Com os olhos do mundo voltados para a América, a tumultuada eleição presidencial nos EUA se aproxima de seu desfecho nesta terça-feira, 3 de novembro. Com o insustentável peso de mais de 254 mil cadáveres sobre seus ombros e novos casos de Covid-19 se alastrando por 47 estados americanos – o país já ultrapassou a marca de 9,3 milhões de contágios – um combalido Donald Trump chega à reta final com danos possivelmente irreversíveis à sua imagem de criador de empregos. Segundo as últimas pesquisas nacionais, o democrata Joe Biden aparece à frente do republicano quase 10 pontos percentuais, oscilando na casa dos 51%. Já Trump permanece estacionado em torno de 42% das intenções de voto.
Os democratas são, contudo, gato escaldado. Já viram esse filme. O partido sabe que ter a maioria dos votos diretos não garante, necessariamente, uma vitória. Sobretudo porque o colégio eleitoral utiliza regras diferentes para averiguar quem é o vencedor. Pelo sistema americano, os estados têm peso desigual na votação. Ao invés de apenas o total de votos da população, são levados em conta quantos delegados cada unidade da federação tem representada no Congresso. Além disso, Biden não dispõe da máquina de notícias falsas que beneficiou Trump no pleito de 2016.
Nestas eleições, a Florida desempenhará um papel decisivo na campanha. Lá, os dois estão tecnicamente empatados, o que significa que o estado poderá pender para um lado ou outro no último momento. Na tarde de quinta-feira, 29, Joe Biden correu para a Flórida para tentar desfazer o empate. Seu discurso foi enfático e carregado de tons dramáticos. “Esta eleição é a mais importante em que você já votou”, disse aos eleitores. “O coração e a alma deste país estão em jogo aqui na Flórida”, clamou o democrata, em um comício no Condado de Broward.
Ao se analisar o quadro a partir das pesquisas populares, Biden aparece melhor colocado em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, três estados industriais onde Trump venceu com uma pequena margem de 1% em 2016, mas suficiente para garantir a vitória do republicano sobre Hillary Clinton.
Nos últimos quatro anos, a população afro-latina foi a mais atingida pela guinada ultra direita patrocinada por Trump. Os abusos de poder da polícia e sucessivos assassinatos de negros culminaram em manifestações que varreram o país e o mundo, embaladas pelo grito reprimido “vidas negras importam”. Biden tentou capitalizar o quanto pôde em cima dos movimentos populares.
Segundo analistas, apesar de não votarem necessariamente em bloco, o voto de afro-latinos, especialmente os jovens, tende a ser democrata. Por seu tamanho e a diversidade, essa parcela do eleitorado representa um fator decisivo para a vitória de ambos os candidatos em vários estados chave, da Flórida à Pensilvânia.
Máquina de fake news
Mas o seguro morreu de velho. Há quatro anos, Clinton recebeu quase três milhões de votos a mais do que Trump e ainda assim não impediu a eleição do líder de extrema direita. Além disso, nunca é demais prestar atenção à poderosa máquina subterrânea de fake news de Trump. Em 2016, milhares de postagens com notícias falsas contra Clinton e seu partido, produzidas por um exército invisível, mas que atuava em seu nome, inundaram as redes sociais. O artifício foi crucial para derrubar a democrata do caminho para a Casa Branca.
Passados quatro anos, Trump continua tão ou mais associado a campanhas de desinformação. Até o site de sua campanha foi alvo de ataques com acusações de que o presidente é o maior promotor de fake news do país. “O mundo está farto das notícias falsas espalhadas diariamente pelo presidente dos EUA”, diz a mensagem que ficou no site oficial de Trump por cerca de meia hora no início da semana.
O curioso é que o próprio Trump é um dos maiores utilizadores da expressão “fake news” para se referir a matérias críticas ao seu modo de enfrentar a pandemia ou a sua administração em geral. Trump considera-se o inventor – literal – da expressão. Apesar de ser mais conhecido pelo expediente que faz da prática criminosa.
O poder de fogo do WhatsApp
Nesta eleição, a campanha de Biden designou um time especialmente para lidar com notícias falsas sobre ele e sua candidata a vice, Kamala Harris. Há um temor de que estratégias de desinformação desgastem o apoio da comunidade indiana. Harris é filha de uma indiana e um jamaicano.
Segundo reportagem da ‘Reuters’ publicada na terça-feira (27), cerca de 72% dos eleitores indianos americanos registrados planejam apoiar Biden, de acordo com uma pesquisa da Carnegie Endowment, divulgada em setembro. Mas os apoiadores e estrategistas de Biden temem que uma campanha de desinformação pelo WhatsApp possa afetar o comparecimento e o apoio dos eleitores.
De acordo com a agência, o WhatsApp alega que sua participação na política americana é pequena. “Mas a desinformação política sobre o WhatsApp no Brasil, na Índia e em outras regiões levou o serviço, a partir de 2018, a limitar os destinatários ao encaminhar mensagens”, lembra a ‘Reuters’.
Fake News elegeram Bolsonaro em 2018
A medida não foi suficiente para evitar a catástrofe eleitoral ocorrida no Brasil. A mesma estratégia de disseminação de mentiras pelo aplicativo, articulada pelo principal assessor de campanha de Trump, Steve Bannon, foi utilizada com sucesso como arma de destruição democrática.
Com o apoio de organizações estrangeiras e o financiamento de empresários brasileiros – um crime eleitoral de caixa dois jamais investigado – disparos pelo WhatsApp com notícias falsas sobre o PT e o candidato à Presidência Fernando Haddad garantiram a vitória do extremista Jair Bolsonaro.
As denúncias sobre o uso do WhatsApp para mudar o resultado eleitoral, relevadas pela ‘Folha de S. Paulo’ em uma série de reportagens, publicadas ainda em 2018, jamais foram investigadas. Nenhum empresário foi punido.
Desemprego, pedra no sapato de Trump
A pandemia do coronavírus arrasou a América de Donald Trump, um lugar vendido como a terra que transforma os sonhos do homem comum em realidade, desde que este trabalhe duro para “chegar lá”. O sonho, no entanto, virou pesadelo quando, apenas três meses depois de o surto tomar o país de assalto, a taxa de desemprego superou o índice de desocupados em dois anos de mergulho na Grande Depressão, que teve início no fim da década de 20.
Entre fevereiro e maio deste ano, o número de desempregados saltou de 6,2 milhões para 20,5 milhões de trabalhadores. A taxa de desocupação, que estava em 3,8%, um dos mais baixos índices já registrados na era pós-Segunda Guerra Mundial, diga-se – bateu 14,7 % em abril.
Apesar do anúncio oficial de uma redução para 8% no início de outubro, a queda pode não ser suficiente para salvar Trump de uma derrocada eleitoral. Especialistas avaliam que o ritmo recente da recuperação está desacelerando. O nível atual representa a pior perda de empregos que qualquer presidente já enfrentou antes de uma eleição. Quando Trump assumiu, a taxa estava em 4,8%.
O fator Covid-19 na eleição
Para piorar, uma força-tarefa de especialistas da Casa Branca emitiu um alerta sobre uma preocupante nova onda de casos de Covid-19 em 47 estados, muitos dos quais são peça-chave na eleição. “Estamos em uma trajetória muito difícil, na direção errada ”, confessou Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas e integrante da força-tarefa, segundo relato da agência ‘Reuters’.
O time de especialistas advertiu que estados do centro e do oeste do país terão de adotar medidas agressivas de mitigação. O relatório foi obtido pela rede ‘CNN’. Em 13 estados considerados competitivos, incluindo Flórida, Texas e Ohio, a média semanal de novos casos relatados diariamente aumentou 45% nas últimas duas semanas. Minnesota e Wisconsin são as regiões em estado mais crítico.
Pelo andar da carruagem, a pandemia pode ser o fator decisivo para derrubar o presidente americano da Presidência. Segundo pesquisa da ‘ABC News’, apenas 35 % dos americanos aprovam o modo como Trump lidou com a pandemia. Além disso, 72% dos entrevistados disseram que Trump não levou o “risco de contrair o vírus a sério” e que ele falhou em tomar “as precauções adequadas quando se tratava de sua saúde pessoal”.
Da Redação, com agências internacionais