, em maio de 2009, esse patamar de endividamento da classe mais baixa só foi observado em junho de 2016, quando a crise política e econômica causada pelos derrotados em 2014 para afastar a presidenta Dilma Rousseff chegou ao auge.
Já a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) nesta terça (4), aponta 67,5% dos brasileiros afogados em dívidas no mesmo mês. Quinta alta seguida, ela foi de 0,2 ponto percentual em relação a março, de 0,9 ponto percentual em relação a abril de 2020 e é recorde da série histórica da entidade, igualando o patamar de agosto do ano passado.
Para medir o endividamento, a Peic leva em consideração todos os tipos de dívida, e não apenas empréstimos tomados junto a bancos. A modalidade responsável pela maior parte do endividamento é o cartão de crédito. Em abril, 80,9% das famílias com dívidas recorreram a essa modalidade – outro recorde histórico, informou a CNC.
Para a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, em meio à tempestade há quem navegue em mar de brigadeiro. “Balança comercial em abril com crescimento no saldo de 63%, puxado por exportações que subiram 50%, por alta nos preços da soja e minério de ferro e real baixo. Lucro do Itaú subiu 64% no primeiro trimestre. Mas o povo sem renda e muitos passando fome. Voltamos às antigas”, lamentou a deputada federal do PT do Paraná.
Embora o nível de endividamento tenha crescido em todas as faixas de renda, ele foi agravado para os mais pobres devido à baixa capacidade de formação de uma poupança precaucional. “Na verdade, não é nem uma poupança. É guardar um dinheiro este mês para poder pagar as suas contas no mês que vem e ter um pouco mais de tranquilidade”, explicou Viviane Seda, pesquisadora do Ibre, ao portal ‘G1’.
“A capacidade das famílias de baixa renda de construir uma poupança foi se esgotando conforme houve uma interrupção de vários programas do governo”, prosseguiu a economista, citando o desemprego crescente e o auxílio emergencial mais baixo como dificuldades a mais para essas famílias resgatarem suas dívidas.
Serasa e Febraban registram aumento da inadimplência
De fevereiro para março, a Serasa Experian computou mais um milhão de inadimplentes no país, para 62,56 milhões de pessoas. Foi o segundo maior avanço mensal de toda a série histórica. No recorte por setor, a inadimplência apurada pelo Serasa é maior nos gastos com cartão de crédito e em contas básicas, como água e luz.
“A inadimplência está começando a “desrepresar”, alerta o economista da Serasa Luiz Rabi. “Esse aumento de março foi um sinal de que a tendência de alta continua ao longo do ano. Se a dificuldade se mantém, mais ou menos em seis meses a inadimplência bancária começa a subir, e é o que está acontecendo agora”, observa.
No sistema financeiro, a inadimplência média ficou em 2,2% em março, segundo a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Mesmo que o índice tenha permanecido praticamente estável em relação a dezembro (2,1%) e abaixo dos 3% de antes da pandemia, a entidade alerta que já é visível uma piora no indicador.
No ano passado, 17 milhões de contratos com pagamentos em dia foram renegociados entre 16 de março e 31 de dezembro, com saldo devedor total de R$ 1 trilhão. A soma das parcelas suspensas foi de quase R$ 150 bilhões, com carências entre 60 e 180 dias.
Pessoas físicas e pequenas e médias empresas responderam, juntas, por R$ 80 bilhões desse total. Para micro e pequenas empresas, foram renegociados 1,75 milhão de contratos, com R$ 105,1 bilhões em saldo total e parcelas suspensas de R$ 17,4 bilhões.
Mas essas iniciativas, que evitaram uma onda de calotes no ano passado, não devem se repetir na mesma intensidade neste ano, e a Febraban afirma que já é possível detectar alta na inadimplência em contratos de prazo mais curto.
“As séries de atraso (entre 15 e 90 dias) já sinalizam uma alta há algum tempo, sugerindo uma possível piora da inadimplência à frente, especialmente nas linhas para pessoas físicas”, explica Rubens Sardenberg, diretor de Economia, Regulação Prudencial e Riscos da Febraban. “Assim, a inadimplência segue como ponto de atenção, que, embora tenha sua alta já esperada, possui magnitude ainda incerta.”
Da Redação